Para que serve um ranking das escolas?

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Imaginem uma lista ordenada da exposição solar das casas portuguesas. Sem ninguém se rir, misturavam-se as viradas a norte com as orientadas a sul, as do Algarve com as da Beira Alta, e proclamavam-se as virtudes e defeitos dos arquitectos que tivessem obtido mais luz natural na sala de jantar. Esta modalidade de comparar o incomparável, e ainda por cima premiar os vencedores com publicidade completamente gratuita, existe em Portugal.

Aquela que será provavelmente a maior fraude jornalística da República nasceu por pressão de vários chico-expertos, encabeçados por José Manuel Fernandes, um jornalista de causas, da Voz do Povo a porta-voz  dos Belmiros e neste caso do negócio dos colégios. Falo da entrega pelo Ministério da Educação ao belo prazer da comunicação social de dados respeitantes aos resultados dos alunos do básico e secundário, convenientemente manipulados em tabelas a que chamam ranking das escolas portuguesas.

A fraude continua  com um único e claro objectivo: fazer publicidade enganosa aos colégios privados e dar a  um João Miranda o gozo de escrever em defesa das “virtudes da selecção de alunos e da gestão privada”. É sempre bom quando a extrema-direita eugenista se assume.

Numa mesma tabela misturam-se escolas que não podem seleccionar alunos com escolas que o fazem descaradamente, exames vigiados por funcionários públicos com exames observados por colaboradores de empresários que têm como clientes os alunos (sendo que ainda por cima posteriormente os mesmos colaboradores vão corrigir exames feitos em escolas públicas ou em empresas concorrentes). Bónus: ainda por cima vende jornais, mesmo que o único trabalho científico conhecido sobre a qualidade público vs privado demonstre o contrário do anualmente publicitado, mesmo que seja óbvio que os melhores professores preferem o ensino público.

É impossível fazer um ranking decente das escolas? com os dados disponibilizados é, mesmo a variante sócio-cultural dos alunos apenas vai sendo divulgada quanto ao ensino público. Ponderando outros factores quantificáveis podíamos obter alguma fiabilidade:  dados como o número de matrículas rejeitadas (é um facto que não são apenas colégios quem selecciona alunos, todas as escolas onde há mais procura que oferta o fazem), alunos matriculados que não vão a exame (um dos mais conhecidos truques das privadas é esse, livrarem-se a meio do ano de quem vai estragar a média), médias do 1º ano de um ciclo com médias do último, número de alunos da escola, alunos externos, etc. etc. dariam entretenimento aos quantitativistas na sua obsessão compulsiva de tudo reduzirem ao número, e seriam uma aproximação à realidade. Nada contra as aproximações, desde que devidamente assinaladas.

O que temos é exactamente o oposto: o absolutismo numérico utilizado de forma disparatada e induzindo em erro quem desconhece o meio, isto num país onde nem os exames permitem comparações entre anos lectivos, dada a disparidade de resultados conforme os ventos sopram do Ministério.

Para todos os efeitos tal obrigaria a um sistema de matrículas único. E aí está o argumento com que deve ser confrontado a partir de agora Nuno Crato: cheque-ensino? vamos a isso, mas incluindo a obrigatoriedade de as escolas aceitarem aleatoriamente os alunos candidatos à matrícula, sem qualquer possibilidade de selecção humana. Depois veremos como ficam os rankings e quantos colégios aceitam jogar de igual para igual com as escolas públicas.

Comments

  1. Eu diria que serve para os pais poderem ver quais as instituições onde os alunos obtêm melhores notas e – se puderem – colocarem lá os seus filhos. Não serve para dizer se em termos absolutos a escola pública é melhor que a privada ou vice-versa, pois são realidades não-comparáveis: uma não selecciona os alunos, a outra selecciona (para poder mostrar no fim de cada ano que os pais têm vantagens em gastar 500 euros por mês para ter lá os seus filhos); uma tem de lidar com o contexto económico-social local, outra pode seleccioná-lo. Tudo isso é verdade, mas quando chega a altura de colocar o filho a estudar, creio que é bom ter a informação prestada pelos rankings.

    Você parte de um pressuposto errado, o de que existe competição entre escola privada e pública e que estamos na presença de um caso de concorrência desleal. A escola pública há-de sempre existir, há-de sempre ter alunos e há-de sempre estar presente para oferecer educação aos alunos. A escola privada (verdadeiramente privada, não a pouca-vergonha que se vê) é um extra para quem o quiser – e puder – obter.

  2. Existe competição, existe, mas e num sentido: as escolas privadas querem ter alunos, logo utilizam todas as armas comerciais para conquistar clientes.
    Um ranking falsificado é uma delas.
    Porque se vamos por aí, o facto de os alunos de uma escola, seja qual for, terem tido bons resultados nos exames deste ano não significa nada sobre a qualidade do ensino que ministram, mas apenas que este ano tiveram bons alunos nos anos de exame. Para o ano pode ser igual, pode ser diferente, mesmo entre quem selecciona os alunos não existem garantias.
    A escola onde trabalho passou do topo para uma posição média de um ano para o outro. Há um ano que todos sabíamos que isso ia suceder. No essencial os professores foram os mesmos. Os alunos daquele ano, mudaram.

    • Daí a informação estar disponível para vários anos e os pais poderem ver a evolução do ranking ao longo do tempo. Podem ver que instituições são mais constantes e que instituições andam aos saltos de ano para ano. Em todo o caso, informação nunca é demais e os dados dos rankings são úteis para quem tem que – e pode – escolher onde quer colocar os filhos a estudar. Além do mais é informação oficial e baseada num só critério, evitando assim publicidade enganosa e publicitação de falsos dados por parte dos colégios privados.

  3. Reblogged this on Azipod.

  4. Este é mais um problema de cupidez a juntar a tantos outros!
    Houvesse um “lugar” onde se ensinasse a SER em vez do Ter, onde o Homem reconhecesse o outro como ele próprio, já que somos parte do mesmo Todo universal, e o mundo seria outro!
    Assim, viveremos séculos e séculos a combatermo-nos e a querer ser os primeiros e a termos mais que os outros, numa luta predadora e primária que não nos distingue dos outros animais.

Trackbacks

  1. […] Agrada-me a ideia do João: […]

  2. […] blogs dos professores continuam a enterrar a cabeça na areia (aqui e aqui) e a ignorar a realidade que os rankings de escolas expressam, a saber: de ano para ano as […]

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