Xeque ao Ensino: a minha escola é melhor do que a tua

Cheque-ensino na mão, o encarregado de educação está, aparentemente, apto a escolher a melhor escola para o filho. E como saber qual é a melhor escola?

No texto anterior, referi, de passagem que o critério que a opinião pública utiliza para avaliar as escolas está limitado aos rankings: segundo esta teoria (que é, na realidade, um reflexo), uma escola é tanto melhor quanto mais perto estiver dos primeiros lugares. Dito de outra maneira: o único critério para avaliar a qualidade de uma escola estaria nos resultados que os respectivos alunos obtêm nos exames. A imposição de exames nos finais de todos os ciclos de ensino contribuiu para aumentar a obsessão com os rankings.

A verdade é que a avaliação da qualidade de uma escola não se pode fazer de modo tão simplista, ignorando, nomeadamente, o estatuto socioeconómico/sociocultural dos alunos, como sabem todos aqueles que conhecem verdadeiramente o terreno. Essa diferença é decisiva e se as escolas privadas têm direito a escolher os alunos, as estatais não têm e não devem ter.

Só gente muito ignorante e atrevida é que pode acreditar na magia de um cheque-ensino. Nuno Crato junta a essas duas características uma terceira: não quer saber.

Imaginemos, por instantes, que um aluno de um bairro difícil, com um percurso escolar carregado de dificuldades, consegue entrar num colégio de elite, bem classificado nos rankings. Alguém acredita que o bairro e as dificuldades desaparecem como que por magia? Será que a simples frequência de um colégio com vários alunos que conseguiram entrar em Medicina tem efeitos milagrosos sobre um aluno com um percurso carregado de insucesso? 

Nuno Crato criou aparentes soluções para a entrada e para a saída: com o cheque-ensino, os alunos poderão ter a liberdade de entrar; com a imposição de mais exames, finge-se que há maior exigência. O principal, no entanto, continua por resolver e não se relaciona com entrar ou com sair, mas com estar.

A resolução dos problemas dos alunos deve passar por uma intervenção solidária da sociedade, sendo a escola pública uma instituição fundamental, porque terá sempre, no mínimo, de funcionar como o último recurso. Nuno Crato tem-se dedicado, no entanto, a piorar as condições de trabalho exactamente da escola pública, devido a medidas como a criação de mega-agrupamentos, o aumento do número de alunos por turma ou o despedimento cego de professores, entre muitas outras. Não por ignorância, mas maquiavelicamente consciente.

O cheque-ensino é mera maquilhagem, uma das muitas maneiras de fingir que se está a resolver um problema. Os falsos crentes desta seita usam, frequentemente, o dialecto empresarialês, enchendo a boca com concorrência e outros palavrões pomposos, enquanto, na realidade, contribuem para distorcer o mercado. Depois falamos.

Comments

  1. “Imaginemos, por instantes, que um aluno de um bairro difícil, com um percurso escolar carregado de dificuldades, consegue entrar num colégio de elite, bem classificado nos rankings.”
    Não há imaginação que chegue a tanto.
    Já agora permita-me que divulgue aqui a minha opinião sobre o assunto (que até não parece ser muito diferente da sua):
    http://umjardimnodeserto.wordpress.com/2013/09/11/aos-amigos-do-cheque-ensino/

Trackbacks

  1. […] é sempre mensurável: a Igreja fazia proclamações; o empresarialismo anuncia estatísticas, rankings e percentagens. Como sempre aconteceu, a maioria, embrutecida, repete a […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading