Não pagar é a única saída

O Joshua, na sua cruzada anti-Sócrates continua a não distinguir a árvore da floresta e vê semelhanças entre um ovo e umgaia6 espeto, isto é, entre Passos Coelho e as práticas de boa governação. A ordem dos factores é arbitrária, claro.

Vejamos: o orçamento para a Educação chegou a ser mais de 8 mil milhões, tendo descido para pouco mais de 6 mil milhões – é uma redução na casa dos 25%. Estou certo que isso é visto, caro amigo, como uma prática de investimento no futuro. Repara que o dinheiro necessário para pagar os juros corresponde a uma vez e meia o valor do orçamento para a educação – são mais de 9 mil milhões. Todos os anos.

Quase poderia escrever o mesmo para a saúde.

Mas, a coisa não vai lá com uma simples renegociação da dívida – uma parte importante (metade) está na mão dos Europeus, cerca de um terço está na posse dos bancos nacionais e o resto, menos de 20% é da “banca” internacional. E, não me parece, que na Europa se consiga uma perdão da dívida.

E, mesmo que o Governo pense que está no caminho certo, os números mostram que não há saída deste beco: para além da morte (mais que morrida) do consumo interno, a aposta nas exportações vai falhar em toda a linha por dois motivos:

– os países para onde exportamos não estão a crescer e por isso não vão comprar;

– parte muito significativa do que estamos a exportar tem uma componente muito grande de produtos importados.

Logo, não haverá qualquer crescimento da economia de modo a permitir pagar em juros, um orçamento de educação todos os anos. É matematicamente impossível.

Dois anos depois TODOS os indicadores mostram que estamos pior.

Continuar a cortar salários e aposentações é um erro. Como é uma estupidez continuar a encher salas de aula ou a cortar apoios aos meninos especiais.

Quanto mais depressa Portugal assumir que não vai pagar, mais depressa se poderá começar a construir uma solução.

Comments

  1. sinaizdefumo says:

    Acha mesmo que não pagar é a única saída? Para onde? O abismo?

    • Meu caro, percebo e agradeço a interrogação. Mas, algumas das medidas que estão a ser tomadas estão a produzir algum tipo de efeito? Está ou não o défice SEMPRE na casa dos 6%, corte-se aqui ou ali? Estamos ou não pior? E vê alguma alternativa válida? O que eu digo é: o dinheiro dos juros vai directo para a economia e quando o país estiver a crescer, vamos ver como se vai pagar. Porque,simplesmente, continuar a pagar, não vai ser solução. JP

      • sinaizdefumo says:

        Sim, estamos nas mãos de gente mancomunada com os credores apostada apenas em ripar o que puder enquanto puder. Mas a solução será sempre negociar, negociar, negociar.

        • Se calhar estamos a dizer a mesma coisa. Negociar? OK – Exmos sr. Europeus, a gente vai pagar, mas não é agora. Temos 9 mil milhões para pagar juros e ao mesmo tempo vamos cortar na Educação e na saúde. O que eu digo é o contrário – vamos investir na Educação, na Saúde… E adiar o pagamento dos juros. Simples. E o PS tem que se chegar à frente nesta questão.

          • sinaizdefumo says:

            Se calhar estamos a dizer a mesma coisa. OK – Exmos sr. Europeus, a gente vai pagar, mas não é agora. Vamos investir na Educação, na Saúde… e adiar o pagamento dos juros? Reduzir o valor dos juros? Reprogramar as amortizações? Não será melhor para todos? Não? Vamos renegociar. Pagar é a única saída, se não nos estrangularem nos entretantos.

          • nightwishpt says:

            sinaizdefumo:

            Com austeridade não há crescimento. Nunca houve, nunca haverá.

          • sinaizdefumo says:

            nightwishpt:
            Com austeridade à bruta, não; também não disse isso.

  2. A propósito de uma intervenção de José Sócrates em Paris, quase que o crucificaram por ele afirmar que a dívida de um país não se paga, negoceia-se.
    Muito embora eu não seja grande admirador de José Sócrates, nomeadamente da sua política para a educação, já na altura me insurgi contra as vozes que se levantaram contra ele.
    A prática, como não podia deixar de ser, veio revelar que, afinal de contas, essa é efectivamente a prática corrente na relação entre países e entre instituições. Nunca um país consegue pagar a sua dívida pública por inteiro (nem os USA, a Alemanha ou outra grande potência tem essa veleidade).
    Tal como diz hoje no JN Carvalho da Silva, Portugal durante décadas soube bem o que é ter contas certinhas e viver na miséria. Será que queremos voltar aos tempos salazarentos do “pobrezinhos nas honrados”? Aos tempos do orgulhosamente sós?

  3. Estimo que o João Paulo tenha passado de um pensamento radical e irracional – não pagamos – para um pensamento mais ponderado e racional – vamos negociar um prazo mais alargado (não para pagar a dívida, mas para o plano de ajustamento). Se bem me lembro, a Argentina também não pagou e chegou a um ponto em que teve que suspender as liberdades individuais. A Grécia gozou de um perdão substancial da dívida e de que lhe valeu? De pouco ou nada e no futuro os investidores pensarão duas e três vezes antes de colocar o seu dinheiro na Grécia e se porventura o fizerem exigirão juros altíssimos. Em todo o caso, com ou sem alargamento, a reforma do Estado pela diminuição da despesa pública (onde se incluem os salários e o investimento público) mais do que uma inevitabilidade é uma necessidade. O alto nível de investimento, efectivos e salários da função pública foi mantida nos últimos anos à custa de dinheiro fácil. A torneira do dinheiro fácil acabou, mas os compromissos salariais mantiveram-se, ficando nós numa situação incomportável. Compreendo que do ponto de vista individual se proteste contra uma diminuição do rendimento mensal. É lógico e compreensível. Do ponto de vista colectivo e abstracto não deixa de ser uma necessidade trazer a despesa para níveis que o país possa comportar. É verdade que em muitos outros sítios se pode e deve cortar, mas a função pública também não pode fugir a esses cortes. Idealmente as medidas sobre a função pública deveriam inclusive tornar o serviço ao Estado menos apelativo que trabalhar no privado. Era da maneira que as pessoas procurava primeiro um lugar no privado e depois, se não o conseguissem, no Estado. Tendo em conta que é o privado quem cria a riqueza que sustenta o Estado, todos teríamos a ganhar com isso.

    • Meu caro Hugo, se a gente escreve na área dos cinzentos, ninguém vai ler o post. Se atiramos as letras ali para o preto ou para o branco, a coisa ganha vida. Foi o caso. Vamos lá aos argumentos:
      a) Parte da ideia que a pobreza é boa em si mesmo. Não me parece que os indicadores mostrem o acerto das práticas do governo. TUDO aponta para o falhanço completo, não? Isto é, a receita falhou! POnto!
      b) o que temos a fazer? Renegociar com os credores o pagamento dos juros, anualmente uma vez e meia o valor de todo o ministério da educação. E, com essa “sobra” na despesa, animar a economia interna.
      c) Com o mercado interno vivo teremos mais condições de voltar a pagar a quem nos deve.

      Como muito bem sublinha o Júlio, a nossa dívida não é para pagar.
      JP

      • Da minha parte, eu gosto muito de ler os seus posts, independentemente de os títulos serem mais ou menos incendiários.

        Eu não defendo a pobreza, defendo uma despesa adequada à capacidade financeira do país. No passado andamos a gastar aquilo que tínhamos e não tínhamos porque o dinheiro era fácil. Era uma situação virtual e que deixaria de vigorar – como aconteceu – assim que o dinheiro passasse a ser “difícil”. Agora despertamos do sonho e é preciso adaptar a despesa pública à realidade. Em todo o caso, creio que passar de 1500 para 1300 e picos euros não pode ser considerado uma entrada na pobreza. Quanto às medidas do governo, pecaram claramente por excessivas em resultado de uma política de auxílio demasiado exigente, é certo, mas creio que ninguém estava à espera de aumentos salariais quando a austeridade era já palavra de ordem desde os tempos do PEC4.

        Quanto ao renegociar, é algo com que concordo, mas para isso é preciso que a troika também aceite. Não aceitando, temos de jogar pelas regras deles. Não se esqueça que foi Portugal quem pediu ajuda externa e não a troika que se ofereceu. Em todo o caso, a redução da despesa pública deve fazer parte da agenda deste ou de qualquer outro governo, pelas razões que já indiquei, independentemente da existência de uma renegociação ou não.

        Em relação ao mercado interno, ele animar-se-á mais com uma descida dos impostos do que com o aumento da despesa pública. Baixando os impostos, o lucro das empresas aumenta, bem como a sua capacidade de contratação. Por outro lado, o rendimento disponível das famílias também aumentará. Finalmente, Portugal torna-se um país mais atractivo ao investimento directo estrangeiro. Mas para compensar a baixa da receita tem que se baixar também a despesa pública. Era este o caminho que deveria ter sido tomado sempre desde início: combate ao défice pelo lado da despesa e nunca pelo lado da receita, tendo em conta que a carga fiscal em Portugal era já antes deste governo muito alta.

        • nightwishpt says:

          ” Baixando os impostos, o lucro das empresas aumenta, bem como a sua capacidade de contratação.”
          Ai sim? E quem vai comprar?
          Essa teoria não funciona nem nunca funcionou em lado nenhum.
          http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/10/15/five-on-the-floor/
          ” combate ao défice pelo lado da despesa e nunca pelo lado da receita, tendo em conta que a carga fiscal em Portugal era já antes deste governo muito alta.”
          Ver acima.
          “Finalmente, Portugal torna-se um país mais atractivo ao investimento directo estrangeiro. ”
          Ai sim? Com os trabalhadores mais qualificados fora do país e os restantes completamente desmotivados?

          • Se forem exportadoras, compram os clientes estrangeiros. Se forem empresas mais vocacionadas para o mercado interno, compram as famílias que se veriam mais desafogadas com o alívio fiscal, como aliás refiro atrás.

            Quanto aos trabalhadores qualificados, eu sou um deles e ainda por cá ando. Tenho a certeza que muitos como eu também ainda estão aqui pela Lusitânia. Estaremos desmotivados? Acredito – e isto sem ponta de sarcasmo ou ironia – que os funcionários públicos o estejam. Ninguém gosta de trabalhar mais e receber menos. Mas os trabalhadores actualmente desempregados devem estar mais que motivados para trabalhar, assim surja a oportunidade. Além do mais, o mercado de trabalho não se compõe apenas e só de trabalhadores qualificados.

            A solução para a crise não vai ser fácil e creio que nunca ninguém disse que ia ser fácil. A nossa situação foi causada por um endividamento e despesa pública excessivos, que agora vão ter de ser reduzidos. A alternativa (manter e/ou aumentar a despesa) é muito bonita, mas não é exequível. Ou então vamos ser todos funcionários públicos. Paga o engenheiro.

          • sinaizdefumo says:

            Há porém um pormenor ‘sem importância’ a ter em conta. Há duas partes no tal endividamento excessivo, a que pediu demais e a que emprestou demais.

  4. Há vários post’s a defender a negociação, e eu, em princípio, concordo com essa ideia. agora o que é preciso é ter a ideia muito precisa que negociar é falar e haver cedências de um lado e de outro, por forma a atingir uma plataforma de entedimento. negociar nunca poderá ser capitular, ser subserviente (que é o que o nosso governo, por opção ideológica – acredita piamente no modelo ultra liberal de economia, tem feito). Temios d eter a firmeza suficiente para saber impor os nossos pontos d evista e defender os interesses nacionais.
    Não há desenvolvimento, nem pagamento real da dívida sem crescimento económico. Ora, crescimento económico não é compatível com austeridade asfixiante. Foi essa a posição assumida pelo governo irlandês quando, contrariamente ao que a troika queria, estabeleceu no seu orçamento um déficit de 5,5% e não 4% e se recusou a cortar nos salários, precisamente com o argumento de que a prioridade tem de ser o desenvolvimento económico, sem o qual não há mais nada. Perante isto qual foi a reacção de troika? Nenhuma, tiveram de calar.
    Podemos perguntar se o governo português seria capaz de tomar uma atitude destas. Pessoalmente creio que não por várias razões:
    1. Com a sua atitude subserviente perante a troika, perderam qualquer força que pudessem ter;
    2. como já afirmei, ideologicamente concordam com estas medidas;
    3. na prática eles estão mais interessados em defender os interesses da banca (como se verifica com a não aceitação da proposta do ministro da saúde no Conselho de ministros de aumentar a taxação da banca. E ele sabe do que fala já que foi Director Geral dos Impostos e, depois, membro do conselho de administração do BCP) e dos especuladores internacionais, em vez de defenderem os interesses do nosso país.
    Com este OE, uma coisa não duvido, iremos ter um aumento da austeridade e, no final do ano o déficit vai aumentar e as taxas de juro não vão descer dos 6,5/7%.

Trackbacks

  1. […] caro oponente ideológico João Paulo, é evidente que subjaz à tua tese a ideia de opções governamentais livres, marcadamente […]

  2. […] Já escrevi que as soluções de Passos Coelho e Paulo Portas não fazem sentido e vão levar Portugal para uma situação pior do que há dois anos – aliás, todos os indicadores provam isso mesmo. Podem continuar a roubar parte importante do meu salário que assim deixa de entrar na economia. Sim, a parte que me rouba não era para ser gasta em serviços públicos, logo, o corte no meu salário tem consequências directas na falência do mercado interno. […]

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