Muito rapidamente, aproveitando alguns intervalos para cafés.
Fiquei ontem a saber, através do Público, que Rui Teixeira foi acusado de denegação de justiça, abuso de poder e coacção de funcionário.
Lembremo-nos daquilo que disse um dos principais responsáveis pela situação caótica actualmente vivida na ortografia portuguesa europeia:
“Ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas”.
É verdade que José António Pinto Ribeiro nada disse nem acerca de eventual abate, prisão ou punição daqueles que não aceitarem ler e estudar documentos com as “novas regras”, nem sobre abate, prisão ou punição de quem impingir documentos redigidos “ao abrigo” de regras que não estão em vigor. Enfim, como já tive a oportunidade de recordar, relativamente ao aspecto ‘adesão’ e à dimensão ‘punição’, a doutrina divide-se.
Contudo, é sabido, não se encontrando os tribunais “sob a tutela orgânica e funcional do Governo“, nada obriga Rui Teixeira a adoptar uma norma que, manifesta e compreensivelmente, lhe desagrada. Resta saber se, não tendo o dever de adoptar o AO90, incumbe ou não a qualquer juiz a obrigação de aturar no seu círculo judicial textos redigidos “ao abrigo” de uma proposta ortográfica que, como sabemos, é inadequada para a norma portuguesa europeia, tendo – convém sempre refrescar a memória – sido objecto de pareceres negativos.
Haverá sempre quem critique Rui Teixeira por este indicar alterações efectivamente não previstas no Acordo Ortográfico de 1990, aludindo à supressão quer do acento de ‘cágado’ (proposta de 1986), quer da letra consonântica ‘c’ de ‘facto’. Segundo a SIC, “não se entende o reparo do juiz”. Lamento imenso, mas entendo e já explico porquê.
Aquilo que, de facto, não se entende é a profunda distracção da SIC, quando convidados daquela casa (Santana Lopes e Pinto Ribeiro) se pronunciaram da seguinte forma, relativamente ao facto em apreço: “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” e “Não, não [patino]. Já escrevo [‘fato’ em vez de ‘facto’]“. Ao contrário de quem, com a segurança – mas sem a discrição e a exactidão – de um “eppur si muove”, escreveu “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)“ e de quem respondeu que, sem patinar, escrevia ‘fato’ em vez de ‘facto, o meritíssimo Rui Teixeira não tem andado a promover e a decidir politicamente a aplicação de uma norma que desconhece. A diferença, apesar de tudo e por muito que custe aos defensores do Acordo Ortográfico de 1990 que criticam o juiz Rui Teixeira, convenhamos, é enorme.
Rui Teixeira não gosta de ‘fatos’ e a SIC diz que “não se entende o reparo”. Não? Eu entendo. Se Rui Teixeira tiver lido a revista do Expresso de sábado passado, como fizeram Pedro Correia e, muito provavelmente, dezenas de milhares de outros leitores, ter-se-á deparado com “produtores de fatos políticos”, num texto com “vida ativa“, “ato eleitoral” (duas vezes), “exceto os seus”, “redatores de discursos” e “10 de junho“, isto é, em enunciado com um notório esforço de emprego das regras do AO90.
Aparecendo *fatos num jornal a poupar letras há exactamente três anos, quatro meses e doze dias, é muito provável e até compreensível (para não dizer ‘entendível’, sim, porque, na SIC, “não se entende”) que quem o lê fique plenamente convencido da supressão, em português europeu, do ‘c’ de ‘facto’. Estando actualmente a atenção da SIC voltada para o juiz Rui Teixeira, recomendo que, quando tiverem tempo, dêem uma espreitadela ao Diário da República, para se aperceberem da existência de tanta, tanta, tanta coisa que “não se entende”.
Facto: o Juiz Rui Teixeira nem sequer conhece o acordo ortográfico, porque “facto” continua a escrever-se “facto” e “cágado” continua a escrever-se “cágado”. Não é? Conclusão, o juiz armou-se aos cágados, quis aparecer, fazer uma demonstração de poderzinho, tipo “eu é que sou o presidente da junta”. Em vez de ler o relatório e decidir, como devia, pôs-se a filosofar sobre “factos” e fatos. Tenho a certeza de que a decisão sobre o caso concreto que lhe foi distribuído era bem mais importante. Sabe o Francisco qual é? Pois, nem o juiz se interessa. E agora está o juiz transformado em mártir do acordo ortográfico. Eu nem sequer uso o acordo, não gosto. Mas gosto muito menos destas pesporrências.
É isso mesmo Sr. Amarildo Cortez, um dos piores defeitos dos portugueses é concentrarem-se normalmente nos aspetos menos importantes das situações e pronunciarem-se “doutamente” sobre aquilo que desconhecem. É evidente que o juiz Rui Teixeira se vier a ser punido não será por causa da rejeição do acordo ortográfico, mas por não ter desempenhado corretamente as suas funções não aceitando documentos que era obrigado a aceitar.
Sua excelência o Juiz Rui Teixeira escreve como quiser, com acordo ou sem acordo, ninguém o aborrece por isso. O que não se lhe admite são essas frioleiras arrogantes sobre o trabalho dos outros. Faça ele o seu trabalho e não atrase os processos. Eu escrevo como sempre, sem acordo ortográfico, porque já estou velho para aprender outra forma. Nunca me passaria pela cabeça é atrasar o meu trabalho e desdenhar do trabalho dos outros, por causa disso. Aliás, nunca tive qualquer problema em ler o que quer que seja com o AO. Ele não percebe o que está escrito? Chama alguém ao lado que lhe explique. O homem tem uma função de Estado e tem de o fazer, não é um diletante, nem é o Vasco Graça Moura a escrever crónicas sobre o AO. Não é para isso que lhe pagam. Aliás, o mais ridiculo é que ele nem sequer conhece o AO.
Mas já reparei que ele se está a transformar em mártir da causa. Se o ridiculo matasse…
OJuiz parece talhado par fogo fatuo. E alguns comentadores tambem-a Sic tem que deixar de pareceres da Univeriudade de Wisconsen.. Bom post e bom resumo do A. Cortez
É sempre triste, mas nunca surpreendente, ver a falta de conhecimentos que os portugueses têm do conceito de “desobediência civil.”
Por este Juiz tenho apenas admiração por não vender as suas convicções. Se é contra o acordo, deve sê-lo em todas as acções em que se envolve.
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