Insónia

insónia I

Pela primeira vez, ppc e a sua corja tiraram-me o sono.
Escrevo este texto às quatro da manhã, depois de ter acordado por volta das duas e não conseguir pregar olho. E por que é que isso acontece? Não, não é porque esteja a arder de desejo carnal pelo coelhito ou por algum dos seus hediondos assassinos a cobro. É porque, mais uma vez, mas hoje muito mais do que antes, me sinto soterrada.
Fui professora. Já nem posso dizer que o seja. Dou umas formações de vez em quando, pagas a recibos verdes. Sou mais uma das escravas do Estado. Trabalho para lá, mas nada recebo em troca.
A escola onde vou dando formação ainda me deve quase três mil euros relativos a honorários do ano passado. Não tenho direitos.
Se ficar doente, temos pena, não ficasse.
Se perder o pouco trabalho que tenho, e acabarei por perder porque os cursos de formação não duram indefinidamente, temos pena, soubesse escolher uma profissão de jeito.
Agora, há riscos grandes, enormes, assustadoramente assustadores, de o meu marido ser um dos no mínimo dez mil professores afectados com a passagem forçada para o quadro de mobilidade. A ganhar metade do salário.
Como vamos sustentar as nossas filhas e todos os dependentes que temos?
Pago a prestação da casa dos meus pais porque eles, com reformas cada vez mais esmagadas, nunca puderam sair da casita alugada e com muito poucas condições onde viviam. Fomos nós, juntamente com o meu irmão e cunhada, que conseguimos dar-lhes uma casa mais confortável e mais adequada à doença do meu pai e ao envelhecimento que pende sobre cada um de nós. Nem imagino como teriam sido os últimos anos de vida do meu pai se ainda vivesse na outra casa.
Tenho cães e gatos que dependem de mim. Sim, eu sei, para muita gente os animais são meros adereços, brinquedos que se deitam fora quando já não servem ou quando nos cansamos deles. Mas para mim, são meus dependentes. Fazem parte da família.
Ao longo dos últimos anos perdemos o meu salário. Acumulando o trabalho precário como formadora mais o trabalho precário como explicadora e o trabalho a prazo como professora, lá ia ganhando entre quinhentos e mil euros mensais, durante seis, sete ou oito meses, conforme o trabalho que tivesse.
Perdemos os subsídios de férias e Natal a que eu tinha direito.
Perdemos um dos subsídios do meu marido. O outro chega todos os meses sob a forma de duodécimos.
Perdemos uma parte do salário do meu marido.
E podemos agora perder metade do salário dele.
Enquanto tiver sanidade mental, não me suicidarei nem entregarei as minhas filhas a nenhuma instituição. Mas não sei se terei sempre sanidade mental.
Para a manter preciso de dormir. De ser forte na adversidade. E preciso, sobretudo, de lutar. Cada vez mais.
E, como já pouco me resta e quase nada tenho a perder, passo, a partir deste dia, a alinhar em todas as manifestações contra o governo, pacíficas ou violentas.
Até agora, lutei sempre de forma pacífica e sempre fui contra a violência. Só que até agora lutei também por mim, mas sobretudo pelos outros. Pelas pessoas que estiveram sempre e ainda estão em situação muito pior do que a minha. Sempre me disse uma privilegiada. Se todos tivessem o que eu tinha, era o suficiente.
Quase sempre tive que fazer contas à vida e não me importo de contar os cêntimos desde que as minhas filhas tenham comida no prato, um tecto, roupa quentinha para vestir e uma festinha de aniversário com os amigos.
Infelizmente, muitas crianças perderam o direito a tudo isso.
Não incitarei à violência, longe disso, sou mais uma pessoa de amor do que de guerra, mas se a violência for a única forma de correr com aquela pandilha, contem comigo. Aliás, neste momento, creio que só mesmo pela violência é que conseguiremos remover aquelas sanguessugas.
O presente das minhas filhas, já nem falo do futuro, está agora mais ameaçado do que nunca. Vou lutar por elas. Nem que seja com fogo.

A foto que ilustra este texto foi retirada daqui.

Comments

  1. jorge fliscorno says:

    Os que estão fora do poder têm que tomar o poder. Só assim sairemos do ciclo. Metade de todo o dinheiro que nos tiraram foi para o BPN. Alguma vez isso teria lugar com governos sérios? Um nacionalizou e o outro compactua. Os ladrões têm estado e estão no poder.

  2. Mateus says:

    Comovi-me de indignacao com a sua realidade. Encontrar-nos- emos na rua.

  3. Parabéns pelo desabafo! Há de facto um momento em que se gera uma revolta visceral, do mais genuíno e primário que existe em nós. Eu fui professora 10 anos. De 2006 a 2012 fiquei na mesma escola, ainda que como contratada. Nos últimos concursos percebi que não iria ter lugar e tomei a decisão de sair do país. A minha filha continua em PT porque eu quero voltar, mas desde que saí as coisas so têm piorado. O seu ultimo parágrafo sobre o futuro das suas filhas fez-me pensar no futuro da minha e na difícil decisão de desistir por completo de Fazer uma vida em PT. Vou a Lisboa a cada 2 semanas e a sensação que tenho é que existe uma classe media revoltada e uma classe baixa que não compreende essa revolta. Os professores já sabemos que não são compreendidos. Era comum dizerem-me que eu era uma privilegiada… Quando saí de PT escrevi um texto de insónia, de revolta e de desilusão. Deixo-o aqui caso queira ler. http://agoradigoeu.wordpress.com/2012/08/26/porque-os-bois-tem-cornos-e-ha-coisas-que-temos-de-chamar-pelos-nomes/

    E sim! Lutemos pelo futuro dos nossos filhos!

  4. “Os ladrões têm estado e estão no poder.” E querem para lá voltar.

  5. Lidia Sousa says:

    No dia 16 de Maro de 2013 27 10:00, Aventar

  6. Carlos Fonseca says:

    Noémia, conhecemo-nos o suficiente. Sei do amor que tu e o Ricardo têm à Leonor e à Carolina. Todavia, nem seria preciso saber tanto, para entender a revolta – porventura idêntica à minha – perante um governo que, passo a passo, vai esmagando tudo e todos, adultos, adolescentes e crianças, e condenando o povo a uma vida demasiado penosa. Também não sou violento, mas a provocação é tão grande que nos impele a sê-lo.
    Para mais, digo-te, vivi em S. Domingos de Benfica num local que PPC frequentou quando adolescente e ‘jota’; teve uma união de facto (para mim, casamento) com uma das cantoras das ‘Doce’, integrava-se num grupo de marginais que fumava erva (Morais Sarmento era outro e já confessou) e até aos 37 anos de idade, além da JSD e de arranjos políticos, o que fez como pai, cidadão e homem é em parte repugnante, noutra digna até de acção punitiva.
    Hoje atira com milhões de seres humanos para a miséria, sem a menor complacência. O ataque dos nossos direitos básicos, a começar pelo direito à vida e a uma sobrevivência digna, funda-se numa política de uma violência extrema. À violência, embora a contragosto, temos de responder no mesmo plano.
    Beijos para ti, para as meninas e um abraço ao Ricardo
    (Obs.: nos comentários, há um tal Maquiavel que escreveu: “Falou e disse!”. Que grande FdP!!!!!!!!!!!)

    • O que o sr. carlos fonseca(minusculas,exemplo da sua amiga)precisava, sei bem.As suas palavras não têm classificação! Não tenho nada com essa gente, nem me fizeram qualquer encomenda, mas fico agoniada e revoltada! Ninguém tem o direito de comentar a vida privada de cada um! O povo é que escolheu e, se vocês tivessem respeito como dizem por esse povo, aguardavam, que já faltou mais por uma nova escolha, mas não. Assim, servem-se dos marias vai com todos e criam mais revolta naqueles que já estão revoltados e alguns com verdadeiras razões, não razões fictícias. Eu tenho as minhas, terríveis,pode crer,mas não são para aqui chamadas, mas violência nunca!Isso não é construir é destruir.Já foi provado através do séculos. O povo sai sempre a perder com as guerras.E fica um minoria a dominar. É isso que querem? E não me venham chamar Madre Teresa.

  7. maria says:

    A única coisa que lhe posso dizer é que não baixe os braços mesmo quando as forças já são poucas. Se não lutarmos, seremos literalmente esmagados.
    Um grande abraço

  8. Cara Noémia , o seu caso é também de arrepiar ,lamento a sua situação , mas creia que a minha não é melhor , estou mesmo na Miséria , quando podia estar bem na vida e nada fiz de errado a não ser , talvez ter sido o militate do PSD que mais o apoiou no tempo
    do sinistro CAVAQUISMO , que me lixou a vida toda .
    Você ainda tem família , eu eu não tenho ninguém nem nada .
    Esse maldito cavaquismo até a minha vida familiar destruíu.
    Sou um lutador isolado , mas tal como você luto contra todos políticos que nos têm explorado , por isso já não acredito em nenhum .
    Tal como você também quero lutar contra esta gente , presentes e
    passados , seja de que forma for .
    Tente animar-se e arranjar forças para lutarmos .
    Felicidades para si e toda a família e vamos à luta .

    • Os cavacos e companhias têm as costas largas! Qual será o próximo a lixá-lo? Ou somos nós todos que nos andamos a lixar uns aos outros? Já vai sendo tempo de cada um assumir as suas responsabilidades. Primeiro esbanjou-se e agora? Vem aí alguém com uma varinha de condão! E vamos todos gritar milagre! Mas, apesar desta conversa, desejo-lhe boa sorte e que tudo o que deseja se concretize, ms não me chame Madre Teresa, por favor!

  9. Muito respeitinho, que os v/ filhos podem, como qualquer um, fazer as mesmas asneiras que o Barroso e Passos no seu tempo de juventude. Parece-me que não conhecem a sociedade em que vivemos! Ou será que os v/ vivem numa protegidos por uma redoma? E e mesmo assim…

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  1. […] como a minha colega Noémia Pinto, embora amante da paz e praticante convicto da bonomia, começo a acreditar que não há soluções […]

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