Bairro do Aleixo: uma pistola, duas balas

Se há imagens que têm mil palavras para contar, há outras que se ficam por uma única, nem por isso menos gravosa, mentira.

A última edição do pasquim “Porto Sempre”, editado pela Câmara Municipal do Porto para incensar os feitos do seu autarca,  dedica duas páginas ao bairro do Aleixo e à demolição da torre 4. Aí se relatam os casos em que a justiça condenou moradores por posse e tráfico de drogas. Cinco arguidos no total, num universo de 290 agregados familiares (chegaram a viver aí cerca de 1300 pessoas) mas número suficiente para reduzir um bairro a uma quadrilha de criminosos.

E para que quem passa os olhos pela revista, despejada gratuitamente em todos as caixas de correio da cidade a cada mês, não perca de vista o essencial da história, e não comece à procura de explicações alternativas, a imagem que ilustra a história diz tudo: uma pistola e duas balas.

rio2

Um pequeno passo para um órgão propagandístico, um grande avanço para uma autarquia que tem feito tanto pelo aprofundamento das assimetrias entre cidadãos. Há autarcas que unem cidades, ajudam a sanar-lhes as feridas, promovem a inclusão e o diálogo. Há outros que preferem levantar mais alto os muros do gueto, dividir para reinar, promover a desconfiança e o medo. Rui Rio, por incapacidade de fazer outra coisa, ou por escolha deliberada, nunca estará entre os primeiros.

Se a imprensa desta cidade não tivesse as mãos atadas, ou o rabo preso, escolham vocês a metáfora, podia dedicar-se a investigar com minúcia e espírito de missão, o negócio imobiliário com o fundo Invesurb, que reúne o grupo Espírito Santo e António Oliveira, e lançar luz sobre os motivos por detrás da necessidade premente de expulsar os moradores do Aleixo daquela zona de tão belas vistas.

À falta de investigação, fiquemos pelas etiquetas do costume – pobres, traficantes de droga, bandidos – e imploda-se. Daqui a pouco, reluzentes condomínios de luxo hão-de erguer-se onde antes estiveram as torres e ninguém se lembrará do Aleixo, esse sórdido pedaço de pobreza numa zona tão bonita da cidade.

Comments

  1. Todos sabíamos, há muito, que pobre não pode viver com vista para o rio, em local privilegiado. Mas, ou muito me engano, ou o futuro “Aleixo’s Palace”, vai ficar à míngua de residentes, é só ver o que aconteceu com o complexo residencial do armazém do bacalhau, também sobre o rio deitado.

  2. xico says:

    Acha então que as torres do Aleixo não configuram muros de gueto? Era capaz de lá viver? Dentro das torres, com vista para o rio?

    • tirá-las do lugar onde viveram durante décadas para realojá-las de forma dispersa por outros bairros sociais, alguns próximos outros nem isso, sem qualquer laço com a vizinhança, não é tirá-las do gueto, é só mudá-las para um gueto diferente.

      • José Lopes says:

        Santa ignorância. Não me digam que quando nos mudamos para uma casa, quanto mais de graça paga pelos impostos pagos por quem trabalha, só o podemos fazer se previamente tivermos amiguinhos na vizinhança? E não me digam que só o bairro do aleixo é que é possível criar laços com a vizinhança. Por amor de deus.

        • é essa a ideia que tem de quem vive num bairro social? Gente que pode ser mudada de sítio para sítio, independentemente do número de anos que leva a viver numa casa, porque tem uma “casa de graça paga pelos impostos pagos por quem trabalha”? No seu caso, não há só ignorância, também há má fé.

    • Explique-me lá, na essência, a diferença entre um gueto de pobres e de ricos. Faça-me acreditar, que se o Aleixo fosse em nenhures,havia esta vontade de RR e do BES em “reabilitar”. Sou todo ouvidos.

      • José Lopes says:

        Mas agora o bairro do aleixo já era um paraíso idílico na face da terra, sem crime, violência e problemas sociais? Mas afinal o que é que querem preservar ali?

        • Ninguém disso isso. O que o José não consegue negar é que a preocupação está relacionada com o valor e localização dos terrenos. Eu sei que ricos a dançar sobre a campa de pobres é a filosofia do momento. Não alinho.

          • João Oliveira says:

            Não vejo onde há algum problema em acabar com aquele bairro. Se é um foco de criminalidade então não faz sentido querer preservá-lo. Se a eliminação do manancial de criminalidade pode ser conseguida com a recuperação daquele espaço numa zona urbana de qualidade e geradora de riqueza então toda a gente ganha. Excepto os criminosos, claro.

          • Maquiavel says:

            É claro e óbvio que o objectivo era desfazer um bairro social com vista para o rio, que näo gera receitas, para construir um condomínio fechado (“gueto para ricos”) com vista para o rio, que isso é que dá dinheiro… à Cämara? Näo, aos amigos da Cämara! As justificaçöes foram-se arranjando!
            Se há um foco de criminalidade prendem-se os criminosos e acabou a conversa. 5 criminosos em 1000 pessoas é motivo para desalojar 995? Mesmo que fossem 50 criminosos sobravam 950 inocentes. Para vós o pobre é automaticamente criminoso… entäo esperem quando caírem da nuvem pequeno-burguesa onde vivem e serem vós os pobres, a ver como elas lhes mordem!

  3. Konigvs says:

    Rio chega ao poder com muito tesão, e começa logo por dizer que haviam edifícios ilegais, e que se estavam ilegais eram para deitar abaixo e não havia outra alternativa. Lembro-me dos casos do Bom Sucesso e da Torre das Antas.
    Agora que o homem está em fim de mandato vai ficar conhecido, não por atacar a corrupção e os interesses instalados no imobiliário, mas precisamente por atacar os pobres dos bairros sociais, simplesmente porque andaram a viver numa localização acima das suas possibilidades.
    Ele há ironias do caralho.

    • Maquiavel says:

      Só me pergunto como é que foram construir um bairro social em sítio de täo boas vistas… enganaram-se?

  4. celesteramos.36@gmail.com says:

    O sr José Lopes é invulgarmente inteligente e é de senhores assim que o país precisa – e tem razão 3 mil drogados talvez, e onde mais haverá tanto pecador ???? Arrazem-se os pecadores – porque não os de são bento com nome de santo e no palácio cor-se-rosa ?’ Desculpe se estou a falar da sua família e amigos – E que tão boas lições de moral aprendeu ?? onde ?? – Pensei que já não se ensinavam essas coisas que só se aprendiam no tempo de Salazar – ah mas actualizou-se ?? quem lhe pagou as lições ?? – o meu IRS ??

  5. Konigvs says:

    Eu li aqui alguns comentários que me fizeram lembrar um ex colega que fazia parte dum desses partidos “nacionalistas” que me dizia que “pretos, doentes com sida e criminosos era metê-los todos numa ilha e rebentar com eles”. Belíssima ideia, nem sei como é que o coelhinho não se lembra do mesmo, neste caso acrescentando funcionários públicos, doentes e reformados.

    Sobre a pergunta ingénua do Maquiavel, creio que revela que não conhece muito bem o Porto. Eu vou tentar dar a minha visão, apesar de não lá viver mas conhecer bem a realidade.
    Não se enganaram, não podiam, não iam agora misturar pobretanas e ciganos com gente de bem da média burguesia não é? O bairro do Aleixo está situado na zona oriental da cidade, zona demarcada dos excluídos do Porto, que engloba Campanhã, Estádio do Dragão, Parque Nascente e a meu ver parece que é delimitada pela Fernão de Magalhães.
    Mas para que se compreenda melhor vou dar um exemplo, contando uma pequena história que se passou no meu pequeno círculo de amigos/conhecidos.
    Eu faço muito uso do centro comercial Parque Nascente, ficava a 5min do trabalho e no caminho para casa, então, por várias vezes comentei qualquer coisa, ou em se combinar por lá, ou ir lá ver qualquer coisa de uma loja qualquer. O que me comecei a aperceber era que os meus amigos do Porto diziam-me que não gostavam muito daquele centro comercial e eu não estava a perceber muito bem porque seria. Só mais tarde é que se fez luz! Aquele centro comercial alberga muita gente da tal zona oriental do Porto, Rio Tinto, Gondomar entre outros, e o pessoal “bem” com quem me dou não gosta de misturas, só pode ser isso, porque é um centro comercial exatamente igual a tantos outros que existem à volta da cidade e exatamente igual a tantos outros que entrei em Lisboa. Mas é interessante constatar que existe esse preconceito na cabeça das pessoas.
    Depois basta ver como certos parques públicos na zona Oriental estão às moscas. Vai-se ao Parque de São Roque e está completamente vazio e é extremamente acessível porque fica ali a 5 minutos a pé da estação de metro do Dragão, ou então o Parque Oriental que tem grandes relvados e passeios para se correr ou andar de bicicleta, e eu desconfio que a grande maioria das pessoas do Porto nem sequer sabe que ele existe, e pelo menos das várias vezes que lá fui vi-o completamente vazio.
    http://img230.imageshack.us/img230/6093/poriental01.jpg
    Desconfio que quem tirou esta fotografia não pediu às pessoas para saírem dali.
    As pessoas vivem de aparências, preferem ser vizinhas do Duarte Lima, Vale e Azevedo, Dias Loureiro, etc etc, todos esses senhores de bem que apenas olharam pela vidinha deles como qualquer português de boas famílias faria. Só os pobres é que são criminosos e ladrões, gente bem vestida e bem falante nem pensar.

  6. Fica na zona ocidental, sim, e com belas vistas. Curiosamente, foi construído para albergar as pessoas que tinham deixado habitações muito precárias na zona da Ribeira e Barredo, com a promessa de que, uma vez construídas novas casas aí, elas poderiam voltar ao lugar onde viviam.
    Os bairros sociais do Porto, construídos nas décadas de 1950 e 1960, serviram para tirar do centro os mais pobres (que viviam, é certo, em habitações de muito má qualidade), e colocá-los na periferia da cidade.

  7. Konigvs says:

    Maquiavel eu é que me enganei, ainda por cima há uns dias comentava-se cá em casa que os ditos edifícios eram onde referi e eu assumi a informação como boa, e está visto que não era. Mas agora sim as coisas fazem sentido na minha cabeça, até porque a questão não é só a vista para o rio, porque o rio atravessa toda a cidade da Foz até Freixo, é como disse, a vizinhança, Se os tais prédios fossem demolidos na zona oriental e metessem lá condomínios de luxo, seria um bocadinho alguém ir para lá morar, assim faz sentido, deitam abaixo os prédios e metem lá gente de bem. Está certo.

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