O Escravo

Maria de Almeida

adenor gondimFoto: Adenor Gondim

As previsões meteorológicas diziam que era o dia mais quente daquele verão. E a verdade é que por muito leve que fosse a roupa, o corpo teimava em produzir água para combater o estio que se sentia.

No mesmo local onde Abdul estivera, destilava-se, naquela tarde.

A porta e a janela aberta, com a pequena corrente de ar que provocavam, não chegavam para fazer baixar a temperatura que se fazia.

Entrou então um rapaz, rondando os 20 e poucos anos. Trajava umas calças de ganga muitos números acima daqueles que o seu corpo seco e excessivamente magro comportavam. Na parte de cima vestia uma camisa branca, também ela enorme para aquele corpo esquálido. A camisa havia sido cortada à tesoura, na gola e nas mangas, tornando-se assim uma peça de manga a cava, que havia sido metida dentro das calças, que, por sua vez, franziam com um cinto de couro, tão puído e já muito fino, que mais parecia uma coleira dum velho cão que passara a vida acorrentado. Aquele modo de vestir era tão peculiar que nos concentrava ainda mais o olhar sobre o corpo.

Quando se abeirou da secretária onde eu estava sentada perguntou-me num francês correcto: “posso ir buscar uma cadeira para me sentar?”

– “Não vale a pena que não vou demorar a atendê-lo” – respondi, na mesma língua, enquanto largava o processo em que trabalhava.

Daquela cara muito negra corriam rios de água, em forma de suor.

– “Eu vim a pé de J….. (o que significava uma distância superior a 25 km’s) para pedir ajuda porque já não aguento mais!”

O filho adolescente que, que sem programa para mais um dia de férias, estava ao meu lado, levantou-se e foi buscar a primeira cadeira que encontrou, e ofereceu-a ao jovem que tinha a minha frente.

– E o que se passa para ter vindo de tão longe a pé? – Indaguei.

Começou então a despejar-se um contentor de história que, quem não convive com estas realidades, pode considerar, irreal e falsa.

Nascera na Costa do Marfim, numa família muito humilde, mas que atribuía à educação a forma de fugir a miséria que, geração atrás de geração, os fadava, Tinha estudado, a nível superior, no seu país, relações internacionais, (diploma que religiosamente guardava dentro de uma mica) , pensando fugir, assim, aquele destino sucessório, a lembrar os tempos do feudalismo.

Nos meios que frequentava em Abidjan conhecera então um Embaixador português que, com a promessa de uma vida melhor, lhe desenhara um destino edílico em Portugal. Era tudo tão simples: viria para a Europa, iria secretariar, numa fase inicial, “Sua Excelência”, não ganharia muito, mas teria, alimentação, cama e roupa lavada, uns trocos largos que dariam até para ajudar a família, e a hipótese (o seu objectivo maior) de conhecer mundo e gente que lhe haveria de alargar horizontes e dar melhores condições ainda, já que aquelas lhe pareciam ser de sonho.

Não hesitou em despedir-se da família e dos amigos e aceitar que lhe pagassem o bilhete de avião, e a entregar os documentos pessoais, imprescindíveis para fazer o check-in e outras coisas burocráticas das quais nunca ouvira falar.

A viagem correra tranquila e ao chegar a Portela, tinham um lustroso carro negro, com motorista fardado à sua espera e do Senhor Embaixador. Luxo supremo que nunca tinha visto ou sequer sentido.

Os problemas começaram a surgir, pouco mais de uma hora depois desta visão deslumbrante. Chegara a J….,  a fome apertava, mas o que o esperava foi uma surra com um pau, que lhe marcou as costas e mais ainda o orgulho: a partir daquele momento comeria o que lhe dessem, ou melhor sobrasse, e teria que lavar e limpar a casa, tratar do campo e dos animais, manter os jardins e os terrenos impecáveis, já que naquela casa nada era de borla.

– E os documentos? – questionei

– Ele ficou com eles e nunca mais os vi – retorquiu.

– Mas não tentou fugir?

– Fugir? Como? Se tinha os cães e os muros enormes que não conseguia subir? E cada vez que tentava fugir os castigos eram maiores!

– Mas como é que o tratavam?

– Sabe que descobri que ração de cão é a melhor comida do mundo?

– O quê? – perguntei-lhe em choque.

– Sim, antes isso que os restos do prato do Senhor Embaixador, onde, em dias de raiva chega a cuspir.

E continuou sem parar:  – “Hoje vim aqui, porque, ontem, levei uma sova tão grande e fui tantas vezes humilhado que o mínimo que me chamou foi de macaco”, enquanto mostrava as marcas das nódoas negras naquele corpo muito escuro, mas que eram perfeitamente visíveis.

O esforço que eu fazia para não me deixar levar pela emoção, de uma história tão estranha, a raiar o que há de pior na má escrita de livros de terror e com a emoção que saía daquele ser sem nome,  ao mesmo tempo que, aquela torrente de água, agora em forma de lágrimas, dava a credibilidade possível à situação, fazia-me rebentar numa outra torrente de revolta e raiva (como se não fossem sentimentos semelhantes).

O adolescente que, entretanto esquecera que estava ali ao lado, levantou-se e tentou pegar na carteira que tinha 10 euros, que os avós lhe haviam oferecido, para dar a quem tinha pela frente.  Fiz-lhe um gesto para parar, ao mesmo tempo que tentei encaminhar o rapaz para o piso inferior, onde poderia fazer uma queixa crime contra o homem, também ele sem nome, e de quem apenas conhecia o cargo.

Explicações feitas: “vai lá abaixo, faz a queixa e depois vai voltar aqui, para, na outra parte possível o podermos ajudar.”

Tudo certo!

O problema foi ter-me esquecido que já estávamos quase na hora de encerrar.

Nunca soube da queixa.

Nunca soube o nome do rapaz da Côte d’Ivoire.

Nunca soube do Embaixador ou do seu nome.

Soube sim, que pouco tempo depois, quando, confortavelmente, me deslocava de carro a caminho de casa, vi o rapaz no passeio do outro lado da estrada e não tive coragem de parar.

E sei bem, ainda hoje, mais de um ano passado, quantas foram as vezes que este negro sem nome dormiu nos meus sonhos, sem que eu o tivesse podido ajudar.

Comments

  1. Nice!

  2. Antonio Gaspar says:

    Dois temas prementes. A escravatura actual e a solidariedade. Gostei

  3. Teresa Henriques says:

    Um olhar sobre quem vive de perto os dramas de gente anónima. Dramas esses que a maioria das pessoas não fazem a mínima ideia que existem. Obrigada a quem não se cala. Continua!!!

  4. arlinda ribeiro says:

    bom texto, assustador o conteúdo, assustador saber que acontece agora

  5. Ana Porfirio says:

    Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis” Bertold Brecht Quantos muros, quantos escravos, quantos muros de pedra e dos outros. Sejamos todos imprescindíveis!

  6. Beatriz says:

    Gosto muito. Excelente!

  7. Nuno says:

    A liberdade é algo a que todos temos direito! Nada mais a dizer.
    Excelente texto. Reflictam sobre isto…

  8. Quando se pensa que a escravatura ficou para trás à décadas, quando pensamos que estamos a ir no caminho da Ordem e do Progresso aparecem destes casos de vida. Eu sinto tristeza. A história deste rapaz fez me lembrar um livro fabuloso de um grande escritor também ele da Costa do Marfim, Ahmadou Kourouma e o livro chama se Alá não é obrigado (Allah n’est pas obligé), retrata todo o pensamento e vivencias de uma criança soldado. Por este caso e por muitos penso por vezes que a espécie humana não vale nada. 🙁

  9. portela says:

    Perante a cena, aqui tão bem foi descrita, o que terá a dizer o Deus responsável por essa criatura agredida, será o mesmo do agressor?

  10. Hugo says:

    “O problema foi ter-me esquecido que já estávamos quase na hora de encerrar.” Função pública in a nutshell.

    • j. manuel cordeiro says:

      Felizmente que o tempo desses moinantes bem pagos está a chegar ao fim. Agora sim, que essa parvoíce de não se trabalhar ao almoço, à noite, nos feriados e nos fins-de-semana tem os dias contados, é que os veremos fazer alguma coisa. Deviam era agradecerem ter emprego. Finalmente, conseguiremos competir com a China, como tão bem enunciou uma vez o ex-ministro Manuel Pinho.

      Onde é que se já viu, ganharem umas escassas centenas de euros e ainda querem o luxo de um horário laboral?!

      • Hugo says:

        O que eu estranho nesta alegada história deste alegado Abdul é que apesar de a situação dele ser de tal forma desumana, não era suficientemente grave para justificar uma prorrogação de horários por parte do departamento de queixas. Estou mesmo a ver:

        “- Oh Sr. Abdul, agora não pode ser, já são três, já estamos a fechar… O senhor levantou-se a que horas para fazer os 25 km até aqui a pé? Às sete? Pois, devia-se ter levantado mais cedo. Mas vamos fazer assim, o senhor vai hoje para casa, leva mais umas bordoadas no focinho, come mais umas latas de ração – olhe que o meu Pantufas gosta muito disso! – e amanhã volta c… Ah, amanhã também não pode ser, porque nós estamos de greve… Veja lá que o ministro quer que nós trabalhemos mais uma hora como o resto do povo, onde é que já se viu? Agora só na segunda. Mas pronto, você aguenta mais dois dias de humilhações – se calhar como é fim-de-semana o sr. embaixador nem está lá – e vem cá na segunda. Olhe, eu até lhe dou o dinheiro para o bilhe… Ah, mas na segunda a transportadora também está de greve… Parece que o governo lhes quer tirar o subsídio para fazerem a barba e só lhes paga o bigode e as suíças. Eu sei, é mesmo uma falta de consideração por quem trabalha. Mas prontos, ficamos combinados, terça-feira vem cá, faz queixa, daqui a três meses vai lá uma inspecção à embaixada e daqui a 4 anos sai a sentença! Não desanime, homem!”

    • mariadealmeida says:

      Hugo, a história é realmente veríridica.
      E o “porque estavamos quase a fechar”, até, nem tem grande significado. O único foi o não ter voltado ao sítio onde tinha feito a queixa principal e voltado a falar comigo para perceber o que lhe aconteceu.
      Sabe, é que por muito estranho que lhe possa parecer o senhor (que não se chama Abdul – e daí se nota a sua leitura atenta do texto) não fez, ou quis fazer a queixas que deveria, até porque no sítio onde trabalho, temos o péssimo hábito de competir com a China e não ter horas de almoço ou de saída, não será razão para isso.
      .A questão primordial tem, sim a ver com as provas, e essas, as que contam, são as que a lei determina e as leis são feitas pela gente em quem se vota.
      Então suponhamos que a queixa era feita.
      Seria que o homem sem nome teria para onde voltar nessa noite? já se interrogou ou tentou saber que procedimentos administrativos, bastante burocráticos, são necessários para ter ajuda de alguma instituição governamental, também elas sujeitas as regras dos tais que fazem a leis e que sequer pensa nestas pu noutras histórias semelhantes, que até nem existem.
      Quanto às greves… nem mais ciomentártios merece!

      • Hugo says:

        Por acaso, fiquei na dúvida se este texto era meramente literário ou factual. Se me diz que é verídico, eu acredito. Resta saber se a história que o Abdul lhe contou é verdade ou não. Pessoalmente, acho muito improvável que alguém, por poucos escrúpulos que tenha, se dê ao trabalho de ir à Costa do Marfim buscar um homem para o escravizar em Portugal, quando o que não faltam para aqui são estrangeiros que não sabem falar a língua. Depois há a incongruência de o homem não poder fugir por causa dos cães e dos muros altos, mas conseguir aparecer na repartição pública a pedir ajuda e isto depois de andar 25 km, apesar de estar claramente mal nutrido. Por fim, como é que um caso tão escabroso como este nunca foi parar às capas dos jornais? O CM chamava-lhe um figo e garantia os salários aos seus jornalistas até ao fim deste ano. Independentemente de esta história ser verdadeira ou não, a verdade é que história semelhantes de escravatura existem em Portugal e lá fora, com negros e com brancos. Em todo o caso o que achei mais curioso no seu texto foi precisamente o facto de estar ali na presença de um homem torturado, na miséria, perdido no mundo, mas que não podia ser ajudado, porque tinha chegado fora do horário de expediente, o que reflecte muito a atitude de muitos (não todos) funcionários públicos deste país, pré e pós-crise, em que há hora para ir tomar o pequeno-almoço ao bar e há hora para sair, a qual é religiosamente cumprida. A história do Abdul dá para reflectir, mas dá para reflectir de várias formas. E uma delas seria pensar que há pessoas que estão muito piores do que os funcionários do Estado e que não se queixam nem metade do que aqueles se queixam. Aliás, nem é preciso falar do Abdul. Basta falar das pessoas que ganham o salário mínimo por oito horas de trabalho ou estão a recibos verdes às vezes a trabalhar mais e quando se querem transportar para o seu trabalho ou resolver qualquer coisa nas finanças se deparam com greves porque “o governo quer-nos cortar o subsídio para fazer a barba” ou “o governo quer-nos obrigar a trabalhar mais uma hora(!!!)”. Aliás, se o horário fosse de oito horas, se calhar você já podia ter sabido o que aconteceu ao Abdul e à queixa. Pense nisso.

        • Nightwish says:

          ” CM chamava-lhe um figo e garantia os salários aos seus jornalistas até ao fim deste ano.”
          Só quando o governo for do PS.

          . Aliás, nem é preciso falar do Abdul. Basta falar das pessoas que ganham o salário mínimo por oito horas de trabalho ou estão a recibos verdes às vezes a trabalhar mais e quando se querem transportar para o seu trabalho ou resolver qualquer coisa nas finanças se deparam com greves porque “o governo quer-nos cortar o subsídio para fazer a barba” ou “o governo quer-nos obrigar a trabalhar mais uma hora(!!!)”

          Os colaboracionistas como o senhor concordam com o estado de coisas, por isso não sei do que se queixa. Se calhar quando já não houver transportes para essas pessoas porque não dão lucro fica mais contente porque já não há greves.

  11. portela says:

    Há quinhentos anos Pero Escobar fez a mesma viagem, mas em sentido contrário à do Abdul. Um foi de caravela o outro veio de avião. Isto, hoje, corresponde a um enorme avanço tecnológico, onde está o correspondente avanço civilizacional?

    • portela says:

      A explicação está implícita nas causas, de que resultou o episódio acima contado.

  12. Teresa Gatões says:

    Muito bom. Liberdade, sim.

  13. Parabéns a quem tão bem nos conta as histórias da nossa “casa” e o lado do avesso da justiça.
    Continua sempre a fazê-lo, amiga.

  14. Sobral says:

    Fico babada com o privilegio que tenho em ter pessoas tão especiais há minha volta!! Parabéns amiga, está excelente!!

  15. Nelly says:

    Excelente texto para reflexão.

  16. Santo da UMINHO says:

    Se a história foi verídica conseguiu TER SONHOS? Eu teria Pesadelos!!!
    Por outro lado, nunca impediria o meu filho de ter uma atitude tão altruista como a de dar 10€ a um desconhecido pelos motivos apresentados. Por vezes lido c/situações de alunos k estão na merda…mas antes de os encaminhar para onde quer k seja… telefono sempre para saber se os atendem e não os deixo na mão. Já tive alguns a dormir no meu sofá e não os conhecia!! Infelizmente, cada vez mais estas histórias são verídicas e as lágrimas não jorram assim às 3 pancadas. No caso dele eram mtas pancadas :-/
    Deixo-vos a refletir sobre a história, pois se foi verídica a autora TINHA TUDO NA MÃO para o ajudar…
    É o tal lema…não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti :-/
    Bjinhos

  17. mariadealmeida says:

    Como já disse atrás a histórica foi verídica
    “pois se foi verídica a autora TINHA TUDO NA MÃO para o ajudar…!”
    Dizes tu!
    As coisas não são assim tão lineares, Santo. Parece sim, mas a quem está de fora!

  18. Excelente texto!!

    • Maria de Ameida says:

      Em nome de todos os homens sem nome e com ele, e em nome de outros tantos que poe eles trabalham horas infindas, sem direito a pagamento extra e com os ordenados cada vez mais cortados, obrrigada pelos comentários.

  19. Paulo Caiado says:

    Assustador por acreditarmos!
    O ”estarmos a fechar” se for encarado como uma metáfora sobre a nossa desatenção pode-se tornar um aperto para toda a vida.
    Excelente texto e mais importante ainda, se o texto é verdadeiro e redigido na primeira pessoa ele é uma redenção.

  20. Fernando says:

    Bonito texto. Parabéns “Maria Almeida”
    Mas a história não devia ter acabado assim… De que valeu ao jovem ter andado 25 km a pé?

  21. Wanda Ribeiro Miranda says:

    Bem, estou mesmo a gostar, não da tristeza da história relatada mas, da forma como está escrita!!! Quanto a mim está excelente!!! E… obrigada também por ‘saber’ português!!!! Obrigada por partilhar comigo! Continue!!!!

  22. A história, em si mesma, e em termos literários, é muito boa. Gostei mesmo muito.
    Os factos que relata são assustadores, embora não surpreendentes, para mal da raça humana.
    E sim, em Portugal existe escravatura, e sim, é silenciosa… porque como essa incide, em regra, sobre indivíduos que se encontram ilegalmente no nosso país, estes estão, à partida, entregues à sua própria sorte, condenados a não poderem falar, queixar-se, defender-se.
    Mais, se morrerem, também ninguém em Portugal dará pela falta deles… no nosso sistema não existem, como cidadãos ou sequer como seres humanos. Só morre quem existe, quem tem um registo. Quem não está registado inexiste. Se inexiste, não pode morrer, porque nunca esteve vivo.
    À autora, deixo os meus sinceros parabéns.
    Contudo, tenho umas palavrinhas que não posso deixar de endereçar ao Hugo, em relação aos comentários que ele supra publicou:
    Hugo, o que relata em relação aos serviços públicos não encontra correspondência na realidade dos mesmos. Bons funcionários existem, no sector público e no sector privado; “estritos cumpridores” de horários de refeição e de encerramento também, meu caro.
    Curiosamente, se o Hugo for a uma mercearia para comprar umas lâminas de barbear porque se apercebeu que as suas acabaram e de que não tem uma para o dia seguinte, e se a mercearia estiver encerrada porque já terminou o seu horário de abertura ao público, é possível que já não o atendam, e que no dia seguinte vá trabalhar com a barba por fazer… mas nem por isso vai generalizar os merceeiros como uns favorecidos, como uns beneficiados pelo sistema, instituído no seu país, pois não?
    A sua ideia dos funcionários públicos “que vão passar a trabalhar mais uma hora” é completamente descabida. E é descabida por várias razões: não há assim tantas pessoas no Estado a pensarem que têm direito a trabalharem menos horas do que os do privado; para sua informação, a maioria dos funcionários públicos trabalha mais do que oito horas por dia, com salários miseráveis (sim, MISERÁVEIS, INSULTUOSOS!!!), e não recebem um cêntimo, UM CÊNTIMO, a mais pela horas de trabalho que fazem a mais…
    Sabe, Hugo, os serviços públicos não trabalham apenas durante as horas em que o Hugo vê as respectivas portas abertas ao público… Há muito, mas mesmo muito trabalho de rectaguarda que tem que ser feito para que o Hugo, eu e outros como nós possamos ter soluções dadas por serviços públicos às nossas necessidades.
    Se as respostas são perfeitas? Não, não o serão, garantida e infelizmente.
    Mas acredite que na maioria dos casos são as melhores possíveis, graças à boa vontade dos que trabalham além do seu horário, em prol de todos nós, sem nada receberem em troca, excepto, muitas das vezes, ainda “uns valentes pares de coices” dados por quem pensa como o Hugo, e que muitas vezes até são chefes dos que dão o seu melhor todos os dias.
    Portanto, Hugo, faça um favor a si próprio: não fale de realidades que não conhece. Fica-lhe mal, faz uma infeliz figura…
    Para finalizar, dizer-lhe o seguinte: caro Hugo, eu conheço a realidade dos serviços públicos, e também conheço a realidade do que é trabalhar no privado. Conheço POR DENTRO AMBOS. Sei o que é trabalhar a recibos verdes: sei o que é trabalhar com verdadeiros e com falsos recibos verdes (vínculos precários, contratos de trabalho encapotados). No público e no privado.
    Sabe porquê, Hugo?
    Porque para poder sobreviver neste país tenho que viver em ambas as realidades em simultâneo. Sim, Hugo, tenho que ter dois empregos.
    Para poder pagar uma casa de custos controlados.
    Para poder ter água, electricidade e gás.
    Para poder comer.
    E os impostos levam-me quase tudo, em ambos os sistemas.
    E sim, Hugo, todos os dias dou graças a Deus por ter trabalho.
    Com salários miseráveis e incertos, mas tenho trabalho.
    Muitos não têm essa sorte.
    Antes de criticar os outros, certifique-se de que pode fazê-lo.
    Conheça primeiro a realidade, olhe bem à sua volta, caminhe “com os sapatos dos outros” e depois sim, critique… mas faça-o com conhecimento de causa.
    Fica-lhe melhor, sabe?
    Desejo-lhe que por um mês da sua vida trabalhe o mesmo número de horas por dia que eu trabalho diariamente. Bastar-lhe-á um mês. E nunca mais tecerá considerações disparatadas como as que teceu aqui.

  23. Sandra Almeida says:

    triste realidade, nem posso imaginar a dor de um e o sentimento de impotência de outro.

  24. Ana Amorim says:

    Gostaria que esta “história veridíca” tivesse tido outro final, pois o relato é de tal forma comovente e revoltante que o Abdul, deveria ter tido um outro destino, uma outra sorte…
    Ficam-me duas questôes: Se…não fosse a questão do horário, o final desta história teria sido diferente? Se… a autora e participante desta história veridíca, tivesse parado o carro depois de ter visto novamente o Abdul, teria feito toda ou alguma diferença!?
    Para concluir, tenho que lamentar que o tempo da escravatura não tenha sido banido do coração do ser humano e desejar ardentemente que histórias destas deixem de ser veridícas e passem simplesmente de ficção.

  25. mafinha says:

    Incrível! Como é possível?

  26. cristina marques says:

    gostei!!

  27. Marta says:

    Nos dias de hoje…são tantos os casos a tratar…que por vezes … existe algum “egoísmo inconsciente” …. a dinâmica do dia-a-dia não permite parar e muitas das vezes não está só ao nosso alcance.

    Gostei do que retratou são estas e outras histórias que “retratam um pouco a nossa Era dos dias de hoje”.

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