No escuro e aos tombos

Há sempre entre intelectuais quem se recuse a aceitar e ver o mundo multicolorido, e a pluralidade de ideias que caracterizam a sociedade humana; sobretudo, na essência da chamada convivência democrática.

O Sr. Vasco Correia Guedes que, na adolescência, resolveu mudar o nome para Vasco Pulido Valente  é dos diversos míopes militantes a pronunciar-se de cátedra através de artigos de opinião em jornais – redige com fluidez e versatilidade, estando em causa não como, mas sim o que escreve.

Este fim-de-semana, o ‘Público’ divulga um artigo de VPV (ou VCG, se preferirem), intitulado ‘No escuro’. O texto, como é recorrente no autor, é um arrolamento de frases de escárnio e encontrões nos “loucos furiosos deputados de 1975 que cometeram o topete de inscrever a defesa do direito de igualdade dos cidadãos”, alastrando a fúria e os epítetos contra “senhores juízes” do Tribunal Constitucional, a quem acusa de “não saberem com certeza uma palavra de filosofia ou de história (nomeadamente na revolução francesa e na revolução russa)” – certamente esqueceu-se do nacional socialismo que igualmente elegia a igualdade como objectivo sagrado da luta da raça ariana.

Como VPV me deu o mote, e o conteúdo do texto o reitera, foi fácil chegar a um título apropriado para este ‘post’: ‘No escuro e aos tombos’. O uso da expressão ‘tombos’ fundamenta-se na sinuosidade da retórica agressiva do autor – longe a ideia de pensar em desvios de ortolexia de VPV em prestações televisivas.

VPV não está só no leviano comportamento do desprezo pelos cidadãos em geral, considerando-os, a torto e a direito, ignorantes. Sejam simples leitores do jornal, o meu caso, ou um juiz do TC. Teve a ideia absurda de se servir do conceito filosófico de  igualdade para o fazer. Ora, a concepção de igualdade não se esgota nas fronteiras da filosofia – texto de João d’Assunção Barros 27947705-Igualdade-trajetoria-de-uma-nocão-no-imaginario-politico-Aurora-PUC-Pr, referindo-se a Hobbes, Locke e Rousseau, constitui um excelente estudo sobre o tema.

O que está em causa, e por incapacidade ou outra deficiência VPV se recusa a debater, são os fundamentos e o princípio do direito de  igualdade dos cidadãos perante o Estado, consagrados na CRP. Não adianta, pois, desviar as atenções para discussões académicas, sobretudo da preferência de quem teve uma vida de bem instalado, de lugar público garantido e à custa dos contribuintes que, de forma canhestra, atraiçoa.

Por último, sejamos pragmáticos. As medidas consideradas inconstitucionais traduzem-se em 1.324 milhões de euros, i.e., 0,8% do PIB de 2013. Os desvios no défice de 2012, da exclusiva responsabilidade do governo, e de Vítor Gaspar em especial, fixaram-se em 7.443 milhões de euros (=(6,4%-4,5%) x 165.409 milhões do PIB de 2012) – valores do INE. O pior dos cegos é aquele que não quer ver, segundo o velho adágio.

(Um comentador avisa-me que a TVI noticiou que o impacto orçamental é apenas de 680 milhões e não os tão martelados 1.324 milhões. Não fiz contas, mas a TVI tem razão. De facto, do aumento de despesas dos tais 1.314 M, no tocante a subsídios de férias, por exemplo, o Estado arrecadará o respectivo IRS que trará o valor da diferença despesa-receita de impostos para valores mais baixos. Parto do princípio que nos 1.324 M não está contemplado este efeito).

Comments

  1. sinaizdefumo says:

    Segundo a TVI são 680 milhões e não 1300 milhões, deduzidos os impostos que o estado arrecadará com as reposições.

    • Carlos Fonseca says:

      Efectivamente, 1.324 M é valor da despesa provocada pelas inconstitucionalidades. Atendendo a que o Estado cobrará IRS sobre grande parte delas – subsídios de férias, por exemplo – tem de contar-se efectivamente com essa receita.
      Vou colocar uma adenda no ‘post’.

      • Carlos, não é só IRS…
        Partindo do princípio de que esse dinheiro vai ser gasto pelos contribuintes, há que contabilizar todos os outros impostos que o Estado vai arrecadar, desde logo o IVA, à laia de exemplo. Parece-me, como a muitos, que continuam a mentir-nos, a fazer de nós burrinhos.
        Haja paciência!

        • Carlos Fonseca says:

          Armindo, tem razão. Mas estou a falar apenas de impostos directos. Os indirectos, caso do IVA, são impossíveis de pré-determinar, embora possa envolver valores consideráveis. Depende de como as pessoas utilizam a fracção de rendimento que o TC lhes restituiu sob a forma de subsídio de férias.

  2. adelinoferreira says:

    Eles não sabem que a gente sabe!

    • Carlos Fonseca says:

      São arrogantes. E nós sabemos que eles sabem que nós sabemos.

  3. joao riqueto says:

    Este não morde a mão que lhe dá comida.

    “Os merceeiros ANTIGAMENTE é que compravam títulos, favores, etc, eram uns vilões”.

    Os de agora compram coisas como esta. É a nossa liberdade de imprensa, em todo o seu esplendor!

  4. palavrossavrvs says:

    Como se vê, o extremismo, a lógica-papão anda em círculo e não se sabe onde começa. Nunca se dá a verdade toda, só a parte que dela melhor se possa dramatizar para capitalizar a paralisia. Não percebo, Carlos, é por que motivo esta evidência dos 680 milhões não foi usada esta tarde por Seguro.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading