Os ladrões e as medalhas

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Nesta eira de contestação onde se malham as desilusões dum povo, a impugnação passou a ser o único móbil da sociedade portuguesa.

Contestam os muito ricos porque serão sempre muito ricos. Que chatice! Contestam os simplesmente ricos porque continuarão simplesmente ricos. Que merda! Contesta a classe média porque querem acabar – ou já acabaram – com ela. Que país! Contestam os pobres porque serão cada vez mais pobres. Que lástima! Contestam os jovens porque não têm futuro.  Que miséria! Contestam os de meia-idade porque o passado está a esfumar-se em dívidas, e o futuro não lhes diz como poderão pagá-las.  Que desgraça! Contestam os velhos porque, sem futuro, alguém transformou a sua história numa sucessão de despautérios de fazer vergonha à vergonha de terem cada vez menos para cada vez mais necessidades. Puta de vida que está pela hora da morte!

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E contesto eu porque sucessivos governos, sucessivas hordas de políticos, aniquilaram a expectativa de entrar, minimamente descansado, na velhice. Que canalhas!

Como se não bastasse, tenho cada vez menos amigos numa idade em que eles são mais necessários, quanto mais não seja para partilhar o que resta da alma duma época: uns, pela lei da vida; outros, pela lei de, sendo já duma idade em que deviam estar a preparar o jubileu em paz com a vida, se verem obrigados a partir para outras vidas, eles que já estão tão cansados desta.

No entanto, os esbirros deste povo, minado pela indigência que prospera, continuam a ser mimados, incensados, a eles não lhes faltam as oportunidades que aniquilaram para toda uma nação.

Há gente no meu país que nunca sentiu e jamais sentirá a crise, a maioria dela é exactamente a casta que colocou quase todo um povo na miséria: políticos, banqueiros, agiotas, especuladores. E o capital, que devia ser o motor do progresso, é somente suporte para que os mesmos de sempre continuem a locupletar-se.

ImagemEmpresários de passado pouco recomendável insistem em salários baixos. Políticos de passado estranho regressam depois de terem enchido a pança em negócios chorudos. Coveiros de passado nebuloso e presente sibarita voltam à ribalta, quanto mais não seja pela porta da televisão de serviço público, como vai acontecer já a seguir.

E nós?!

Será suficiente a onda de manifestações? Serão suficientes os discursos? Será suficiente a revolta que se lê em cada rosto que vejo, logo pela manhã, a correr para os transportes públicos? Será suficiente o rancor, a raiva e o asco, apenas nas palavras?

Não se trata de ideologia, trata-se da dignidade dum povo que quer pão! E, quando se trata de defender a dignidade, não há limites à indignação. Sobretudo se, do outro lado, está a indignidade. A crueldade. A desonestidade. A incompetência. A desumanidade.

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