Reshma Begum e os mortos por capitalismo

Reshma Begum tem 19 anos e não foi uma das 1.127 vítimas da tragédia numa fábrica têxtil do Bangladesh. Sobreviveu 17 dias com umas gotas de água e quatro bolachas, segundo revelou. Reshma trabalhava numa das fábricas que fornece empresas como a Inditex (espanhola), com lucros de 994 milhões de euros em 2012, a C&A (holandesa), que já em 2006 estava envolvida em situações de exploração de trabalhadores, e a H&M (sueca), que em três trimestres, em 2010, conseguiu lucros de 1,4 mil milhões de euros.

A tragédia coloca várias questões, de vários prismas, pelo que considerarei apenas as que me parecem mais flagrantes:

O circo mediático

Não houve. O mediatismo da morte é uma coisa que merece ser estudada e analisada, bem como a sua valoração. Normalmente, valoramos mais as mortes que ocorrem aqui ao lado, mesmo que o aqui ao lado seja do outro lado do oceano. A proximidade civilizacional e culturalmente imposta pela economia dominante leva-nos a que um morto que abre telejornais e domine os media seja uma tragédia. Por outro lado, lá longe, no Bangladesh a morte de mais de mil pessoas é uma nota de rodapé, sem directos nas tv’s. As consequências, os dramas pessoais e sociais perdem-se na espuma dos dias. Ainda por cima porque a culpa maior é nossa, do ocidente, dos países supostamente desenvolvidos. E a culpa é uma coisa tramada: quanto mais longe, melhor.

A prosperidade do capitalismo

Os lucros da Inditex são mais ou menos conhecidos e referidos recorrentemente na nossa imprensa, dada a proximidade da sede da empresa e a quantidade de lojas do grupo que, aqui como no Bangladesh, mas em escalas diferentes, explora quem trabalha nas lojas que abundam nos centros comerciais. Ouvir falar na C&A é menos habitual, mas quem nunca comprou nada na C&A que atire a primeira pedra. Com sede na Holanda, vizinha do grupo Jerónimo Martins, está num país reconhecido pelos seus progressos civilizacionais no que respeita às liberdades dos seus cidadãos, mesmo fortemente influenciado por um partido de extrema-direita. O sonho sueco, o paradigma a que nos comparamos recorrentemente, de uma sociedade próspera, com uma formação cívica impressionante e de relevo e com um nível de vida impressionante.

Quanto custa?

Os milhões de euros produzidos em países como o Bangladesh, onde 52 por cento da população com mais de 15 anos não sabe ler nem escrever, não têm impacto na suposta superioridade moral das políticas do norte da Europa. Contam para o  PIB desses países mas a desgraça que causam conta pouco. Assim, com estes moldes e modelo de desenvolvimento, vem à baila a exploração do Homem pelo Homem e da alienação do trabalho, descrita por Marx, esse filósofo desactualizado, segundo a edição do livro do Samuelsson que se ensina nas faculdades. A exploração do Homem pelo Homem creio que é visível: para que os suecos possam viver bem, com acesso à educação, saúde, cultura, outros povos são escravizados. A alienação do trabalho, de que também falava Marx, explica-se com o facto de estes trabalhadores produzirem bens que não consumirão, ou seja, apenas servem ao patrão e a terceiros, ficando a força laboral arredada do seu usufruto. Como referi acima, sem acesso à educação, à cultura, ao conhecimento, é muito mais fácil controlar trabalhadores, não lhes dando alternativa à vida que conhecem: a conhecida inevitabilidade. E isto não tem preço.

Fim

Urge, por isso, colocar um ponto final neste modelo económico de exploração. De que serve a mim que um sueco viva acima da média se, para isso, há milhões que têm de viver na miséria, sem conhecerem um livro, sem terem o direito a viver e não a sobreviver nas periferias de cidades gigantes que são enormes centros de produção sem quaisquer condições para que nós, no ocidente, possamos usufruir dessa exploração? Sendo claro, não sou a favor de boicotes a determinadas marcas. E passo a explicar: o boicote a uma marca não origina uma mudança de fundo no pensamento e na consciencialização dos trabalhadores, antes poderá levar a despedimentos. E, com despedimentos – tendo nós consciência de que nunca toda a gente deixará de consumir uma determinada marca -, será sempre o patrão a lucrar, quer pela riqueza que acumulou até ao momento, quer pelo facto de, fruto da ofensiva global pela flexibilização laboral –  na prática, uma espécie de bangladeshização do trabalho – a que assistimos nos nossos dias, se as vendas voltarem a aumentar, o patrão contratará o mesmo trabalhador por uma remuneração menor.

O desafio é, assim, organizar os trabalhadores para que, através da sua luta, seja no Bangladesh, seja em Portugal, seja no México, possam ter a justa retribuição pela riqueza que produzem, permitindo-lhes o acesso ao lazer, à educação, à cultura. À vida, pondo fim à maior causa de morte do planeta: a morte por capitalismo.

Comments

  1. Miucha says:

    asneirar tanto tendo como base uma tragédia deste calibre no bangladesh é obra. Os 1127 mereciam mais.

    • Bufarinheiro says:

      Já agora explica lá à malta onde é que está a asneira.

    • Maquiavel says:

      Concordo. Mereciam, por exemplo, que V. Exa. estivesse caladinho e bem recatado dentro do escuro, fétido, decrépito buraco de onde saiu para vomitar essa alarvidade.

      • Maquiavel says:

        3 pessoas näo perceberam que o comentário é dirigido ao “Miucha”.

  2. Ricardo M Santos says:

    Certamente que os 1127 mereciam mais. Principalmente em vida. Quanto ao texto, faz-se o que se pode. Cumps.

  3. adelinoferreira says:

    Parafraseando um filólogo que é assíduo
    neste lugar “quem não gostar, “ponha na
    beira do prato”.É esta a realidade crua e
    nua.”A chamada qualidade de vida ocidental”
    só é possivel condenando à miséria e igno
    râcia milhões de seres humanos.Um abraço

  4. A distorção do que é o capitalismo é decrépita. Se fosse sugerida por alguém iletrado, aplicaria um factor desconto. Sendo assim, é incompreensível.

    O capitalismo é o que permite que o Bangladesh, um país que era extremamente pobre, esteja a crescer a 6%/ano desde que foram implementadas reformas que liberalizaram a economia. Tal como a China. O capitalismo é o que permite que o rácio de pobreza tenha caído de 70% (70% da população com $1.25 dólares por dia) para 43%. O capitalismo permitiu que o consumo privado quase que duplicasse entre 2000 e 2012.

    O incidente que aconteceu no Bangladesh não é resultado da livre troca de bens e serviços ou da acumulação de capital, isto é, do capitalismo. É pura e simplesmente irresponsabilidade do dono, irresponsabilidade esta que causou menos fatalidades que os disparates dos campos agrícolas comuns soviéticos ou chineses. A sua cegueira ideológica provavelmente não o deixará ver mais do que isto, até porque a sua agenda é simples e conhecida — mistificar aquele que foi e é o sistema económico mais eficiente e que mais gente tirou da miséria: o capitalismo, mas que entra em rota de colisão com o idealismo igualitário do marxismo.

    • Maquiavel says:

      “O incidente que aconteceu no Bangladesh não é resultado da livre troca de bens e serviços ou da acumulação de capital, isto é, do capitalismo. É pura e simplesmente irresponsabilidade do dono”
      A sua cegueira ideológica provavelmente não o deixará ver mais do que isto.

      • Certamente que sim, Niccolò. Até porque não existem acidentes nos paraísos socialistas deste planeta. Aliás, os milhões que Mao Tse Tung ceifou nos campos agrícolas colectivos afinal, não morreram. A minha cegueira…

        • Maquiavel says:

          Sendo assim, os mortos dos “disparates dos campos agrícolas comuns soviéticos ou chineses” ou os “acidentes nos paraísos socialistas deste planeta” também foram provocados… por irresponsabilidade, e näo pelo “sistema”!

    • Ricardo M Santos says:

      Quantas peças de roupa que produz pode um trabalhador de uma daquelas fábricas do Bangladesh, esse farol da justiça distributiva capitalista, pode comprar com o salário que recebe? Nenhum.

      Se não se trata de capitalismo, porque é que as empresas foram deslocalizadas, por exemplo, do Vale do Ave?

      Nota: tenho muita dificuldade em perceber o que é um iletrado. Ainda mais que saibam detalhes dda minha agenda.

      • Não pode, da mesma forma que a maior parte dos portugueses que trabalham na Auto Europa não podem comprar um EOS. E da mesma forma que os que produzem roupa para a Gant em Santa Maria da Feira também não podem. Mas estão claramente mais perto de o fazer do que todos aqueles que trabalhem num qualquer país socialista. Vá perguntar aos cubanos ou aos venezuelanos. Se alguém produz dez limões, não pode receber mais que o equivalente a dez limões. Esse é o estado da economia do Bangladesh, e a única forma de a tirar desse poço fundo é através do capitalismo. Repare, até Marx dizia o mesmo: o capitalismo é fundamental para industrializar e desenvolver um país.

        • Exactamente! Tal como viver com um salário de € 29,00 que é o salário com que o senhor vive, não é?

          Lembrei-me de repente de um adágio popular que, parece-me, começava assim: “Pimenta no ……. ” e creio que terminava assim: “… é refresco!”

          • Isso é muito bonito Isabel G. Imagine que há uns anos recebia-se $5 por semana nos EUA. E era uma fortuna. Sabe o que é a Paridade dos Poderes de Compra? O que interessa é saber quanto é que esses €29 compram, quando convertidos para Bengalis. O Bangladesh é um país pobre, mas era bastante mais pobre antes de ter introduzido reformas estruturais e liberalizado os mercados. E se não o continuar a fazer, continuará a ser pobre.

          • Não consegue mesmo ver mais nada para além do jogo da oferta e da procura, dos mercados e do dinheiro, pois não?

            Se morrem seres humanos para que meia dúzia de sanguessugas possam ter lucro, é para o lado que o Mário dorme melhor, não é?

            Talvez até se sinta um herói por pensar assim, talvez até acredite que no seio dessa “doutrina” capitalista e neo-liberal existam intenções honrosas, mas tudo isso, a mim, agonia-me! Onde está a humanidade na sua cruel teoria?

          • Sabe Isabel, o que nos diferencia é isto. Eu acredito em resultados, a Isabel acredita em intenções. A Isabel acredita que meras intenções de acabar com a fome no mundo, a acabam. Eu acredito em resultados. E o que mais reduziu a pobreza no mundo foi o capitalismo pós Revolução Industrial. Eu sei que dói a um afoito socialista ouvir isto, mas é verdade.

            Ou seja, respondendo à sua pergunta, eu acho que o “meu” capitalismo e o “meu” liberalismo tiram muito mais gente da miséria do que o seu humanismo. Os resultados estão aí.

            Acho curioso que, findo o debate racional, se apele aos sentimentos. É sempre essa a fuga da esquerda. Até um dia. As pessoas começam a saber mais do que isso e não se deixarem iludir, e a prova foi e será os resultados dos partidos da extrema-esquerda.

          • Para que fique bem claro, eu não sou de esquerda, e muito menos de extrema-esquerda. Sou totalmente contra todos os sistemas políticas e contra todos os partidos e incondicionalmente a favor do ser humano.

            E por certo, Mário, findemos o debate. Não porque nele se tenham introduzido os sentimentos ou os partidarismos, mas porque resulta totalmente infrutífera a discussão em contextos nos quais o ser humano é aviltado.

        • Ricardo M Santos says:

          Quem é que falou em países socialistas, para além de ti?

          • Ricardo, se o capitalismo é mau (nas suas palavras), a alternativa é o socialismo. Ou não me diga que estava com o feudalismo ou o mercantilismo em mente?

        • Ricardo M Santos says:

          Se alguém produz 10 limões, recebe um, dois são vendidos para pagar os custos de produção e sete são lucro que fica acumulado no patrão. Chama-se mais-valia.

          Percebo a tua simpatia pela economia do Bangladesh, afinal, tal como Portugal, está sob intervenção do FMI. Agora vai lá ler o Hayek e orar ao Blasfémias e ao Insurgente.

          • Ah, o paleomarxismo. Primeiro, se eu produzo dez limões, sou eu que os produzo, não é o meu patrão. Sou patrão de mim mesmo. Em segundo lugar, a teoria do surplus value, um perfeito disparate num mundo tão heterogéneo e imperfeito, exclui tudo o que não é “social labour” – ou seja, o risco do empreendedor, o custo de acumular o capital, a recompensa pela poupança em vez do consumo, etc. Mesmo num cenário em que eu produzo 10 limões para o malandro do patrão, foi o malandro do patrão que comprou o terreno, abdicou das suas poupanças e esteve anos à espera que as árvores crescessem.

            Actualize a K7.

          • O capitalismo tira pessoas da miséria. A Grécia, Portugal, Irlanda, Islândia, Estados Unidos, entre outros não concordam com tal blasfémia. E o senhor que tem tanta coisa contra Cuba e Venezuela, tiraram milhares de pessoas da miséria, e acabaram com a fome a essas milhares de pessoas. E curioso que Cuba recebeu os parabéns por ter conseguido tirar muito mais pessoas da fome do que era suposto.

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