Relativamente ao comentário do senhor embaixador Francisco Seixas da Costa, deixo aqui algumas nótulas.
É inadmissível que responsáveis políticos pela criação, promoção e execução do AO90 veiculem inexactidões em relação ao âmbito da supressão consonântica preceituada na base IV e nada me leva a pensar noutro motivo para tal, a não ser ignorância. Acerca disto, creio, estamos de acordo.
Apesar de, em meu entender, os responsáveis políticos não serem obrigados a conhecer, de forma aprofundada, os aspectos técnicos dos diplomas que criam, promovem e executam, não é aceitável o fomento de fugas para a frente, depois quer da emissão de pareceres extremamente críticos, quer do reconhecimento por responsáveis pelo dossier em apreço das imprecisões, dos erros e das ambiguidades («Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambigüidades»).
Por exemplo, uma das ilações que um leigo atento — ou um especialista distraído — terá tirado de determinadas declarações de Pinto Ribeiro poderá ter sido a de que o ex-ministro da Cultura conhecia tão bem e de forma tão profunda o tema que até se dava ao desplante de rebater a Petição N.º 495/X/3.ª com considerações vagas e com piadas de algibeira (Jornal de Letras, n.º 1010, 17 a 30 de Junho de 2009, p. 15):
Compreendo que as pessoas que lideraram a petição tenham essa posição e que estejam grudadas no purismo. É como se não quisessem que as respectivas mulheres mudem de cortes de cabelo ou os maridos deixem crescer ou cortem a barba.
Aquilo de que se desconfiava acabou por vir à tona, na resposta de Pinto Ribeiro ao Diário Económico: o ex-ministro da Cultura preferiu a piada fácil à leitura; ou seja, respondeu sem saber; isto é, persuadiu e impôs sem conhecer. Bastava-lhe ter lido
É inaceitável a supressão da acentuação, bem como das impropriamente chamadas consoantes “mudas” – muitas das quais se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras
e teríamos certamente um *fato a menos. Mas para isso, repito, era necessário que tivesse lido antes de se pronunciar e, mais importante, antes de persuadir e de decidir.
Quanto ao ponto 3 da réplica de Seixas da Costa, concordo que nada disto “absolve aqueles que, estando bem cientes dos factos referidos em 1 e 2 procedem como se os não conhecessem”, mas discordo da “aproximação da forma escrita do Português”. Foi, de facto um objectivo inicial, mas, o malogro é admitido no próprio texto do AO90: “não é possível unificar por via administrativa divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia”.
Por esse motivo, não é só o actual “estado de coisas” que “é bem capaz de semear (…) no limite, uma indesejável pluralidade gráfica”, mas o próprio AO90.
Ao escrever algo tão prosaico como “é perceptível que os indefectíveis do AO90, ao terem sido tão peremptórios na sua execução, contribuíram para uma decepcionante ruptura ortográfica”, estarei a utilizar não só a norma ortográfica portuguesa de 1945, mas também a brasileira de 1943 e a brasileira de 1990: todas elas diferentes da portuguesa de 1990 — as grafias indicadas encontram-se no VdM do ILTEC (cf. RCM n.º 8/2011, §5), sobre o qual reservo comentários para outra oportunidade.
Entre o objectivo de “aproximação da forma escrita do Português” e o AO90, com a criação de divergências anteriormente inexistentes, a diferença é perceptível e (imagine-se e deplore-se) *percetível.
A propósito, fiquei hoje a saber que, segundo a Infopédia, João Malaca Casteleiro “editou obras como (…) Nouvelles Perspetives [sic] pour l’Enseignement du Portugais en tant que Langue Étrangère”. Estas perspetives foram denunciadas, quer na página da Rádio Renascença, quer na da ILC contra o Acordo Ortográfico, por um Luso-Mirandês extremamente atento. Apesar disso, as Perspetives (sim, exactamente: perspe[k]tives, como fa[k]to) por lá se mantêm.
Em 2008, Paulo Gonçalves, do gabinete de comunicação da Porto Editora, profetizou: “o Acordo é uma penumbra que vai cair sobre a língua portuguesa”. De facto, ei-la. Contudo, faltava acrescentar: “…e sobre a língua francesa escrita em Portugal”.
Sim, está tudo a correr lindamente.
[…] terá veiculado esta inexactidão? Quanto aos *fatos, estamos conversados. Agora, debrucemo-nos sobre os *contatos — depois de resolvidos os […]