Eterno aprendiz de si mesmo

José Luis Sampedro – republicano, antifranquista, humanista, economista, escritor, romancista, referência do movimento “15-M” – viveu tão extraordinariamente os seus 96 anos que dele apenas se poderia esperar que revelasse a mesma arte no momento da despedida. Nos últimos anos de vida, dizia esperar morrer docemente, “como morre um rio no mar”, mas nunca aceitou reformar-se nem deixar de sentir como seus o mundo e o futuro a que já não assistiria.

Soube-se hoje que partiu na madrugada de segunda-feira, na sua casa de Madrid. 

Conta a viúva, Olga Lucas, a sua despedida:

“Disse-nos que queria beber um Campari, e por isso fizemos-lhe um granizado de Campari. Olhou-me e disse-me: «Agora começo a sentir-me melhor. Muito obrigado a todos». Adormeceu e pouco tempo depois morreu.”

O homem que dizia haver dois tipos de economistas – os que trabalham para fazer  mais ricos os ricos e os que, como ele, trabalham para fazer os pobres menos pobres – deixou uma obra ampla e diversa, sobretudo nos campos da filosofia e da economia, e, já sexagenário, ainda se tornou um romancista de sucesso com a obra O Sorriso Etrusco. Em 2010, assinou o prefácio da edição espanhola de Indignai-vos, de Stéphane Hessel, e assim foi descoberto por uma nova geração.

Não há muito, numa das conversas públicas que juntavam gente de todas as idades à sua volta, dizia:

“Cada cultura teve a sua referência. Os gregos, o homem;  a Idade Média, Deus; agora, o dinheiro. Para mim, a referência é a vida. Recebemos uma vida e vamos vivê-la até ao final. Mas para isso, necessitamos de liberdade, para que essa vida seja a nossa e não a que nos mandam ter.”

Sampedro não viu a mudança a que aspirava mas espalhou muitas sementes ao vento e ainda pôde ver os primeiros rebentos.

Comments

  1. João says:

    Aqui está um sábio.

  2. a banca é um nojoe e cria fascismos .

  3. Carlos Fonseca says:

    Morreu um humanista que deixa às novas gerações um legado valioso para transformar o mundo. Muito próximo, de facto, de Stephane Hessel que também partiu em Fevereiro passado. Tenho livros de ambos para ler – ‘le temps vole e vou deixando para trás lições de grandes mestres…

  4. Fazia-se entranhável. Deixou uma amável e valiosa pegada.

  5. “… necesitamos la libertad, para que esa vida sea la nuestra y no la que nos mandan tener”

  6. rosa duarte says:

    A sua obra espelha a sua vida riquíssima. Obrigado José Luis.

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