Por que vou ao 2 de Março

Tenho lido alguns testemunhos de pessoas importantes, umas que admiro, outras nem por isso. Todas dizem das suas razões para estarem presentes na próxima grande manifestação.

Eu sou importante apenas na minha casa e no meu ambiente familiar e social (e às vezes nem aí), mas sinto necessidade de «botar» por escrito as minhas motivações. Esta postada será também publicada no blogue das minhas filhas, para que um dia elas possam perceber o que motiva a sua mãe.

Não sei se elas serão como eu, tão críticas do que se passa em seu redor, tão revoltadas com o que está errado ou se, pelo contrário, serão seres amorfos, conformados com o que sucede. Não sei se elas serão de esquerda ou de direita. Não sei se elas se envolverão na sociedade lutando para que o mundo seja melhor. Mas sei que tudo farei/ que tudo faço para que elas sejam pessoas esclarecidas. Para que tenham na base da sua educação princípios de amor ao próximo, de solidariedade, de dignidade própria e de todos os seres vivos, de liberdade.

E também por elas estarei presente no tsunami de 2 de Março. Por elas e por mim. Por elas, por mim e por todos nós, cidadãos cada vez mais gasparizados de tudo o que nos pertence, cada vez mais entroikados por essas troikas e por esses governos feitos de seres que vivem muito acima das nossas possibilidades, muito acima das nossas realidades.

Eles não sabem nem sonham de que são feitos os nossos sonhos, da capacidade que os Portugueses, melhor do que muitos povos, possuem de se revoltar pacificamente contra o que está errado. Espero que, tal como esta onda Grandoladora que temos visto a crescer, o 2 de Março mostre claramente aos governantes de hoje e aos do passado que estamos fartos. Queremos dizer basta.

Eu vou ao 2 de Março para gritar: Chega de tantas mentiras. Chega de tantos benefícios para tão poucos em troca de tão poucas contrapartidas para tantos. Chega de tantas socretinices. Chega de auto-promoção. Chega de tanto ajoelhanço perante alguns líderes internacionais. Chega de tanto beija-mão (estou a ser educada, preferia dizer tanto beija-cu.  Ups, já disse!) aos donos dos bancos. Chega de fazerem tantas peças de joalheria a quem não merece. Façam-nas antes ao povo, que tudo paga, que tanto aguenta.

Eu vou ao 2 de Março porque quero e acredito numa sociedade mais digna e mais justa para mim, para as minhas filhas e também para todos os outros. Não me basta que o nosso futuro sorria. Preciso que todos os Portugueses tenham as condições básicas de vida. Que todos tenham tudo o que a «liberdade a sério» realmente significa e que é, simultaneamente, tudo o que nos dá liberdade: a paz, o pão, habitação, saúde, educação.

Eu vou ao 2 de Março porque defendo uma democracia viva, saudável, participativa, na qual o povo conte e não esta coisa parada com cheiro a podre onde apenas alguns decidem à revelia de quem votou para os sentar nos seus galhos. Este arremedo de sistema democrático, esta imitação barata a que se chama alternância, cujos máximos resultados são sempre entregues à abstenção.

Eu vou ao 2 de Março porque quero poder ver notícias livres de censura, porque quero que os jornalistas e os meus colegas bloguers possam fazer artigos, reportagens ou dar as suas opiniões sem serem alvo de ameaças. Porque quero que vivamos numa sociedade onde impere o respeito pelos outros e o entendimento e não esta cultura do medo amplamente difundida pelos meios de comunicação social em que nos querem manter, como mais uma forma de subjugação.

Eu vou ao 2 de Março porque cada vez vejo mais pessoas a dormir nas ruas, mais mãos estendidas à porta dos supermercados. Cada vez ouço e leio mais histórias de miséria, mais pedidos de ajuda em produtos essenciais. Cada vez vejo mais idosos com receitas que não podem aviar nas farmácias. Porque voltaram a bater-me à porta quase diariamente a pedir «uma ajudinha». Sempre pessoas diferentes, que a vizinha se encarrega de mandar pedir-me a mim porque «ela dá». Mas o que é que eu dou? Um pacote de leite, arroz, massa, queijo, enlatados para comerem numa qualquer esquina, algum dinheiro? O que é isso? Ninguém merece viver de esmolas.

Eu vou ao 2 de Março porque apesar de tudo o que me gasparizaram (dinheiro, trabalho, alguma alegria, admito), apesar de tudo isso, ainda tenho dignidade e esperança. Ainda sou uma privilegiada em comparação com os meus concidadãos que foram muito mais afectados. Eu ainda posso sonhar. Infelizmente, muitos já não o conseguem.

Eu vou ao 2 de Março porque me revolta e me sinto absolutamente impotente ao saber de tantos suicídios de pessoas que já não conseguem pagar as contas e deixaram de ver «a luz ao fundo do túnel».

Eu vou ao 2 de Março porque me dói ver tantas empresas a fechar, tantas casas à venda, tanta gente sem emprego, tantos jovens sem esperança.

Eu vou ao 2 de Março porque defendo a não-violência e acredito que se pode fazer uma nova revolução pacífica, que não é tarde para mudar.

Eu vou ao 2 de Março porque tenho medo de uma sociedade sem esperança, porque não quero viver num país condenado ao fracasso, relvarizado por uns desputazinhos que agora até parece que querem mudar o sistema político. Que não se coíbem de mentir com quantos dentes têm naquelas bocas fétidas, de gozar com a infelicidade dos outros, afastados cada vez mais do povo a quem ludibriaram.

Eu vou ao 2 de Março porque sou mais uma profissional que não deixam ser, sou uma mãe que não me podem impedir de ser e sou uma cidadã a quem ainda não cortaram a voz. Felizmente, tenho ouvido cada vez mais cidadãos com as vozes cada vez mais afinadas e em sintonia.

Eu vou ao 2 de Março porque sozinha canto muito mal.

Comments

  1. É preciso resistir à devastação da Troika.
    Mais em http://www.anticolonial21.blogspot.com

  2. Duarte Suzana says:

    Na Suíça vai haver manifestação? Onde? Não encontro informação alguma!!!

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