Empreendedorismo, o ponto G da direita

Há cerca de um ano, um jovem de 16 anos ganhou um concurso internacional de Latim, graças ao seu próprio esforço, à competência dos professores, ao acompanhamento dos pais e apesar do desinteresse do Ministério da Educação, talvez porque o dito concurso se relacionava com um assunto estranho ao referido ministério: a Educação.

Esta semana, outro jovem ganhou notoriedade por, na opinião de muitos, ser um exemplo de empreendedorismo e por, para cúmulo, ter conseguido calar Raquel Varela, uma doutorada que acumula, ainda, o defeito de ser de esquerda.

O caso de Martim Neves, o jovem empreendedor, tem sido aproveitado por uma certa direita muito marialva para reforçar a comunicação de algumas ideias. Por outro lado, alguma esquerda distraída criticou o tom doutoral da doutorada ou a falta de oportunidade da sua intervenção. Entre defesas e contra-ataques respigados aqui e ali, foi possível assinalar as seguintes atitudes/afirmações:

– Martim Neves é virtuoso, porque soube aproveitar uma oportunidade e ganhar dinheiro com isso, factores que dispensam qualquer reflexão ética, moral ou social;

– é a inveja que move os críticos de Martim Neves;

– Martim Neves é extraordinariamente inteligente, apesar de ser jovem, e deve ser preservado das críticas ou da obrigação de reflectir sobre as suas responsabilidades de empregador porque é jovem;

– Martim Neves, alegadamente, cria emprego, ao contrário de todos os inúteis que o criticam, o que é razão suficiente para retirar razão aos críticos;

– se o crítico de Martim Neves é funcionário público, incorre em três pecados capitais num mundo em que só o empreendedor é virtuoso: o funcionário público inveja o empreendedor, o funcionário público não cria emprego e o funcionário público é, por definição, preguiçoso;

– se o funcionário público for professor, qualquer defeito típico do funcionário público sofre um aumento exponencial, porque não há ninguém mais invejoso, infértil de empregos e preguiçoso do que o professor;

– Raquel Varela não tinha o direito de chamar a atenção de Martim Neves para as condições de trabalho dos operários, porque, muito provavelmente, ela própria poderia estar a vestir uma peça feita na Índia ou poderia estar a usar um computador montado na China;

– do ponto anterior, conclui-se que, a partir do momento em que, por distracção, inércia ou outra razão qualquer, tenhamos na nossa posse um objecto que resulte da exploração de trabalhadores, ficamos impedidos de ter uma opinião negativa sobre a exploração de trabalhadores;

– de qualquer modo, Raquel Varela, como esquerdista limitada, é incapaz de perceber que o empreendedor não tem de se preocupar com problemas laborais;

– Martim Neves comportou-se como Jesus entre os doutores, ao calar a doutorada Raquel Varela com o argumento de que é melhor ganhar um ordenado mínimo do que estar desempregado;

– do ponto anterior, deduz-se que a opinião do empreendedor sobre a vida de quem ganha o salário mínimo é muito mais importante do que a da própria pessoa que ganha o salário mínimo;

– à semelhança do que acontecia noutros tempos, a pessoa que receba o salário mínimo deve limitar-se a agradecer a oportunidade de receber o salário mínimo, porque há sempre a hipótese de estar pior;

– subentende-se, aliás, que quem ganha o salário mínimo, tal como quem não arranja emprego, só está como está porque não quer estar melhor.

E poderíamos continuar por esse imenso território dominado pela direita feroz, essa fauna que vive em cio permanente, quando adivinha a possibilidade de sangrar os anémicos, sabendo-se, como se sabe, que a definição de anémico, de acordo com o glossário do perfeito reaccionário, é “pessoa afortunada, por ainda ter algum sangue”.

Nada me move contra o rapaz que julga ter inventado um negócio, até porque tem, ainda, algum do encanto da juventude, mesmo se me parece que poderá vir a tornar-se num adulto perigoso. O que assusta é ver sair da toca toda esta gente fascinada com o lucro a qualquer preço, gente completamente insensível que olha para as pessoas e só vê mão-de-obra, gente que vê em Martim Neves um jovem que não precisa de ser ensinado, porque, segundo essa gente, já sabe tudo o que é preciso.

O António Gil Cucu ganhou um prémio há um ano. Para todos estes obcecados que confundem coração, cabeça e estômago com a carteira, um estudante de Latim, ainda que internacionalmente reconhecido, nunca será um empreendedor, porque estas coisas da cultura não dão dinheiro, não têm mercado, não geram emprego. António Gil Cucu, com tantos defeitos, ainda pode vir a doutorar-se, que é meio caminho para que o mandem calar.

Comments

  1. Hugo says:

    Esqueceu-se de referir que o funcionário público, que provavelmente tem um emprego e um rendimento garantido para o resto da vida, quer faça sol, chuva ou neve, sente-se moralmente superior a todos os outros que não têm nenhum amigo na câmara ou na universidade e que portanto têm que fazer pela vida para ganhar algum dinheiro todos os meses (porque a iniciativa privada não é só Belmiros, Ulriches e Mexias).

    Esqueceu-se também de dizer que o salário mínimo é uma medida imposta por uma lei aprovada democraticamente. Já a sua aplicação no terreno, aparentemente, não é ética.

    Esqueceu-se também de dizer que o dinheiro que a Raquel Varela recebe todos os meses resulta de riqueza criada pelo empreendedorismo e pela iniciativa privada. O mesmo se poderá talvez dizer do prémio de Latim.

    Não é por isto, porém, que a cultura deva ser desprezada. Muito pelo contrário. O que deve também haver é respeito por quem não tem quem cunha para ou não quer entrar numa carreira pública ou sabe que o Estado não pode empregar toda a população activa e tem por isso que apostar na sua própria iniciativa e empreendedorismo (verdadeiro empreendedorismo e não o empreendedorismo de frases feitas proferidas aos berros do outro de Monção). Quem assim faz sabe que não tem um rendimento garantido para o resto da vida (excepto se for um empreendedor de PPP’s, mas adiante) e portanto não poderá ter o arcaboiço moral de que alguns se arrogam. Mas mesmo estes bem pregam como São Tomás, porque criticam os outros por comprarem matéria-prima feita por trabalhadores a ganhar salário mínimo, mas se calhar compram esses mesmos ou outros produtos feitos nas mesmas ou em piores condições. E isso meu amigo só tem um nome: hipocrisia, a mesmíssima hipocrisia que tanto apontam aos políticos, mas que deixa de ser censurável se for perpetrada por professores ou doutores.

    Depois há a questão de onde estabelecer o limite? Até que ponto deve ir a consciência moral do empresário? Aos salários dos trabalhadores do fornecedor? E as condições de higiene? E será que o fornecedor entrega os descontos para a segurança social? E então e o próprio fornecedor do fornecedor? Será que também oferece salário mínimo? O empresário havia de chegar a um ponto em que perdia mais tempo a investigar os fornecedores do que a trabalhar para si próprio.

    • Bufarinheiro says:

      Não é o empreendedorismo e a iniciativa privada que pagam o salário de RV.
      Toda a gente sabe que o dinheiro de que o estado dispõe resulta dos descontos dos trabalhadores e não desses empreendedores que deslocalizam a sede das suas empresas para a Holanda e põe os seu lucros em paraísos fiscais.

      • é isso, é. trabalhadores esses que trabalham para entidades extraterrestes, não para empreendedores. Se há trabalhadores em empresas privadas é porque existiram empreendedores que as criaram.
        é o rapaz pode vir a ser um adulto perigoso, pode vir a criar uma empresa e dai a ter empregados, pagar salarios. Nasciam meia hora mais tarde e já vinham com albarda.

        • E que tal os ditos empreendedores, paleio politicamente correcto para patrão, produzirem sem trabalhadores? essa é que eu gostava de ver.

          • sabes, a grande maioria dos empresários, vulgo patrões, foi antes empregado, aprendeu o ramo, percebeu que podia trabalhar para si mesmo, podia criar uma empresa do ramo e eis-lo empreendedor/patrão. O patrão não é nenhuma raça extraterreste, nenhum ser diabólico, é alguém como tu, apenas mais inteligente.

          • Grande resposta. Só é pena não ter sido essa a pergunta.

          • Empreendedor é aquele que empreende, e há muitas coisas que se podem empreender: um negócio, um programa de alfabetização em África, a escrita de um livro, uma escalada do Evereste, a descoberta de uma cura para o cancro…

            O xyz só reconhece como empreendedores os que vivem para acumular dinheiro. Os que possam ter outros objectivos (em vez desse ou além desse) são portanto “estúpidos”. Por mais competentes, empreendedores, trabalhadores, talentosos e realmente inteligentes que sejam.

            Confundir esperteza com inteligência é um dos traços distintivos do reaccionário típico. Eu, que sempre gostei de gente inteligente mas sempre detestei gente esperta, não corro o risco de alinhar nessa conversa fiada.

          • pois então explico, uma empresa tem vários custos, só é viável se tiver lucro.
            Um desses custos são os salários.
            Sobes os salários e fechas x empresas. Temos de ter então um equilibrio entre o salário minimo e o desemprego. Há setores onde o salário pode ser mais elevado, mas se exigirmos salários de 1000 euros à industria textil então ela simplesmente fecha na sua totalidade. Se fizermos o mesmo no setor agricola, os agricultores dos outros países agradecem, porque a nossa agricultura simplesmente não é viável.
            Rebuscando mais até irias ter ao problema ecológico, que nível de consumo pode o
            mundo sustentar. E aí tínhamos todos uma surpresa muito desagradável. É que já estamos a consumir mais que aquilo que o planeta suporta e creio bem que o salario mediano mundial é bem inferior ao salario minimo portugues.
            A realidade não se compadece com ideologias e ou a tecnologia e a ciencia evoluem e muito ou dentro de 2 ou 3 gerações o consumo permitido por um salario minimo atual parecerá um sonho.

          • Ninguém perguntou isso, e dispenso a tanga neoliberal ainda por cima numa escrita cheia de erros, também leio o Insurgente onde ao menos a língua portuguesa é bem tratada.
            É que essa de ser preciso um patrão, posso provar o contrário: as cooperativas e a auto-gestão existem. Patrão sem trabalhadores é que não vejo em lado nenhum.

          • pois, de professores de portugues está o mundo cheio, agora de gente capaz de pensar com um minimo de inteligencia.
            Quando o argumento se reduz à ortografia ou à gramatica… enfim… quem nasceu para burro nunca chegará a cavalo, mas parece-me quem tem boas hipoteses de ser da esquerda radical.

          • Pensar com um mínimo de inteligência e não saber escrever é capaz de ser difícil. Louvo o esforço, mas infelizmente não é o caso: andas há horas a fugir à pergunta e depois os meus argumentos é que se reduzem à ortogafia

          • Diz o xyz: «Uma empresa tem vários custos, só é viável se tiver lucro. Um desses custos são os salários.»

            Exactamente. UM desses custos são os salários. Sobes esse custo e terás que reduzir outros, ou então que aumentar os proveitos. Se a empresa não for capaz de fazer isto é porque é mal gerida e pouco produtiva.
            Os neoliberais fartam-se de dizer que primeiro é preciso aumentar a produtividade e só depois se podem aumentar salários. Isto é uma treta: por mais que a produtividade aumente, os salários serão sempre tão baixos quanto os empresários tenham condições POLÍTICAS para impor. A evolução comparada da produtividade e dos salários desde 1980 em TODAS as economias do Atlântico Norte prova isto sem lugar para a menor dúvida.
            As coisas passam-se exactamente ao contrário do que dizem os neoliberais: PRIMEIRO aumentam-se os salários, porque o aumento deste custo é que vai obrigar as empresas a serem mais eficientes – além de aumentar a procura, o que se vai reflectir positivamente também nas outras empresas.

            «Se exigirmos salários de 1000 euros à industria têxtil, então ela simplesmente fecha na sua totalidade.»

            Errado. As empresas que não se consigam adaptar fecharão, as outras ficarão mais fortes e produzirão mais riqueza. A economia no seu todo beneficiará.

            Mais uma coisa: o salário só é um “custo” para o empregador. Para o empregado, é um proveito. Para a República, que inclui empregadores e empregados (e até mais destes que daqueles), o salário não é custo nem proveito. Um político que fale nos salários como “custos”, ou nos cidadãos (que são os seus patrões) como “recursos humanos”, está a declarar a quem o quiser ouvir que não sabe ler o seu mandato.

        • Um argumento que possa ser invertido é irracional por definição. Um exemplo (com a pontuação corrigida): «É isso, é. Empreendedores esses que trabalham com extra-terrestres, não com trabalhadores. Se há empreendedores com empresas privadas, é porque existem trabalhadores que lá trabalham.»

        • “As empresas que não se consigam adaptar fecharão, as outras ficarão mais fortes e produzirão mais riqueza. A economia no seu todo beneficiará.”

          ou sejam, fecharão as pequenas e médias empresas portuguesas e ficarão mais fortes as multinacionais estrangeiras, desde as sedes puramente comerciais da europa até às fábricas asiaticas. A economia mundial até pode beneficiar, mas à custa da economia portuguesa.

          • Esse »ou seja» é abusivo e não corresponde minimamente à realidade. Uma pequena empresa, se for competentemente gerida e dispuser de um nível elevado de “know-how”, será suficientemente flexível para se adaptar MELHOR do que as multinacionais estrangeiras.

    • Caro Hugo, parabéns pelos seus comentários, este e todos os outros que tenho vindo a ler. Parabéns pelo discernimento e pela sensatez.

    • António Fernando Nabais says:

      Hugo, o seu comentário é um hino ao simplismo.
      Não conheço assim tantos funcionários públicos, mas ainda não encontrei nenhum que se declarasse moralmente superior seja a quem for. O seu odiozinho primário ao funcionário público cega-o de tal maneira que, na prática, se limita a reduzir a função pública àqueles que ocupam lugares na administração pública por nepotismo, para além de, já se sabe, deixar bem claro que o funcionário público não tem “que fazer pela vida para ganhar algum dinheiro”: é um parasita.
      O facto de o salário mínimo ser legal não o torna menos imoral, sobretudo quando se sabe que a quebra de rendimentos dos trabalhadores (públicos ou privados) se deve, sobretudo, ao modo como o Estado tem sido gerido, também por se pôr ao serviço de interesses privados e/ou partidários.
      A riqueza criada num país não se limita ao contributo material, ao dinheirinho. Um polícia também faz parte do processo da criação de riqueza e isso resulta da sua actividade e não apenas dos impostos que paga, sejam eles directos ou indirectos.
      Público e privado alimentam-se mutuamente e, portanto, a actividade de um investigador deverá ter efeitos positivos na vida de um país, mesmo que esses efeitos não se traduzam em dinheiro. Se tivesse lido as ligações, teria verificado que o aluno se deslocou a Itália à sua própria custa, ao contrário dos jogadores da selecção nacional de futebol, esses milionários que não pagam uma única refeição, quando representam o país. Pois: mas devem gerar riqueza ou qualquer coisa assim. Ou então, os jogadores são espertos porque souberam aproveitar a oportunidade. O aluno que prefere estudar Latim não tem jeito para ganhar dinheiro a dar pontapés na bola? Paciência! Tivesse!
      Criticar aqueles que endeusam o empreendedorismo não é o mesmo que criticar o empreendedorismo, a iniciativa privada ou a inteligência individual. É uma crítica a um pensamento único que mete, mais uma vez, funcionários públicos no mesmo saco dos que, por favor partidário ou conhecimento pessoal, são parasitas dos dinheiros públicos.
      Nenhum de nós estará isento do pecado de participar numa corrente produtiva que implica a exploração de trabalhadores. O teclado em que escrevo foi montado na China, o que quer dizer que, muito provavelmente, estarei a aproveitar-me do trabalho de um desgraçado que é roubado. Devo, no mínimo, ter a consciência disso e, dentro do que me for possível, denunciar ou participar em movimentos que possam combater isso. Partir do princípio de que alguém é hipócrita por comer, quando se sabe que há gente a passar fome, é uma idiotice.
      Incentivar as pessoas a terem consciência não é equivalente a deixar de trabalhar para perder tempo a investigar, mas é, no mínimo, contribuir para que os empreendedores e os empresários tenham uma consciência moral e social, não permitindo que o mundo dos negócios tenha de ser um mundo feito de insensibilidade absoluta e que possa ser um mundo com preocupações sociais. Para que isso aconteça, tem de haver pressões nesse sentido. Com o Estado dominado pela mesma mentalidade do Hugo e de outros marialvas “darwinistas”, a sociedade é uma cadeia alimentar, com o empreendedor como predador de topo, o funcionário público como parasita e o resto da sociedade como presa.

      • Hugo says:

        Eu não tenho odiozinho ao funcionário público, mas incomoda-me solenemente a contratação por cunha e não por mérito e na função pública isso é mais do que frequente. Basta ver o exemplo de Loures: http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1902755&especial=Revistas%20de%20Imprensa&seccao=TV%20e%20MEDIA. Pode querer também ler esta opinião de um dos membros do movimento Transparência e Integridade: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/paulo-morais/os-camara-boys. É só uma opinião, mas não é difícil de acreditar que assim seja.

        Quanto ao serem parasitas, eu não disse isso. O que disse foi que quer o funcionário público trabalhe bem ou mal, quer adquira novos conhecimentos ou não, quer evolua ou não, se tiver contrato sem termo, mantém-se até à reforma com o salário a cair na conta certinho todos os meses. Quantos funcionários públicos conhece que foram despedidos (contrato rescindido) por serem maus profissionais ou por haver no mercado profissionais com mais competência? Nenhum. Independentemente de achar isso bem ou mal, o facto é que é fácil para uma pessoa nestas condições arvorar-se em moralista e exigir, a quem não tem essa certeza de rendimento, certos e determinados comportamentos. E pior, certos e determinados comportamentos que o próprio moralista não segue. E poupe-me ao discurso do “eu compro produtos chineses, mas pelo menos fico muito incomodado e até vou escrever um post sobre isso e colocar um like no facebook”, que é então uma forma ainda mais refinada de hipocrisia. Fez-me lembrar este episódio dos Simpsons: https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=JsTO57M3KgA#t=19s.

        Eu também não disse que uma sociedade se deva limitar à obtenção do lucro nem a manter serviços de apoio à obtenção de lucro. Se calhar não fui claro quando escrevi “Não é por isto, porém, que a cultura deva ser desprezada. Muito pelo contrário”. Mas o inverso – uma sociedade onde vamos todos ser especialistas em latim, investigar Hegel e analisar 8 horas/dia as obras de Picasso – também não é desejável. É preciso equilíbrio – como refere – entre público e privado, entre material e imaterial e um Estado que se assuma como árbitro imparcial (que infelizmente, não temos, é verdade) e que estabeleça regras mínimas de convivência, onde se insere o salário mínimo. Numa sociedade darwinista o salário mínimo não existia. Em todo o caso, para produzir cultura é preciso dinheiro e esse dinheiro vem da produção material dos privados, seja em Portugal, seja em Itália, seja onde for. Podem barafustar, podem criticar, podem mandar vir, mas o facto mantém-se: http://www.youtube.com/watch?v=FHYxpC92j_0 – a principal fonte de receita de um Estado é o conjunto de impostos que cobra aos cidadãos e às empresas. E nós em vez de elogiarmos a iniciativa privada (estamos a falar de um puto que alegadamente compra a fábricas que oferecem o salário mínimo, como todos nós fazemos, não estamos a falar de um puto que põe romenas na prostituição ou que trafica droga), sobretudo numa altura de crise económica, criticámo-la porque não é um exemplo de virtuosismo.

        • António Fernando Nabais says:

          Você treslê, Hugo. Nunca escrevi o discurso do “eu compro produtos chineses, mas pelo menos fico muito incomodado e até vou escrever um post sobre isso e colocar um like no facebook”. Nunca disse que faço o suficiente ou que sou um exemplo a seguir. Só que o facto de, infelizmente, participarmos todos num processo terrível não nos impede de o criticar e de tentar, dentro das nossas possibilidades, mudar o mundo, coisa que não se faz num dia, mas que tem de se ir fazendo. Mais uma vez, não consegue ser equilbrado e reduz a indignação a uma coisa postiça, uns “likes” no facebook.
          Já percebi que tem tendência para ver o mundo a preto e branco. Alguém defendeu que se deva criar uma sociedade onde vamos ser todos espacialistas em Latim? É o contrário: vivemos numa sociedade em que a valorização EXCESSIVA de valores ligados ao empreendedorismo, à gestão e quejandos impede que haja especialistas em Latim.
          Mais preto e branco? Criticar o Martim e tentar ajudá-lo, criticando-o, a desenvolver uma consciência social é colocá-lo ao mesmo nível que um traficante de droga? Que raio de argumento! Enfim…

          • Miguel says:

            Acho piada como você só responde ao Hugo aquilo que lhe convém. E depois diz que ele só vê preto no branco e tem uma visão simplista, mas você próprio faz umas deduções fantásticas no post. Parece até que são lógicas.

          • António Fernando Nabais says:

            Miguel, descontando uma ou outra ironia que possa tornar o enunciado menos transparente, não sei onde estão as deduções fantásticas ou a ausência de lógica.

        • Francisco Nunes says:

          O Hugo apresenta aqui um raciocínio correto, inteligente e verdadeiro. De certeza, não deixa que qualquer ideologia lhe tolde a inteligência como essa “Doutor” Raquel Varela.

    • ferpin says:

      O seu bitaite do amigo na câmara ou universidade não percebi. Defeito meu, você de certeza que consegue explicar.
      Sou professor. comecei em mini concurso distrital como contratado, e depois de muitos anos a concorrer a concurso nacional sem conhecer amigos na câmara nem na universidade, estou no quadro perto de casa.
      Quanto aos amigos na câmara, não se preocupe. Com as alterações que os pulhas do governo vão introduzindo no ensino, em breve um professor só consegue emprego se tiver um amigo na câmara.

      A sua boca do salário mínimo, também não deve ser para perceber.

      Quanto ao elogiado Martim, alguém sabe o volume de negócios dele?
      Exportar é mandar duas t-shirts para o Chile, ou Austrália?
      É que a minha filha também tem um negócio exportador, só que o volume de negócios é tão baixo que é mais um entretenimento.

      Quanto ao elogiado Martim, qual o papel dos pais? Quem negociou com bancos? Quem negociou com fabricantes? E etc.
      Estou tão habituado a operações bem sucedidas de show-off nas tvs que peço que me perdoem se faço como S.Tomé, ver para crer.

      O outro gajo que prega o empreendedorismo, o Miguel Gonçalves, acabei por concluir que ele é realmente empreendedor na sua atividade, que é pregar o empreendedorismo

      Quanto à RV até a própria deve saber que foi um mau momento dela. Sem desprimor para outras alturas em que esteve bem. Agora não foi o caso. Até a linguagem corporal paternalista estava ridícula.

      Caro amigo Nabais, só não percebi a do rapaz poder vir a ser “perigoso”. Se é por se poder tornar um empresário de sucesso e usar o poder para ser um pulha explorador, aí quase todos os tugas são perigosos (ou mesmo quase toda a população mundial), digo mais, o sonho de 99% dos tugas é passarem para esse lado. Basta ver a falta de respeito (na sua capelinha) o tuga dedica a quem apanha a jeito.

      • Hugo says:

        No primeiro parágrafo não entende o que é um “amigo na câmara”, mas no terceiro já percebe perfeitamente o conceito. Mais um brilhante exercício de retórica de um formador.

        Quanto ao Martim, eu não sei se ele vende muito ou se vende pouco. Pelo que se viu no Prós & Contras, vende. Teve uma ideia, desenvolveu-a e ganha dinheiro com ela. A ideia pode ser boa ou má, original ou não, mas pelos vistos está a ter sucesso e não prejudica ninguém. Teve ajuda dos pais? Ainda bem. É para isso que os pais existem. Depois de 583 posts a malhar no moço, ainda não entendi qual é o problema.

        Totalmente de acordo com o parágrafo do Miguel Gonçalves. O “outro de Monção” era precisamente ele.

        Por fim, adoro o argumento dos 99% e de como há pessoas que se acham o 1% de reserva moral de um país. «Só eu, os meus colegas e os meus “camaradas de Coimbra” é que são bons. Todos os outros são uns vigaristas». Vale o que vale.

        • nightwishpt says:

          O que se critica não é o Martim, é o endeusamento de um negócio de vão de escada que nada tem de original ou único e sobre o qual nada se sabe.

  2. Meus caros, expliquem-me, por favor, o seguinte: como é que criticando uma pessoa se lhe ensina consciência social? Qual consciência social? A minha, a do António Nabais, a do João José, a dos governantes, a da oposição? Sim, qual consciência social?

    Existe uma arraigada tendência para se dividirem as coisas, e a meu ver, do modo mais básico: ou és por mim, ou és contra mim! No entanto, se em vez desta oposição, se cultivasse a complementaridade, que não é senão a única sinergia inteligente, talvez não estivéssemos agora a assistir a uma das discussões mais anquilosantes dos últimos tempos. Cada um tem o seu valor. Cada um tem a sua utilidade social e humana. Não precisamos de estar todos, como macacos, no mesmo galho.

    E se as condições laborais em Portugal são o que são, se o salário mínimo é a miséria que é, tal deve-se às minoria que, egoísta e insensível aos seus semelhantes, têm vindo, durante décadas, a reivindicar direitos só e apenas para os da sua cor. Afinal, qual consciência social? A do PS? A do PCP? A do PSD?

    • António Fernando Nabais says:

      Cara Isabel, considero que receber uma crítica pode ser um caminho para a aprendizagem, mesmo que, como estratégia didáctica, seja insuficiente. A chamada de atenção da Raquel Varela não me pareceu exagerada e pode levar o jovem Martim a pensar, o que não significa que este seja a encarnação do diabo.
      Depois, independentemente do quadrante ideológico, não aceito que a consciência social possa ser algo de completamente relativo e penso que a Isabel concordará comigo. Ou trilhámos os caminhos da História no sentido de os direitos humanos terem uma importância decisiva ou aceitamos que o capitalismo selvagem (note: selvagem) pode pisar esses direitos. É importante que tenhamos todos consciência dos atropelos cometidos no mundo. Se assim for, já não será um mau princípio.
      Os empresários são tão importantes como os trabalhadores e não vivem uns sem os outros. Se é certo que os tiques da esquerda tendem a identificar os primeiros com o mal absoluto, a verdade é que os segundos são, presentemente, os bodes expiatórios de tudo e mais alguma coisa, encarados como simples despesa e raramente como pessoas.
      Pensar e escrever sobre o assunto é suficiente? É claro que não, mas é um princípio.

      • “Depois, independentemente do quadrante ideológico, não aceito que a consciência social possa ser algo de completamente relativo e penso que a Isabel concordará comigo. “

        Exactamente, caro Nabais, exactamente. Mas não é essa a consciência social, a independente do quadrante politico, que tem vindo à tona com toda esta polémica do Martim. O que tem transparecido é um ódio velado entre ideologias, e isso, para mim, é sinal de muita imaturidade.

        “Os empresários são tão importantes como os trabalhadores e não vivem uns sem os outros.”

        Mais uma vez de acordo, e mais uma vez não é isso que tem estado patente, quer nos posts, quer nos comentários, acerca do assunto Martim.

        Como muito bem diz, os empresários são tidos como a raiz de todo o mal e os trabalhadores como as vítimas constantes desse mal. Ora é precisamente nestes extremismos, que a meu ver estão isentos de realidade, que reside o verdadeiro mal. Há que atingir um equilíbrio e, sobretudo, há que tomar consciência de que é a cooperação, e não a oposição obstinada, que levará o navio a bom porto. Enquanto continuarmos a defender, de forma irredutível e prepotente, posições ideológicas, jamais sairemos deste ridículo marasmo, estéril e inconsistente, mascarado de indignação.

        Eu, pessoalmente, prefiro não ter razão quanto às minhas ideologias, mas ter a certeza que, mesmo em oposição a mim, se caminha para a igualdade de direitos e de deveres. Só aí haverá verdadeira consciência social.

  3. Maquiavel says:

    Isto é uma m….
    Aqui há uns anos, estava o Martim de cueiros, tive uma ideia brilhante que era de aproveitar o meu boneco, espetá-lo em camisolas, e pedir à minha cunhada mais nova, que é jeitosa, e às amigas dela que as usassem, para que as promovessem e depois o pessoal olhava e quereria comprar pela Internet. Nunca me passou pela cabeça ser um génio.
    O que me passou pela cabeça foi de que isso näo daria grande dinheiro, de certo näo o suficiente para me sustentar, e em vez desse negócio fui tirar um MBA, que fiz com Distinçäo. E agora, pasme-se, näo sou empreendedor, sou consultor, mas ganho bem mais dinheiro do que se fosse empresário. Vidas!

    • Hugo says:

      O Martim usaria cueiros há 15 anos atrás. Acredito que há 15 anos atrás um MBA servisse para alguma coisa. Hoje em dia não é garantia de nada. Depois de se ter escancarado as portas da universidade a tudo quanto fosse idiota, à luz do princípio da igualdade, hoje em dia temos um mercado de trabalho sobrepujado de licenciados, mestres e doutores, que não conseguem arranjar trabalho nem como consultor nem como nada. Para estes, a solução pode perfeitamente ser o empreendedorismo e o auto-emprego. Qual é o problema? Nenhum. Você conseguiu um trabalho como consultor. Parabéns. Há quem não o consiga e tenha de encontrar outras formas de ganhar dinheiro.

      • Que horror, um mercado de trabalho sobrepujado de gente que estudou. E se fossemos comparar com a média europeia?
        Ah, desculpem lá, enganei-me, comparemos então com o Bangladesh.

        • Hugo says:

          Um mercado de trabalho sobrepujado de gente ultra-competente e que se vê obrigada a desempenhar trabalhos que se poderia fazer com a quarta classe. Compreendo que nunca tenha passado por esta situação. Deve ser daqueles que se aproveitou do escancaramento da universidade e arranjou uma posição vitalícia na função pública, mesmo a dizer que o 25 de Abril e a Maria da Fonte são iguais. Se soubesse o que é possuir vários graus académicos que não lhe valem de nada, perceberia do que estou a falar. Como não sabe, põe-se a comparar situações incomparáveis e a criticar os que tentam ganhar dinheiro sem ser na função pública.

          • Viva a ignorância. Claro que não são iguais, olha o raio da Maria da Fonte, uma revolta contra o aumento de impostos é coisa da burguesa, ou quiçá da nobreza. Não se esqueça de ir contar isso à Barraca:

    • mais depressa acreditaria se alguém se dissesse que viu um porco em cima de uma árvore que no Maquiavel a dizer que é consultor. Tem lá inteligencia para isso.

  4. Abel Barreto says:

    O que o Martim fez, muitos outros fizeram e fazem diariamente. Não faltam por aí empreendedores. O Martim apenas é mais um caso, este empolado pela televisão.
    Só é pena que, como já alguém escreveu, se reduza a questão do empreendedorismo ao objectivo de ganhar dinheiro.
    É verdade que o dinheiro é preciso; que os empreendedores criam emprego e permitem que os pobres desempregados passem a usufruir do privilégio de levar para casa ao fim do mês, etc.
    E aqueles que têm ideias e lutam por causas – a maioria das vezes olhadas com desconfiança pelos empresários-empreendedores-, que não visam o lucro mas em que toda a sociedade sai a ganhar?

  5. Luis Cabrita says:

    Discutamos então o sexo dos anjos, as conclusões serão as mesmas do que se debate por aqui.

    • E quais dos temas abordados até aqui, Luís Cabrita, consistem em “discutir o sexo dos anjos”?

      • Miguel Cabrita says:

        A discussão é estéril, foca-se num caso, apresentado como exemplo e dissecado ad-nauseam. Entretanto enquanto se deviam estar a discutir soluções e acções a tomar perde-se tempo e forças com esta discussão, de onde apenas sai divisão entre as pessoas, entre esquerda e direita e entre esquerdas e esquerdas. Pura futilidade.

        • “Entretanto enquanto se deviam estar a discutir soluções e acções a tomar perde-se tempo e forças com esta discussão…” Força, Miguel, proponha soluções e acções a tomar, e suponho que ninguém se furtará à discussão.

          O caso isolado do Martim pode ser fútil, mas está longe de ser fútil ou inocente a decisão tomada pela RTP de rapar o fundo do tacho à procura de “jovens empreendedores” para os exibir – sem exemplos contrários – no contexto de um programa sobre a manutenção do Estado Social.

          A configuração daquele “Prós e Contras” contribuiu para a construção (planeada e posta em prática desde há mais de trinta anos) de um consenso favorável a quem quer destruir o Estado Social. Esta questão não é trivial; e esse consenso, que é mentiroso, pode e deve ser combatido.

  6. Artur says:

    o que é engraçado é que eu visitei o site do Martim. E vi uma fotografia de várias caixas de camisolas, com o nome duma empresa Belga. Pesquisando o nome da empresa descobri que importam o seu produto de fábricas no Bangladesh… Portanto quando ele fala em ordenado mínimo, não é o português…

  7. Helena Guimarães says:

    Sobre o tema:
    Empreendedorismo totalmente a favor, faz parte da liberdade do indivíduo, poder produzir nem que seja uma t-shirt, as costureiras que em suas casas que fazem arranjos também produzem mesmo sem empregarem ninguém.

    Quero lembrar que o discurso do emprego de massas e publico, não resultou tivemo-los cá com a implosão do comunismo no leste nas mais variadas tarefas e muito mais diplomas que nós. Os estados lá ficaram sem dinheiro para pagar um médico, ou um funcionário publico.

    Para dizer que é possivél o país ser independente e riico ( dependendo do que é rico para cada um ) como já foi.

    FACTOS – Singapura
    Population:
    5.3 million – sensivelmente metade de Portugal
    GDP (PPP):
    $314.9 billion – sensivelmente dobro de Portugal
    4.9% growth
    5.7% 5-year compound annual growth
    $59,711 per capita
    Unemployment:
    2.0% – sensivelmente 1/9 de Portugal

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading