A ininteligível produção de *fatos políticos

galilei

“Retrato de Galileu Galilei”
Justus Sustermans (http://bit.ly/17Msan7)

Muito rapidamente, aproveitando alguns intervalos para cafés.

Fiquei ontem a saber, através do Público, que Rui Teixeira foi acusado de denegação de justiça, abuso de poder e coacção de funcionário.

Lembremo-nos daquilo que disse um dos principais responsáveis pela situação caótica actualmente vivida na ortografia portuguesa europeia:

Ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas”.

É verdade que José António Pinto Ribeiro nada disse nem acerca de eventual abate, prisão ou punição daqueles que não aceitarem ler e estudar documentos com as “novas regras”, nem sobre abate, prisão ou punição de quem impingir documentos redigidos “ao abrigo” de regras que não estão em vigor. Enfim, como já tive a oportunidade de recordar, relativamente ao aspecto ‘adesão’ e à dimensão ‘punição’, a doutrina divide-se.

Contudo, é sabido, não se encontrando os tribunais “sob a tutela orgânica e funcional do Governo“, nada obriga Rui Teixeira a adoptar uma norma que, manifesta e compreensivelmente, lhe desagrada. Resta saber se, não tendo o dever de adoptar o AO90, incumbe ou não a qualquer juiz a obrigação de aturar no seu círculo judicial textos redigidos “ao abrigo” de uma proposta ortográfica que, como sabemos, é inadequada para a norma portuguesa europeia, tendo – convém sempre refrescar a memória – sido objecto de pareceres negativos.

Haverá sempre quem critique Rui Teixeira por este indicar alterações efectivamente não previstas no Acordo Ortográfico de 1990, aludindo à supressão quer do acento de ‘cágado’ (proposta de 1986), quer da letra consonântica ‘c’ de ‘facto’. Segundo a SIC, “não se entende o reparo do juiz”. Lamento imenso, mas entendo e já explico porquê.

Aquilo que, de facto, não se entende é a profunda distracção da SIC, quando convidados daquela casa (Santana Lopes e Pinto Ribeiro) se pronunciaram da seguinte forma, relativamente ao facto em apreço: “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” e “Não, não [patino]. Já escrevo [‘fato’ em vez de ‘facto’]“. Ao contrário de quem, com a segurança – mas sem a discrição e a exactidão – de um “eppur si muove”, escreveu “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa) e de quem respondeu que, sem patinar, escrevia ‘fato’ em vez de ‘facto, o meritíssimo Rui Teixeira não tem andado a promover e a decidir politicamente a aplicação de uma norma que desconhece. A diferença, apesar de tudo e por muito que custe aos defensores do Acordo Ortográfico de 1990 que criticam o juiz Rui Teixeira, convenhamos, é enorme.

Rui Teixeira não gosta de ‘fatos’ e a SIC diz que “não se entende o reparo”. Não? Eu entendo. Se Rui Teixeira tiver lido a revista do Expresso de sábado passado, como fizeram Pedro Correia e, muito provavelmente, dezenas de milhares de outros leitores, ter-se-á deparado com “produtores de fatos políticos”, num texto com “vida ativa“, “ato eleitoral” (duas vezes), “exceto os seus”, “redatores de discursos” e “10 de junho“, isto é, em enunciado com um notório esforço de emprego das regras do AO90.

fatos políticos

Aparecendo *fatos num jornal a poupar letras há exactamente três anos, quatro meses e doze dias, é muito provável e até compreensível (para não dizer ‘entendível’, sim, porque, na SIC, “não se entende”) que quem o lê fique plenamente convencido da supressão, em português europeu, do ‘c’ de ‘facto’. Estando actualmente a atenção da SIC voltada para o juiz Rui Teixeira, recomendo que, quando tiverem tempo, dêem uma espreitadela ao Diário da República, para se aperceberem da existência de tanta, tanta, tanta coisa que “não se entende”.

Comments

  1. Facto: o Juiz Rui Teixeira nem sequer conhece o acordo ortográfico, porque “facto” continua a escrever-se “facto” e “cágado” continua a escrever-se “cágado”. Não é? Conclusão, o juiz armou-se aos cágados, quis aparecer, fazer uma demonstração de poderzinho, tipo “eu é que sou o presidente da junta”. Em vez de ler o relatório e decidir, como devia, pôs-se a filosofar sobre “factos” e fatos. Tenho a certeza de que a decisão sobre o caso concreto que lhe foi distribuído era bem mais importante. Sabe o Francisco qual é? Pois, nem o juiz se interessa. E agora está o juiz transformado em mártir do acordo ortográfico. Eu nem sequer uso o acordo, não gosto. Mas gosto muito menos destas pesporrências.

  2. É isso mesmo Sr. Amarildo Cortez, um dos piores defeitos dos portugueses é concentrarem-se normalmente nos aspetos menos importantes das situações e pronunciarem-se “doutamente” sobre aquilo que desconhecem. É evidente que o juiz Rui Teixeira se vier a ser punido não será por causa da rejeição do acordo ortográfico, mas por não ter desempenhado corretamente as suas funções não aceitando documentos que era obrigado a aceitar.

  3. Sua excelência o Juiz Rui Teixeira escreve como quiser, com acordo ou sem acordo, ninguém o aborrece por isso. O que não se lhe admite são essas frioleiras arrogantes sobre o trabalho dos outros. Faça ele o seu trabalho e não atrase os processos. Eu escrevo como sempre, sem acordo ortográfico, porque já estou velho para aprender outra forma. Nunca me passaria pela cabeça é atrasar o meu trabalho e desdenhar do trabalho dos outros, por causa disso. Aliás, nunca tive qualquer problema em ler o que quer que seja com o AO. Ele não percebe o que está escrito? Chama alguém ao lado que lhe explique. O homem tem uma função de Estado e tem de o fazer, não é um diletante, nem é o Vasco Graça Moura a escrever crónicas sobre o AO. Não é para isso que lhe pagam. Aliás, o mais ridiculo é que ele nem sequer conhece o AO.
    Mas já reparei que ele se está a transformar em mártir da causa. Se o ridiculo matasse…

  4. OJuiz parece talhado par fogo fatuo. E alguns comentadores tambem-a Sic tem que deixar de pareceres da Univeriudade de Wisconsen.. Bom post e bom resumo do A. Cortez

  5. É sempre triste, mas nunca surpreendente, ver a falta de conhecimentos que os portugueses têm do conceito de “desobediência civil.”

    Por este Juiz tenho apenas admiração por não vender as suas convicções. Se é contra o acordo, deve sê-lo em todas as acções em que se envolve.

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Trackbacks

  1. […] porque no Expresso quem adopta o AO90 é o conversor. Quando dão folga ao conversor, o resultado é este. Evidentemente, alhures, a mesma prática e, consequentemente, os mesmos resultados. Enfim, pano […]

  2. […] Como sabemos, o “empenhamento” não é suficiente, principalmente quando a opacidade das regras nem permite que os promotores as compreendam. […]

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