Independentes, a nova caderneta de cromos

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As desavenças entre os cromos de topo dos partidos políticos, recorrentemente os do arco de poder, aparecem sempre em vésperas de eleições, que se constituem assim como feira de vaidades para os egos esdrúxulos de muitos políticos que medram nas máquinas partidárias ao sabor de ambições pessoais e, quando o partido os pretere, não têm pejo em se hastearem como independentes, permitindo-se morder a mão de quem os ajudou a alcandorarem-se social e politicamente. Tantas vezes com o único mérito de serem o que são: arrivistas.

A lógica partidária tem ciclos de influência, e todos os militantes deveriam saber que, em determinado momento, as eminências serão outras, há que respeitar a alternância, virtude que todos reclamam para os outros como mandamento democrático, mas de que esquecem quando a “desgraça” lhes bate á porta.

Matosinhos está mais uma vez no topo desta lógica independentista de políticos outrora nas boas graças dos aparelhos partidários.

Se, nas últimas eleições, o cisma de Narciso criou Guilherme, as próximas autárquicas criaram já o cisma de Pinto. Miranda não gostou de ser ultrapassado por Pinto, o qual, por sua vez, odiou ser ultrapassado por Parada, o António, de quem, aqui no Aventar, já se disse quase tudo.

E nem o sinal para dentro do partido que António José Seguro deu, primeiro, ao promover uma nova lua-de-mel entre Mário Soares e o poeta de “O canto e as armas”; depois, submetendo-se às exigências de António Costa para não perder o lugar, lançou luz nestas manifestações de individualismo e de desvario.

Guilherme Pinto esqueceu depressa como chegou a Presidente da Câmara de Matosinhos, suportado pelo partido contra Narciso Miranda, entretanto caído em desgraça.

O que esperava agora?!

Ele, que atacou Narciso, julgou-se agora acima de qualquer insídia e, à primeira facada nas costas, correu a recolher-se no albergue espanhol dos independentes, lançando fora quase quarenta anos de filiação partidária que o levaram de militante de base a vereador, de vereador a Presidente de uma das câmaras mais apetecíveis. E fê-lo como um verdadeiro cromo, aquela figurinha de colecção em caderneta, com a legenda:   Sem mim será “o desastre!”.

E tudo isto porque o Secretário-Geral não teve “cinco minutos para falar com o Presidente de uma das autarquias mais importantes do PS”. Exactamente como vem escrito nos jornais. A Câmara de Matosinhos não é do país, é do PS, tout court!

Lapidar ainda outra frase do ex-socialista: “Há quatro anos, defrontei alguém com quem trabalhei lealmente durante muitos anos e que se candidatou contra mim. Agora é, porventura o tempo de me candidatar contra alguém que deveria ter trabalhado na minha equipa, mas a única coisa que soube foi ser desleal”.

Ou seja, aquilo que deveria ser a candidatura de um projecto político global pelo povo, transforma-se nesta sede ambiciosa em projecto na primeira pessoa contra alguém, pessoalizado, excluindo-se a verdadeira essência da política, a “res publica”.

Nesta manifestação de egos feridos, quiçá ultrajados, o actual Presidente de Matosinhos aceitou de bom grado o presente da traição do partido a Narciso Miranda, porque lhe convinha. Quando o feitiço se virou contra o feiticeiro, fazendo emergir outro monstro do aparelho, e lhe foi dado a provar do seu próprio veneno, aqui d’el-rei que foi atraiçoado por alguém que se limitou a ser desleal… Com mestres destes, que alunos se esperam?

Mas estas guerrinhas internas não são apanágio do PS, embora se trate de emérito cultor desta praxis. Pessoalmente, gostei de saber que a zanga entre os dois gerontes, que julgava vinculada ao facto de Manuel Alegre se ter atravessado na frente do maior do clã, a votos para a Presidência da República, afinal era mais antiga, quando se deu a sucessão de Ferro Rodrigues. Manuel Alegre terá prometido apoio á candidatura de João Soares para Secretário-Geral, mas decidiu avançar com uma candidatura própria, fazendo abortar o sonho dinástico do clã Soares. Exemplos dignificantes duma política ao nível dos interesses.

ImagemSem nos perdermos de Matosinhos, e levantando o anátema de que o PS é exemplar nestas questões de egos mal geridos, nestas traições palacianas, nesta existência em que os arrivistas gerem as máquinas partidárias, nada mais sabendo fazer porque foi nesse ambiente que cresceram, há que virar ligeiramente à direita e entrar na porta ao lado.

Outro Guilherme, com um valente “x” no lugar que julgava ter conquistado na caderneta de cromos dos Presidentes de Gaia, foi levado “A-guiar” a sua ambição para a autarquia onde já está. E, não sendo cabeça de lista por Matosinhos, Guilherme, o Aguiar, parece tentado a seguir as pisadas de Guilherme, o Pinto, com quem lidou muito bem na gestão camarária, e pondera avançar como independente.

Mas será que, do “outro lado” da política, o lado lunar da “obra” que manteve Valentim Loureiro ou Isaltino Morais no poder como independentes, há ainda lugar (ou falta de memória) para gente desta, apaixonada pelo umbigo?

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PS. Afinal, António Costa “wasn’t the man”. A minha solidariedade com os órfãos! Ainda não é o tempo, ainda há muita pedra para partir antes da chegada dos providenciais.

Comments

  1. jorge fliscorno says:

    Quem está no poder — assim o tenho constatado, considera como seus os bens públicos que, por algum tempo, estão sob a sua gestão. Lembrei-me agora, para citar um exemplo mais antigo, de Elisa Ferreira nas últimas autárquicas a bramir “É o dinheiro do partido, do PS”.

    Mas é um ser seu sem de facto o sentirem como seu, já que algo que se considere nosso trata-se bem e procura preservar-se. Olhando para a incúria como a rés pública é tratada, para a facilidade como se estoira dinheiro, quem gere o bem público não o faz como sendo de facto seu mas sim como um miúdo que ganhou um brinquedo e que dele vai tirar o maior proveito que conseguir enquanto o mesmo durar.

  2. Aureo Almeida says:

    Apenas uma correcção Guilherme Pinto chegou à Câmara de Matosinhos pela mão de Narciso quando o PS concelhio pretendia Palmira Macedo aliando-se logo após a eleição aos que o rejeitaram. Daí uma das razões da candidatura independente de NM no 2o mandato de GP

  3. Atenção Armindo: não vi nem vejo em António Costa o providencial salvador, apenas *o único* quadro do PS com experiência e popularidade à esquerda para liderar um governo de esquerda. E neste raciocínio, é a esquerda que me interessa. Quanto a Matosinhos, percebo nada das guerras intestinas que por lá se travam, interessando-me essencialmente analisar o que se está a passar com o decadente e cada vez menos democrático sistema partidário feito de sacos de gatos que se comem uns aos outros

    • Touché!
      O “PS” tinha dedicatória, foi uma provocaçãozinha…
      Sarah, falando sério, respeito a sua posição política, e concedo que António Costa poderá ser, por experiência e popularidade, um bom aglutinador da esquerda, e o mais indicado para a liderar.
      O que me parece também é que, podendo não ser providencial (não gosto de providenciais, já nos chegam os que tivemos ao longo da nossa história), assumiu uma postura de providencial, desde logo impondo regras a Seguro para não o apear. Depois, no acto segundo desta peça em vários actos, começou a falar-se da dança de lugares. E, aí, começo a recear. Quando começam a contar-se as armas, elas acabarão por cantar, mais tarde ou mais cedo. É disso que tenho medo, “desse saco de gatos que se comem uns aos outros”.
      Que António Costa pode elevar o debate político?! Pode. O meu receio é que seja só o debate, quando o que nos falta é uma boa praxis política, essa dimensão, que, sendo prática, tem de ser ética também.

      • Sarah Adamopoulos says:

        Seja como for, ainda há as Autárquicas para o Costa ganhar. Concordo que aquilo não correu bem a Costa, mas seja como for não há alternativa, não há outra pessoa no PS (nem no PC, nem no BE) com a experiência de terreno governativo e contacto com o povo, e nem a estatura mediática dele, isto é, a popularidade junto dos eleitores, coisa que o Seguro não tem nem terá (não é nada que o tempo resolva), mas apenas o insuficiente apoio do PS das filhas-da-putice entre uns e outros. E sim, acredito que há uma ética em Costa, espero não estar enganada, que isto dos políticos profissionais costuma ser opaco

  4. replica says:

    Uma cambada de chulos do POVO

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