Futebol, PREC e as voltas da vida

(na morte de João Rocha)

Em 1975 Portugal era um manicómio sem gerência: cada qual agia como lhe dava na gana. O PC, que sobre ser ditatorial e estalinista, não tem senso de humor nem graça nenhuma, gastava as 24 horas do dia a fazer ensaios, mais ou menos violentos, da revolução bolchevique (com que ainda sonha). Levava a coisa tão à séria que até Cunhal, quando desembarcou em Lisboa, se empoleirou numa chaimite com um um soldado de dum lado, um marinheiro do outro, à Lenine. Transposto no tempo e em Portugal, ficou um quadro de revista a que não faltava o folclore, entre colorido e foleiro, daquele colar de missangas a que se convencionou chamar de extrema esquerda.  O país não comunista, que era a maior parte, gastava as mesmas 24 horas do dia a trocar as voltas aos de obediência soviética e a inventar tudo quando os pudesse avacalhar. A resistência foi sofrida e dura, mas feita com ar de riso e cantigas (como agora).

À quinta-feira à noite, fechado o jornal, eu apanhava o comboio em Tomar e ia para Lisboa saber notícias e espairecer. Começava por fazer uma coisa e outra no Botequim, um bar propriedade do marido de Natália Correia e por ela animado. Todas as noites ali desaguava o Conselho da Revolução, na sua vertente Grupo dos 9, o que entusiasmava a esquerda caviar, provocava o centro esquerda  e enraivecia a direita nostálgica. A actriz Maria Paula, ao piano, bonita, bela voz e finíssima de maneiras, debitava músicas populares com que logo a malta brava enroupava  versalhada malandra produzida pelo médico Fernando Teixeira. Foi de antologia a noite em que, querendo reinar com  Francisco Pereira de Moura, católico enfileirado com os comunistas a dizer barbaridades, a rapaziada cantou:

Ai, olarilolela
Como este não há nenhum
Karl Marx e água benta
Resultado: 31.
Saltou de lá Rita Rolão Preto com uma cantiga de resposta, maila Júlia Babo, a rapaziada voltou ao ataque e aquela bulha de músicas ia acabando em arraial de estalada, enquanto Natália Correia ia batendo com a longa boquilha nas cabeças duras a pedir calma.  Enfim, era um lugar divertido, descontraído, boa fonte de notícias, onde conheci pessoas que guardei na minha estima.
Foi ali que conheci o então presidente do Sporting, João Rocha. Pelos vistos, fomos com a cara um do outro porque tivemos grandes conversas. Como o João Rocha viajava muito, passou a levar e trazer correio, a trazer jornais do estrangeiro.  Convidou mesmo um grupo restrito, em que teve a gentileza de me incluir, para irmos jantar um churrasco no jardim do casarão que habitava na Lapa, num seu regresso dos Estados Unidos. Contou-nos da nossa comunidade naquele país, do que dizia, do que pensava acerca da situação da nossa terra. Foi o João quem me apresentou Silva Resende, um homem de saber enciclopédico e de grande carácter. Mais tarde, por mais de uma vez, estivemos todos à conversa no escritório de Lúcio Thomé Féteira, onde éramos recebidos e instalados de forma impecável e simpática por Rosalina Ribeiro, a senhora que foi assassinada no Brasil.
João Rocha, sempre elegantemente vestido e discreto, a saber ouvir com atenção, era amigo do seu amigo, era cuidadoso com as pessoas. Em 1976, o Sporting foi jogar pela primeira vez a São Miguel e o João, que decidiu levar a mulher e a filha, convidou-me a ir descansar uns dias nos Açores. E como eu estava cansada! Tínhamos a rádio e os jornais à espera, eu encontrei no meu quarto de hotel um belo ramo de flores e um convite para jantar em casa de Margarida Jácomme Corrêa, a musa de Cortes-Rodrigues e de Vitorino Nemésio.  Ao lado das flores estava o livro que Margarida acabava de publicar, Memórias da Cadela Pura. Foi um jantar interessante aquele, com vários rapazes da FLA a falarem da independência dos Açores  por recearem que Portugal caísse nas garras da União Soviética. Desde então fiquei a olhar para os Açores com olhos de ver.
Pouco depois de ter chegado ao Canadá, houve um banquete em honra do Sporting, em Newark, no estado de Nova Iorque, e eu fui até lá com compatriotas sportinguistas de Toronto, para dar um abraço ao Silva Resende e por ele saber novas da pátria. E como recebo sempre muito mais do que mereço, tive ali um inesquecível pequeno almoço com o Padre Jerónimo, antigo capelão  da Força Aérea que foi professor no Colégio de Nun´Álvares, onde fiz o secundário.
O Padre Jerónimo, que era bom garfo e guloso, pôs no meu prato a última fatia de um queijo da Serra. Fiquei enternecida com esta prova de carinho do meu velho professor.  Durante uns anos, o João Rocha telefonou-me algumas vezes, sempre preocupado. No meio disto tudo uma equipa de futebol, sportingista, numa cidadezinha dos arredores de Toronto, pediu-me uma cunha em Portugal para eles poderem ter o equipamento lagarto. Escrevi ao João Rocha e dali a pouco tempo, chegava ao Canadá um caixote com tudo o que era preciso para os rapazes se vestirem à maneira. Mas como eu não tinha transporte, aceitei a oferta de um padre minhoto que pastoreava nessa cidade. Depois, durante um tempo, foi o grande mistério para mim: o padre só entregou a encomenda contra pagamento. Para obras pias, já se deixa ver.  Por estas e por outras é que, na primeira vez que fui a Portugal, convidada para jantar com vários padres que foram meus amigos sempre, desabafei: “se eu não perder a fé no Canadá, nunca mais a perco”.
Tudo isto foi num tempo em que eu não sabia as coisas mais básicas de futebol, nem nunca tinha ouvido um relato. Agora a coisa é outra: já vejo relatos, já vou à procura de resultados, sei dos jogadores e dos treinadores. A saudade é uma grande lição.
E agora, o João Rocha chegou ao fim da estrada. Que Deus lhe dê um grande Sporting no céu. Bem o merece.

Comments

  1. maria celeste ramos says:

    Pois eu recordo o verão quente de 1975 em que colega pelos vistos pc, dizia – é melhor o pior dos PC do que outra coisa qualquer – mas com a vivêncai durante 12 anos dos colegas que fui sabendo PC (eu de política era tão zero como sou ainda hoje de outras coisa) – fiquei vacinada com PC – mas agoar estou vacinada com PSD (em que nunca votei) com o estpu vacinada com PS (em que sempre votei até 2012) e agora vorar em branco ou amarelo ou cor de burro quando foge não sei pois que vou votar – o BE anda aos coices – talvez surja outro partido e gente “mais” decente no “mercado político” – se um partido não é apenas uma pessoa, há pessoas que os emcabeçam que me fazem desistir como o PR por exemplo – entre outros “banqueiros” e eurodeputados – a lixívia já não limpa nem os coliformes da água de utilidade pública e até do céu a água da chuva é PORCA porque o ar está porco – tudo está porco e engrafitado

  2. eduardo soares says:

    Mais um que em 74 suspirou por marcelo ! Ah grande jornalista, formidável compreensão dos anos que seguiram o fim da DITADURA.
    Dou-lhe os parabéns e felicito-me por não me lembrar do seu nome.
    Escreveu para “o diabo” , o diabo do homem ?
    Faltou-lhe dizer que em 2013 ainda sofremos do prec e os russos só não chegam aí porque o cónego melo está vigilante !!!
    Grande J …
    (em fundo um traque ruidoso e uma formidável gargalhada)

  3. Edmundo Gonçalves says:

    Arre porra!
    O espaço é seu, pode dizer as parvoíces que quiser, mas esperava melhor de alguém de Tomar e aluno do Nun’Alvares.
    Havia necessidade de, para falar de João Rocha, destilar tanta verborreia contra um homem que, concorde-se ou não com ele, passou 11 anos numa solitária para você dizer as parvoíces que quiser?
    Estamos melhor agora que em 1975? estamos, certamente! agora todos temos telemóvel, computador, coisa que era proibido pelos sacanas dos comunistas! ah! pois…não havia ainda. Não interessa! fica determinado que para todo o sempre, todo o mal que aconteça neste país, é culpa dos comunas que mandaram neste país durante…dois meses, nos últimos 38 anos!
    Haja paciência! podia ao menos ter aprendido alguma coisa com a Natália.

  4. lidia drummond says:

    Mas o “doutor” Relvas era seu colega no Nuno Álvares de Tomar?, daí o seu actual Adjunto João Gonçalves, do Blog Portugal dos Pequeninos, lhe ter aposto o nome de TORQUEMADA DE TOMAR, e ALFORRECA AO PASSOS em 05.07.2011 e 9 meses depois nasceu Adjunto. por ser jurista e além disso os Adjuntos não declaram rendimentos no Tribunlal Constitucional ao contrário dos Ministros. Isto dá um jeitão. A propósito, podem dizer-me alguma coisa sobre uma secretária do ALFORRECA – Maria Helena Belmar da Costa, exonerada pelo Pssos dizendo que ela mexeu, fanou qualquer coisa dele. Mas não participou à justiça.Lá não sabem nada da difamada ou não, com 30 anos de fidelidade canina ao RELVAS, até era sua secretária no caso da TECNOFORMA. Mas segundo fonte local A NOIVA não gostava dela até a camava “A BELHA”

  5. Maria Santos says:

    Excelente comentário o de Edmundo Gonçalves e o final está soberbo. Alguém me sabe dizer que partido é o PC? É que não conheço nenhum…Será que se engaram e queriam dizer Personal Computer?

  6. Fernanda Leitao says:

    Fernanda Leitão
    Respondo à Lídia Drummond: Não, o Relvas não foi meu contemporâneo no Colégio de Nun´Álvares, em Tomar. É muito mais novo do que eu. Nem tenho o desprazer de conhecer esse meteco que à cidade tudo deve e a tem envergonhado. Julgo saber que está em vias de ser afastado da Assembleia Municipal. Tem graça o que conta e que eu, a 5 mil kms de Portugal, desconheço. Condiz a bota com a perdigota. É tudo rapaziada fina e com má memória. Já agora, retribuo contando-lhe que em 2011, na Festa dos Tabuleiros, quando o Relvas atravessou a Praça da República de mão dada com a ex-mulher, foi copiosamente assobiado pela multidão. Foi nesse momento que, querendo saber o porquê da vaia, me foi relatada a biografia do doutor de fancaria. E fiquei de olho nele e nas arrastadeiras que o servem.

  7. Pisca says:

    Porra que já cansa a historia do chaimite e do Lenine no aeroporto.

    Santinhos até o Jaime Neves que julgo ser insuspeito, contou e recontou a cena, à falta de sitio e dada a multidão, foi ele priprio que disse para o A.Cunhal falar de cima do blindado.

    Não há nenhuma, mas nenhuma fotografia onde esteja no meio de um soldado e um marinheiro fica um link para poderem ler alguma coisa por quem lá esteve.

    http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2011_11_01_archive.html

    Claro que pode sempre continuar a marrar no assunto

    • João Pedro says:

      Tem razão, Pisca.
      É preciso repôr a verdade. Contra a caricatura, a falsificação, a injúria.

      JPedro

  8. Jorge says:

    Leitão, és um porco.
    Foi o teu amigo JNeves do 25 Nov e dos massacres em Mocambique que ofereceu o chamit e não havia lá nenhum marinheiro.

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