Comentário – Comunicado do FMI de 25 de Julho de 2013

O comunicado é extenso, contraditório e impudente. Define-se como análise da Zona Euro, como esta compreendesse um espaço monetário e social coeso, consistente e formado por Estados-membros a funcionar em condições homogéneas ou, pelo menos, semelhantes.

O Tratado de Maastricht, ingénua ou deliberadamente, criou a União Europeia e os fundamentos da União Monetária, de iniquidades e problemas económico-financeiros que submetem ao sofrimento os povos da agora designada ‘periferia desqualificada e empobrecida’.

Acima das controvérsias a nível nacional, reduzidas à visão de interesses partidários e de lobbies substancialmente alimentados por negócios de fundos comunitários e afins, prevalece a verdade de que, do grave impulso às PPP e obras públicas de tonitruante propaganda, iniciadas por Cavaco diga-se, Portugal e outros chegaram à funesta condição de perda do tecido económico tradicional – agricultura, pesca e indústria – e a um crescendo de endividamento insustentável (Grécia com 160,5% do PIB, Portugal 127,2%, Irlanda 125,1%, países assistidos, e Itália 130,3% são o paradigma, no 1.º T de 2013, que a mais indecorosa das verborreias não conseguirá negar).

As projecções integradas no final do documento do FMI, quebra de – 0,6% do PIB da Zona Euro em 2013, são bastante elucidativas dos topetes cantados na alvorada europeia.

São, pois, estes números e outros que cindem a Europa entre os famélicos periféricos e os bem nutridos povos do Centro e Norte. Para estes, tem de manter-se o euro, moeda criada sem sustentação económica e homogeneidade fiscal, em altas cotações – réplica do marco, lembramos.

Fundamentalmente pelas razões antes aduzidas, diz o FMI, também progenitor da sordidez, o BCE já criou meritórios instrumentos: o FEEF, o MEF, MEE e essa utópica ideia da União Bancária, que a Alemanha não contrariou por enquanto. O objectivo central, assumido pelo FMI, da citada parafernália é a recapitalização da banca. Os cidadãos, pobres e sem emprego, que se lixem!

O FMI revela, de facto, desmesurada preocupação com bancos e sistema financeiro. Porém, uma vez que é tão evidente, também foca o fenómeno do desemprego (mais de 24 milhões de atingidos na UE). No comunicado, pode ler-se exactamente isto:

[…] E com o desemprego, especialmente entre os jovens — a níveis recordes, há um risco de danos a longo prazo para o potencial de crescimento e apoio político para reformas, inclusive para novos progressos na arquitectura da UEM. Por sua vez, a falta de reformas minaria as perspectivas de crescimento e emprego.

É explícito. Para o FMI, como para a CE e o BCE, a preocupação nuclear é preenchida pelas reformas estruturais, as quais se falhadas, acham eles, minariam as perspectivas de crescimento e emprego.

É rigorosamente esta ideia que, antes Gaspar, agora o “revogado” Portas e a “mentirosa amanuense” Albuquerque defendem – 4,7 mil milhões em ‘reformas do Estado’ é o preço que milhões de portugueses vão pagar com os despedimentos da função pública, a extorsão de partes substanciais de reformas e pensões …e Pires a prometer captar investimentos. Uma farsa que um bom dramaturgo de crítica social não desdenharia reproduzir – um Dino Risi da era moderna.  

Mas, há mais. O prazer de perversão do FMI tende matematicamente para o infinito, sem erros matriciais e outros que tais. Então, não se dispensa de, como solução para a catástrofe do desemprego, escrever isto:

Dentro dos países, as reformas do mercado de trabalho devem continuar a remover qualquer rigidez, aumentar a participação e, se necessário, promover acordos mais flexíveis de negociação.

Bom, isto fala por si e muito mais teríamos a dizer. O denunciado é suficiente para ter a noção da dimensão e dramatismo do problema; e ainda imaginar a figura dos eleitores fiéis ao ‘arco do poder’. Desempenham a preceito o papel do burro de Buridan, a seguir enunciado:

Refere-se a uma situação hipotética em que um asno é colocado à mesma distância de um fardo de palha e um recipiente com água. Uma vez que o paradoxo assume que o asno irá sempre para o que estiver mais perto, ele irá morrer de sede e de fome, uma vez que não pode tomar nenhuma decisão racional sobre a escolha de uma ou de outra hipótese.

Comments

  1. Fernando says:

    O euro acabou, é apenas oficializar, o que imagino que leve alguns anos pois os euromaníacos ainda têm margem de manobra.
    Quando as pessoas se sentem obrigadas a criar moedas alternativas, como na Grécia por exemplo, está tudo dito sobre o futuro desta moeda que ainda nem adolescente é…

  2. Portugal não cresce vai para aí uma década e os portugueses não viviam pior então, agora comparem-se os OE 2003 e 2013. É fácil ver que se podem e devem cortar bem mais de 4,7 mil milhões.

    • Carlos Fonseca says:

      Qual era a taxa desemprego em 2003? Quais os níveis de produção industrial de então, comparados com a actualidade? Quais eram as taxas de IVA e IRS em vigor nessa altura, se avaliada com aquelas que estão em vigor agora? Qual o grau de alavancagem do bancos, por comparação com os de 2009? É um autêntico exercício de maiêutica para ver se chegamos à conclusão que estamos a falar de situações diferentes.

  3. Zero says:

    Nao é só Portugal, os outros paises Europeus tambem andam a crescer muito menos. É preciso cortar cerca de 10 mil milhoes

    • Carlos Fonseca says:

      Os outros países da Zona Euro estão mencionados no documento do FMI, caso se dê ao trabalho de o ler. De resto, no ‘post cito as dívidas grega, irlandesa, italiana e portuguesa, referindo ainda que as previsões do FMI do crescimento do PIB é de – 0,6% em 2013 e + 0,9% em 2014 para a Zona Euro.
      “É preciso cortar cerca de 10 mil milhões”. Mais exactamente 10,1 ou 9,9 mil milhões?
      Esqueceu-se do impacto dos cortes na miséria social ou então está a imaginar a recriação do holocausto e de erigir um campo de Auschwitz no Cartaxo e outro em Freixo de Espada à Cinta. Francamente…

      • Zero says:

        A matemática e a realidade acabarão por meter as teorias economicas no sitio. Sim, os cortes são dificeis ninguem disse que nao são, no entanto se nao os fizermos qual a alternativa?? Continuarmos a aumentar a divida e a ver o pais a crescer 0,2% ao ano até que se fartem de nós e nos deixem de emprestar dinheiro?? E o que acontecerá quando isso acontecer?? Iremos descobrir que nao existe dinheiro para financiar o Estado que muitos exigem

  4. José Galhoz says:

    “De vitória em vitória até à derrota final”. Quem diria que isto viria a ser aplicável ao discurso oficial do FMI/BCE/CE, a “santa troika”. A ganância da alta finança internacional, de que os bancos são apenas a face mais visível, criou um “buraco” de proporções globais, que os contribuintes de todo o mundo terão de pagar, tanto mais quanto os respectivos governantes o consentirem (ou o desejarem, como é o caso de Passos Coelho e Cia.). Não ver que as “reformas do Estado/cortes cegos” são a face mais visível e imediata de tudo isto é andar embalado nas “histórias de fadas” que os poderes instituídos vão tentando vender-nos. Quanto ao Euro, moeda artificial criada por conveniência dos países mais ricos do norte da Europa (com outros a aderirem cegamente), teria de ser uma vítima apetecível para esta rapina porque, para além do mais, está prisioneiro de mecanismos de conservadorismo monetarista, impostos pelo todo poderoso Banco Central Alemão.

    • Carlos Fonseca says:

      O seu comentário diz tudo e de forma bem clara. Dispenso-me pois de retorquir perante outros argumentos cegos, sem sentido que pretendem defender o indefensável. O ‘sistema financeiro internacional’ provocou danos de tal ordem no mundo, Europa em especial, que só não os reconhece quem não é capaz ou não quer por teimosia.

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