Somos todos iguais, disse o banqueiro

Há algo de delirante em muito do que acontece hoje, naquilo que nos é apresentado como notícia, e nos actores dessas notícias, como se vivêssemos num estado perpetuamente febril e nesse estado ajuizássemos a normalidade do mundo.

Só num cenário de delírio, e de delírio colectivo, se poderia apresentar o responsável por uma empresa que acaba de auferir pouco mais de 249 milhões de euros de lucro (no mesmo ano em que apresentou um pedido de ajuda ao Estado de 1.5 mil milhões de euros) e afirmar o que afirmou:

Se os gregos aguentam uma queda do PIB de 25% os portugueses não aguentariam porquê? Somos todos iguais, ou não? Se você andar aí na rua e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê? Isso também nos pode acontecer. E se aquelas pessoas que nós vemos ali na rua, nessa situação e a sofrer tanto aguentam porque é que nós não aguentamos”

Já sabem que quem proferiu estas declarações foi Fernando Ulrich, presidente do BPI e criador do mantra “ai aguenta, aguenta” que a elite nacional vem repetindo com fervor crescente. Esta evocação dos gregos e dos sem-abrigo como exemplo, supõe-se que de estoicismo e resiliência, é insultuosa e este ainda é o adjectivo mais manso que me ocorre.

Ulrich está muito, mas mesmo muito longe de sentir empatia seja pelos gregos seja pelas pessoas sem-abrigo e quem tiver dúvidas disto pode ir ver as imagens das declarações, que não é preciso ser especialista em comunicação não-verbal para percebê-lo. Citá-los porque lhe dá jeito não é reconhecê-los como gente, é só mais uma forma de reduzi-los a parte da casuística do desastre económico, danos colaterais sem maior transcendência.

Enfiar-se a si mesmo nos seus argumentos como alguém a quem, em teoria, a crise poderia afectar, é um recurso manco. Porque não podem estar no mesmo plano a possibilidade remota de Ulrich vir a ser um sem-abrigo e os factos concretizados da Grécia ter sofrido uma redução de 25% do PIB e de que quase um milhão de portugueses esteja desempregado.

Não é igualmente delirante que possamos ouvir da boca de um banqueiro a frase, que infelizmente não lhe vai servir de mantra, “somos todos iguais, ou não?”, quando o que mais tem mercado a situação económica e social actual é o aprofundamento das desigualdades, e sendo a banca de longe o sector mais privilegiado?

É ou não delirante, para não dizer filho da puta, que se apele ao estoicismo e ao sacrifício, citando como exemplo quem dorme nas ruas, quando se apresentam resultados de 249 milhões de euros de lucro?

E que se remate tudo com a cínica pergunta: “Somos todos iguais ou não?”

Comments

  1. Balhelhas says:

    PQP; FDP!

  2. Bufarinheiro says:

    “Somos todos iguais ou não?”
    É a versão portuguesa do “Triunfo dos porcos”
    Há alguns que são mais iguais que os outros.

  3. adelinoferreira says:

    …era mata-los bem mortos.

  4. nightwishpt says:

    Pois, olhe, os somálios e os norte-coreanos também aguentam não é? De que se queixa?

    • nightwishpt says:

      Tou-me pouco lixando para a votação negativa, mas fico irritado que ninguém perceba o que é uma redução ao absurdo.
      É que esta gentalha nunca estará contente até ao regresso total do feudalismo.

  5. O Ulrich é um cínico politicamente incorrecto. Acho que ele sabe disso e cultiva a faceta provocatória.
    Não obstante, estou-me nas tintas para o que ele ganha. Ganha aquilo que o “patrão” entende que ele vale. Não me entusiasmam questões pessoais de contratação de “empregados”. Não me incomodam os altos salários do sector privado. Aquilo que realmente me incomoda são os salários realmente baixos, e a pobreza, e a miséria, e o desemprego do País esquecido. Esse País que não reivindica, não reclama, não faz greves, não tem voz…
    Aquilo que verdadeiramente me incomoda é terem todos de pagar porque alguns se desleixaram na gestão do Estado do qual sou “accionista”. O Estado: essa porca gorda a quem todos se encostam e cuja teta nenhuns querem deixar.
    (sem ofensa para os suínos cuja bonomia muito aprecio)

  6. anasir says:

    Este fulano é abjecto… É dos que enriquece à custa dos portugueses que pagam ao Estado os olhos da cara para eles engordarem… Precisava de uma lição bem dada.

  7. Nascimento says:

    Uma ameixa verde debaixo dos pés.Acabava-se o ladrar do filho da puta!

    ps. reparem na cara de merda que tem a garota jornaleira.Nem é capaz de responder ao ranhoso. é esta a merda de jornaleiros/as que existe…

  8. João Riqueto says:

    Os números irracionais são essenciais à matemática. Esta entidade irracional é essencial, a esta banca.
    .

  9. Jorge says:

    Dado o estado adiantado da coisa nao sei se este delinquente ainda era recuperável num Gulag daqueles mesmo na Sibéria.

  10. FDP.

  11. Tugre says:

Trackbacks

  1. […] porque é que não aguentará o Ulrich? […]

  2. […] Heloísa Apolónia esta manhã pediu ao primeiro-ministro que censurasse na Assembleia da República o banqueiro Ulrich pelas suas declarações desprezíveis. […]

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