2 de Março: texto de Paulo Varela Gomes

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A mais conhecida frase de Gandhi é:
«Não há qualquer causa pela qual esteja disposto a matar. Mas há causas pelas quais estou pronto a morrer.»

Estas palavras resumem a perspectiva de luta com que hoje se defrontam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, mas em especial no Ocidente (Europa e continente americano). Estamos na última das extremidades: está em jogo a vida das pessoas. Primeiro seremos reduzidos à pobreza. Depois farão de nós o que bem lhes aprouver.

A maioria das pessoas no Ocidente já há duas ou três décadas percebeu aquilo que a esquerda ocidental mostra extrema relutância em aceitar: que não vale a pena nem é possível combater apenas por meios legais o capitalismo sustentado parlamentarmente.

A maioria das pessoas pensa que os políticos são uns aldrabões ou corruptos, que o sistema judicial está ao serviço deles e que só os ricos e poderosos se safam. O chamado «descrédito do sistema político», assunto sobre o qual se têm tecido profundíssimas reflexões, é simples de explicar: o sistema está desacreditado porque não merece crédito. As pessoas já perceberam. Uma parte delas continua a votar por desfastio, a outra vota com os pés.

A esquerda parece estar convencida de que escapará entre as gotas desta bátega torrencial de desilusões recorrendo à luta dentro do sistema: o discurso parlamentar, as eleições, a ocasional coluna nos jornais ou prestação televisiva, etc. Triste engano. A maioria das pessoas não distingue um deputado do PCP de um do PSD, para referir casos portugueses. Estão todos no mesmo sistema.

Dizer coisas como esta pode parecer o regresso a um dos mais velhos debates da esquerda ocidental: como combater o sistema capitalista e o seu parlamentarismo? A partir de dentro ou a partir de fora?

Parece, mas não é. Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído. Mas têm alternativa os seus governos e regimes mais injustos e corruptos. É indispensável resistir-lhes, desgastá-los, desregular-lhe os mecanismos de funcionamento, derrubá-los.

Para resistir desta maneira não se pode agir apenas com os meios que o sistema permite. Quando se convoca a greve geral nº 354, a grande manifestação nº 1723, ou se assina o manifesto nº 10 655, só se está a desacreditar a greve geral, a manifestação e o manifesto, respectivamente.

Todavia, as greves e as manifestações podem atingir uma dimensão verdadeiramente surpreendente se pararem de facto o país, se encherem de facto as cidades. É por isso que vale a pena investir em manifestações como a de 15 de Setembro ou a de 2 de Março próximo. Para surpreender e assustar os poderosos.

Deve pensar-se que a resistência armada ao sistema está sem qualquer dúvida na ordem do dia e será uma realidade mais cedo do que tarde. Todavia, é muito perigosa tanto do ponto de vista ético como político. O passado demonstrou-o muitas vezes.

Mais importante e efectiva é a resistência desarmada, a resistência passiva. É preciso seguir o lema de Gandhi.

Em vez de termos cinco mil pessoas em frente de S. Bento, é preciso ter cinquenta mil, deitadas nas escadas em levas sucessivas, sofrendo as cacetadas da polícia, aguentando os canhões de água, sendo presas.

Há cinquenta mil pessoas em Portugal dispostas a isto?

Não me parece. Nem sequer cinco mil.

E porquê?

Por muitas razões que todos conhecemos e uma que nos recusamos a reconhecer: porque a esquerda é vítima do seu servilismo parlamentar e acredita só poder existir enquanto tiver lugares no parlamento e aparecer na televisão ou nos jornais a apertar a mão do PR. De facto, a esquerda não promove e até condena a resistência passiva. A primeira coisa que diz um sindicalista ou dirigente da esquerda após convocar uma manifestação é que será «pacífica». A primeira exclamação que lhe sai da boca mal alguém se agita é «calma camaradas!»

Esta é a responsabilidades negativa da esquerda.

Olhemos agora para as suas responsabilidades positivas:

É sua estrita obrigação política e ética apoiar, promover e assumir o rosto da resistência passiva. Se o fizer dará o exemplo e a resistência poderá crescer. Para isso, os seus representantes, e com eles os intelectuais de esquerda e os independentes que estão contra o sistema, terão que estar prontos para resistir.

Se não há cinquenta mil pessoas dispostas a aguentar em frente do Parlamento, há dezenas de deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar; não pagar impostos e incitar ao não pagamento; sentar-se numa linha férrea em ocasião de greve dos comboios, etc., etc., etc.

Perdiam o mandato? Iam presos?

Nas presentes circunstâncias, vivendo nós sob um regime ilegítimo eticamente e tirânico politicamente, o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins é a prisão.

(Pessoalmente, sentir-me-ia muito mais contente comigo mesmo e com este texto se tivesse saúde para agir em conformidade com o que aqui escrevi.)

www.queselixeatroika.net

Comments

  1. Observador says:

    Aqui está um bom exemplo a lembrar, quem anda distraido, a forma como as pessoas que estão a ser roubadas e espezinhadas todos os dias, e ao mesmo tempo um apelo para que a manifestação de 2 de Março venha a ser ainda maior do que foi a de 15 de Setembro. Força.

  2. João Paz says:

    “Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído.”
    A isto eu chamo vistas curtas e já muitos outros o afirmaram no passado e foram ultrapassados pelos acontecimentos.
    Quanto á necessidade de lutar nas ruas e à vacuidade da esquerda parlamentar estou de acordo. O Parlamento é a casa da troyka porque perto de 90% dos deputados a defendem.
    A resistência passiva pode ser útil enquanto não houver gente suficiente para passar à ofensiva.
    Mas mais importante que o número de pessoas dispostas a lutar são as ideias que têm na cabeça e não podemos nem devemos esquecer que há uma relação dialéctica entre as ideias e as coindições materiais.

  3. lidia drummond says:

    PAULO o seu escrito é tão lindo que chorei. Espera que dê noticias das suas melhoras e eu que nunca fui a uma manifestação, juro que o acompanho. Um grande abraço e força para escrever textos tão lindos

  4. xico says:

    Talvez fosse bom perguntarmos aos chineses como é que o partido comunista chinês faz em relação aos trabalhadores, ao trabalho e à transparência na coisa pública.

    • João Paz says:

      Boa iniciativa Xico! >Talvez fosse uma boa hipótese de esses fascistas deixarem de vez cair a máscara “comunista”” que ostentam.

  5. quase todos podem ter algo a perder.preferem amouchar a colaborar em ruturas.é em portugal uma posição centenária.

  6. nightwishpt says:

    Grande verdade, mas

    “Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído.”

    Claro que tem, sobre isso digo apenas que qualquer semelhança entre o actual sistema e uma democracia representativa é pura fachada.

  7. o meu receio é que se substitua isto por algo ainda pior.vide monarquia liberal,primeira republica.isto não quer dizer que esteja de acordo com as mudanças acima referidas.vasco p.valente retrata isso como ninguem

  8. Coronel Z says:

    «deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar»
    Lancei em tempos esse repto a um membro do PCP.
    Quando o PCP pediu acesso ao estatuto remineratório do BdP, impedido pela maioria, porque é que o PCP não tornou pública uma acção: “greve de uma semana ao Parlamento”.
    A propósito da Grândola de há dias,
    uma muito mais consistente:
    50 ou 100 eleitores nas bancadas;
    Patear a presidente AR, demorada e repetidamente à semana;
    Até que fosse suspensa a sua reforma pouco legal;
    Insistir… num caso concreto de violação da CRP, de captura das finanças do Estado, da formação de uma elite de proxenetas políticos.
    Até que fosse porta fora.
    O que irei propor na APRe.
    PS: soube ontem, na Alemanha, reformados com trabalho, veem suspenas as pensões de reforma.
    A bem da Nação.

  9. palácios.obviamente.

  10. Coronel Z says:

    Por tudo o que não seja Bloco Central,
    Óbviamente.

  11. pela tropa fandanga?pela esquerda (pcp+be)?quem me dera.seria uma especie de vacina e calava os fala- barato por uns tempos

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