O País para trás, a dívida para a frente mas devagar!

A operação de “troca de dívida” ficou consideravelmente abaixo do valor referido pelo Ministério das Finanças. Conforme anunciado ontem na comunicação social, Maria Luís Albuquerque (MLA) e IGCP estabeleceram o objectivo de adiamento dos vencimentos de 26.935 milhões de euros, nas condições demonstradas no quadro seguinte:

Dívidas_adiamento

O Tesouro Português conseguiu, apenas, colocar no processo de ‘troca’ 6.642 milhões de euros. Note-se que, do diferimento de prazo das dívidas de 2014, Portugal apenas obteve dos mercados a prorrogação de 2.675,5 milhões de euros para 2017, fixando-se em 4164,5 milhões a “troca” para 2018.

Afinal, o teste de regresso aos mercados, e neste caso maioritariamente à banca portuguesa, esteve longe de produzir os resultados que MLA,  de ar ingénuo e sorridente, tinha em perspectiva. Inocência? Excesso de ambição? Incompetência? Deixo no ar as perguntas.

Na comunicação feita ao País, e que o vídeo acima documenta, a ministra afirmou:

A dívida portuguesa não será alterada

Disse-o antes da operação global, então quantificada em 26.935 M de euros. Esqueceu-se de mencionar que os adiamentos, se feitos pelo total, custariam aos cofres do Estado à volta de 3.900 milhões, em função dos juros e dos prémios por cada 100,00 euros de dívida adiada.

É, todavia, lamentável que na imprensa da especialidade, ‘Diário Económico’ é um dos órgãos de afecto governamental, se conceda espaço para escrever coisas como esta:

Foi uma boa operação. À partida pode parecer que face aos 27 mil milhões a quantidade trocada é baixa mas não podemos relativizar, (referiu Filipe Silva, do Banco Carregosa).

Relativizemos antes o DE, os tecnocratas do Carregosa e todo esse enxame de melgas, do Camilo Lourenço ao César das Neves, especialistas em morder os indefesos e em acariciar os responsáveis pelo agudizar da crise.

Quanto ao propalado afundamento das taxas de juros, de que a imprensa também faz eco, ainda é muito insuficiente para as afogar. Veja-se o ‘site’ da Investing.com, por exemplo, e concluir que às 17:01 a maioria das taxas estavam, de novo, em movimento ascendente. As taxas de juros estão submetidas a grande volatilidade, como é sabido.

O governo não se deve furtar ao ‘programa cautelar’, mas o ‘segundo resgate’ é também hipótese ainda impossível de descartar. Como diz muita gente, e até o ex-ministro Álvaro, os governantes consideram a renegociação da dívida um acto antipatriótico, quando é justamente o inverso que não vexa nem castiga o povo.

Comments

  1. nightwishpt says:

    E o programa cautelar, é melhor, igual ou pior?

    • Carlos Fonseca says:

      Depende das condicionalidades impostas, mas tende a ser mais leve do que o segundo resgate.

      • AACM says:

        ” Depende das condicionalidades impostas “…..o resto que escreveu foi um exercicio de adivinhacao sem fundamento.

      • nightwishpt says:

        Tende? Porquê? Não impõe metas igualmente impossíveis e medidas igualmente gravosas ou piores? E sem o apoio do BCE?

        • Carlos Fonseca says:

          Sobretudo, a diferença resulta de, no caso do programa cautelar, haver a possibilidade de Portugal ir directamente aos mercados, caso obtenha taxas mais favoráveis e prescindir de empréstimos da CE e BCE parcial ou totalmente. E mesmo assim os financiadores estão garantidos pela caução que a CE e o BCE oferece, sendo muito provável a ausência do FMI que é a entidade mais dura. Não esquecer que, a realizar-se, será o primeiro ‘programa cautelar’ na Europa. A Irlanda rejeitou-o. Pelo menos, são estas as conclusões que extraio de leituras que fiz..

  2. AACM says:

    Nao existiu troca de divida. Existiu sim, um dilatar do prazo de vencimento da mesma com consequente aumento de juro, mantendo-se a divida. Resumindo, devemos o mesmo. Apenas uma pergunta…..tendo como objectivo dilatar o prazo de 26.935 M e conseguido apenas dilatar o prazo de 6.642 M (24,65%), quem foram os investidores que nao acreditaram em Portugal ?

  3. Vocês desculpem lá, mas do ponto de vista do fdp do mercado, a operação foi bem sucedida. Venderam um atraso da dívida para 25% do montante em causa. Nunca esteve na mesa a venda de 100% nem de perto nem de longe.

    Agora, a questão é que estão a trocar dívida que vencia nos próximos 2 anos que tinha juros de 3 a 4% , por dívida com prazo mais longo mas com mais juros (perto dos 5%).

    Devemos a mesma coisa, pagamos mais tarde, mas pagamos mais caro pelos juros anuais.

    • Carlos Fonseca says:

      As notícias dos jornais de ontem, nomeadamente do ‘Público’ davam a entender que o objectivo da operação era muito mais elevado. Leia-se o 2.º parágrafo:
      O anúncio foi feito pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) e consiste na amortização antecipada de três títulos de dívida, comprometendo-se os seus detentores a adquirir novos títulos com prazos mais largos. Na prática, o que o Estado português tenta fazer com esta troca é adiar a data de amortização desta dívida em cerca de três anos, com o objectivo de tornar mais fácil a tarefa de obter financiamento durante 2014 e 2015.
      http://www.publico.pt/economia/noticia/portugal-avanca-para-nova-operacao-de-troca-de-divida-1614711
      De resto, o técnico do Banco Carregosa manifesta-se sobre a relatividade do resultado, com as afirmações que introduzi no texto.
      O governo esperava realizar muito, muito mais do que realizou. Como é hábito em Portugal, vão deixar a “bernarda” a quem for poder depois de 2015. E os juros mais elevados começarão a ser pagos no momento que o contrato da troca venha a estabelecer.

  4. portela says:

    Nós apanhamos o comboio em andamento, e nem sequer tratamos de conhecer o itinerário, de levar um lanche substancial para a viagem, mesinhas para o enjoo. Na minha opinião a raiz do mal está aqui. Os melhores lugares já estavam ocupados pelos que tinham entrado antes e os disponíveis são cada vez piores, por isso os ucranianos estão divididos e possivelmente, não vão entrar.
    .
    Mas comboios, há muitos!

  5. Reblogueó esto en fermin mittilo.

  6. portela says:

    Como é que este comboio, CEE, foi formado 1958? Pode haver várias respostas, mas esta tem fundamento..
    Em 1955, a Holanda país fundador UE, não conseguia resolver o problema socioeconómico de 13 das suas regiões. Pediu ajuda internacional e as Nações Unidas enviaram a CEE(Comissão Económica para a Europa). Reuniram em Baaren e o que foi lá decidido resolveu o problema dos holandeses. Depois em 1958 a região da Sicília, a mais pobre de Itália foi socorrida pelo célebre programa de Desenvolvimento Comunitário um projeto conduzido por Ugo Papi e Pierre Vellas, e deu certo lá como teria dado certo cá, e desse modo preparados para a viagem .Conclusão: quando o comboio começou a andar, ninguém ia descalço. Mas nós entramos sem botas.

    • Carlos Fonseca says:

      À volta dos negócios do carvão alemão do aço francês, da alguma indústria nascente italiana e, como disse, das fragilidades entre comunidades regionais da Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

  7. antónio says:

    Todo o texto parte de um pressuposto errado.
    Os operadores de mercado consideravam, antes da troca, que se o tesouro português trocasse cerca de 2b ou 3b já seria positivo. Consegui trocar mais do dobro. Deste ponto de vista, e para quem de facto tem poder e influência conhecimento dos mercados de dívida, quem de facto investe o seu dinheiro na nossa dívida, esta operação foi um sucesso. Podemos e imagino q será essa a posição do autor, criticar a opção. Podemos considerar que outras opções seriam melhores, mais baratas, menos onerosas para o erário público. Tudo muito bem. Mas vir dizer q o objetivo era vender todo o montante outstanding das linhas de2014 e 2015 e esse objetivo não foi conseguido e por isso foi um falhanço, desculpe q lhe diga, mas é de quem n percebe nada do assunto!
    Cumprimentos.

    • Carlos Fonseca says:

      Tomei como base a comunicação inicial do governo, nomeadamente o parágrafo do ‘Público’ que acima reproduzi. Sei que os 100% seriam impossíveis de alcançar, mas considerar que 24,66% é um sucesso, ainda por cima com a maior fatia, 4164,5 milhões, afecta à dívida de 2015, e simultâneamente um alívio muito relativo de 2675 M em 2014, na minha opinião não é propriamente um sucesso.
      Considerar liminarmente que não percebo nada do assunto apenas porque tenho uma opinião diferente é excessivo. Eu poderia dizer-lhe que não se trata de biliões (bn) mas milhares de milhões, a quem, pelos vistos, entende pouco de classes de unidades numéricas.
      .

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