Do nacionalismo

Este artigo de Pedro Cardim é das coisas mais pertinentes que já li nos últimos tempos no que diz respeito à questão dos nacionalismos ibéricos. A questão da Catalunha é secundária, apesar de começar por ser a razão do texto. O que interessa verdadeiramente são as considerações do autor sobre o chamado “nacionalismo” português. Infelizmente, alguns comentários ao artigo são, como sempre, mostras de alguma ingenuidade e anacronismo.

Dois parágrafos despertaram a polémica na caixa de comentários do Público:

As razões e as motivações dos actores políticos foram analisados de um modo detalhado, o que permitiu superar os maniqueísmos simplificadores que até aí prevaleciam. Quanto à linguagem política, foi estudada à luz do seu contexto de origem, os séculos XVI e XVII, e os textos produzidos pela propaganda da época passaram a ser vistos como isso mesmo, como propaganda carregada de ideologia e de xenofobia, e não como o reflexo fiel daquilo que todos os portugueses “realmente” sentiam. Percebeu-se também que, naquela época, as opções políticas eram ditadas por um leque bastante variado de factores e de sentimentos identitários, entre os quais a ligação à “pátria” ou à “nação” estava longe de ser o ingrediente mais forte. Quanto à realidade nacional, deixou de ser vista como algo de essencialista e a-histórico, constatando-se que toda e qualquer nação, para além de não ser um todo homogéneo, era uma criação recente.

No que especificamente respeita ao Portugal dos Áustrias, percebeu-se que, ao invés de uma exploração espanhola, aquilo que aconteceu a partir de 1581 foi o envolvimento directo de Portugal na história da Monarquia Hispânica, um envolvimento não isento de tensões e de conflitos, mas, apesar disso, com grande participação de largos sectores da população. Quanto a 1640, ou seja, o ano em que se deu a revolta que pôs fim ao Portugal dos Filipes, verificou-se que essa ruptura política foi acima de tudo o resultado algo imprevisível de uma série de tensões e de lutas entre facções, e não propriamente um inevitável movimento “nacional” alimentado por sentimentos patrióticos. Tornou-se evidente que a conotação patriótica de 1640 foi adicionada depois de a revolta ter acontecido, um trabalho levado a cabo pela propaganda do período pós-1640, tendo em vista legitimar a rebelião, justificar a ruptura política e mobilizar a população para a guerra contra a Monarquia Espanhola. E percebeu-se, finalmente, que foi essa mesma propaganda que criou e difundiu a ideia de que Portugal tinha sido explorado pela Monarquia Espanhola durante 60 anos.

Na realidade, nada disto é novo. Há imensos historiadores que se debruçam sobre estes temas e que de uma forma ou outra, repetem aquilo que Pedro Cardim diz no seu artigo. Gente como Eric Hobsbawm, Patrick Geary, Vitorino Magalhães Godinho, António Hespanha (para o caso português).

Claro que isto não interessa nada para gente que acha que Portugal sempre foi uma nação predestinada a sê-lo. Não interessa nada que para a maior parte das pessoas que viviam em Portugal no século XVI e XVII a coroa era uma instituição distante, o Rei era uma figura quase teórica em quem a maior da população nunca pôs os olhos em cima, porque na realidade, no século XVI e XVII a maior parte das pessoas preocupava-se com a sua aldeia, com o seu quintal, com o senhor da terra e pouco mais. Porque não havia imprensa, porque as notícias chegavam com meses de atraso, porque a identificação que havia com o “país”, ou melhor, com o reino, era mínima porque quando se viajava era de norte para sul para se trabalhar nos campos, porque para a maior parte das pessoas, tanto interessava se era um Bragança ou um Áustria. O E.P. Thompson também fala um bocado disto, das pessoas comuns, o “povo”, tão idealizado mas cuja realidade concreta é desconhecida. É ignorar que no século XVI e XVII a geo-política não tinha como protagonista o país ou sequer o reino, mas sim as Dinastias.

Isto não quer dizer que não haja espaço para interpretação, porque há sempre, ou que não tenha havido resistência aos Áustria, tal como houve apoio, isto não quer dizer que o século XVII não seja um século de tensão, precisamente porque a Coroa começou a interferir mais fortemente na vida das comunidades locais, aumentando a pressão dos impostos que de repente, passavam a ir para o Maranhão (e a malta de Bragança sabia lá onde era o Maranhão, porque é que os impostos que as pessoas pagam em Vila-Real não ficam em Vila-Real ora bolas). Mas tornar isto num movimento generalizado, como se a maioria da população estivesse altamente interessada e envolvida em questões sucessórias ou em sentimentos “patrióticos” ou “nacionalistas” é ingénuo, para não dizer ignorante, e é uma instrumentalização da História. E estas são ideias que infelizmente, não são só divulgadas por gente em caixas de comentários, que valem o que valem. Estas são ideias que são divulgadas na nossa comunicação social, e na opinião pública com pouca hipótese de contraditório.

Querem falar sobre nacionalismos e sobre a forma como hoje em dia encaramos noções como pátria, nação, sentimentos identitários, linguagem etc? Há uma coisa chamada a Revolução Francesa. Há muitos bons livros sobre essa tema. É ler.

Comments

  1. Um bom artigo do Pedro Cardim, e uma boa divulgação tua.
    Não li os comentários, tenho pouca pachorra para a ignorância, sobretudo porque tenho consciência de que em grande parte, neste caso, ainda é fomentada por colegas meus nas suas aulas.
    Gente que devia ter chumbado, mas acabou o curso.

  2. xico says:

    Excelente artigo. Claro, esclarecedor… e corajoso. Fico sempre um pouco constrangido porque me confesso um profundo admirador de Felipe II (I). No entanto quem mais nos roubou não foi Castela mas aqueles burgueses holandeses, tão celebrados pelos poetas do romantismo, que assim que se viram livres do jugo castelhano “inventaram” o colonialismo.

  3. A mim, que não sou historiador, causam-me espanto os argumentos esgrimidos contra Pedro Cardim. Como é possível falar-se em nação desde Afonso Henriques, um “estrangeiro” que “inventa” um reino cujo território adquire por conquista e não pela sublevação dos seus povos, que força a separação com a matriz genética e linguística que lhe está na origem, acolhe de braços abertos a nação moura e povoa o território com Francos do Norte? É o mesmo tipo de gente que ainda não percebeu que o lusitano Viriato está a mais distância do Burgúndio Afonso que este de nós, gente caldeada entre a África e o Mediterrâneo.
    Seria interessante procurar a causa da estabilidade de Portugal ao longo dos séculos precisamente nessa miscigenação e aparente falta de matriz nacional.

    • Daniela Major says:

      É evidente que há muito romantismo nesta questão e afinal de contas, são anos e anos de “indoutrinação”. As pessoas adoravam o José Hermano Saraiva, mas é verdade que ele contribuía para perpetuar este tipo de ideias. Infelizmente, os romances históricos e a História vinculada por alguns media em Portugal também não ajuda a contrariar estas noções. De resto, haverá muito boa gente que sem dúvida sente-se mais feliz por acreditar que Portugal “é diferente”. O excepcionalismo português deriva, no fundo, um pouco disto, desta ideia de que os portugueses foram patriotas primeiro do que os outros. Só que como todas as outras noções de excepcionalismo (o caso mais conhecido, o britânico) são baseadas em visões da História muito ultrapassadas e/ou simplificadas. Acresce a isto o facto de ser um tema muito polémico, as pessoas não conseguem libertar-se (se é difícil para os historiadores que estão habituados a fazê-lo, quanto mais para os que vêm a história de uma forma mais “emocional” – e este é um discurso que não me agrada fazer.) das noções modernas de pátria e de nação. O mundo do século XVI e XVII é um mundo que nada tem a ver com o nosso. A verdade é esta. Não há comparação possível na vivência, nas mentalidades, na maneira como as pessoas se relacionavam, na forma como se encarava a comunidade. O que vejo nos comentários do Público, na sua maioria, é isto.

  4. Pedro Costa says:

    Trata-se de revisionismo histórico. Alguns historiadores branqueiam o nazismo, outros o comunismo, este tenta branquear os 60 anos de perda de independência.

    Sugiro-vos duas leituras;
    A de dois comentários colocados sob o artigo no Público, que aqui reproduzo:

    De Carlos da Cruz Luna:
    “Sempre digo que essa história de ser só no interesse das elites que Portugal se separou de Espanha não me parece convincente. E as revoltas populares de 1637 foram o quê? E os milhares de portugueses do povo que deram a sua vida nos campos de batalha entre 1640 e 1668 eram o quê? Loucos? Imbecis? Suicidas/masoquistas? Aconselho também a leitura do livro “A Língua e a Cultura portuguesa no Tempo os Filipes”, da ESPANHOLA Pilar Vásquez Cuesta, onde se descreve como a Cultura Portuguesa estava a ser destruída em 1640… Não penso que o POVO espanhol seja um perigo para Portugal, mas certos procedimentos administrativos e certas políticas do Poder Central não têm respeitado Portugal e a sua cultura….”

    De Pedro Santos:
    “Desde já proponho o autor deste artigo de opinião para o prémio “Miguel de Vasconcelos”, que a embaixada de Espanha não deixará de instituir para homenagear os portugueses que deem provas de tanta compreensão e simpatia pelas seculares ambições de Espanha pela unificação da Península, doa a quem doer… Aproveito para colocar ao Sr. Pedro Cardim, duas ou três perguntas simples: se os portugueses eram assim tão indiferentes à Restauração, como é que se explica o gigantesco e vitorioso esforço de defesa de Portugal, de 1640 a 1668, na fronteira histórica no continente europeu, no Brasil, em Angola, em terra e no mar? E se os castelhanos são assim tão despidos de nacionalismos, porque é que insistiram tanto, durante 28 anos, para recuperar o trono de Portugal?”

    E ainda a leitura de um post acerca de um livro sobre a independência de Portugal da autoria de um historiador espanhol, (uma visão histórica bastante distanciada da propaganda iberista do autor deste artigo no Publico)

    http://rio-odiana.blogspot.pt/2012/12/o-1-de-dezembro-visto-pelos-outros_2.html

    • Daniela Major says:

      Há um determinado ramo da Teoria da História que diz, do meu ponto de vista com razão, que toda a História é revisionista. O objectivo de um historiador é dizer algo de novo, emprestar uma nova perspectiva a determinado assunto ou tema, logo tem de fazer revisionismo. Por isso é que no começo de cada trabalho se faz o estado da arte.

      Em relação aos comentários que cita, um ou dois pontos: “E as revoltas populares de 1637 foram o quê? E os milhares de portugueses do povo que deram a sua vida nos campos de batalha entre 1640 e 1668 eram o quê?”

      Como explica bem o Valladares (o tal historiador espanhol), as revoltas populares deram-se não só em Portugal mas sim em toda a Europa. As revoltas foram uma das muitas consequências da maior ingerência da coroa na vida das comunidades, como referi no post. Em 1640, por exemplo, dá-se a revolta na Catalunha. Charles I de Inglaterra convoca (e depois destitui) o Short Parliament. um exército de covenanters Escoseses derrota um exército inglês. Em Novembro, aparece o Long Parliament. Estava a acontecer por toda a Monarquia Hispânica tal como estava a acontecer em França (em França desde Henri IV cujo trabalho é continuado por Richelieu) por toda a Europa. Basta pensar que em 1637 estamos no período compreendido da guerra dos 30 anos. Basta pensar que em 1628 tinha-se dado La Rochelle.

      Em relação à questão da guerra e dos soldados. Isto lembra-me aquela historiografia que fala saudosamente dos marinheiros que iam corajosamente desbravar o mar nos descobrimentos…ignorando, certamente, a natureza e proveniência destes marinheiros e a forma como eram forçados a embarcar. Contudo, basta dizer que a Guerra da Restauração foi ganha em parte devido ao apoio estrangeiro, que o Conde de Schombert era um Prussiano pago que veio ensinar ao exército português as novas manobras militares que se praticavam no resto do continente. Vão-me dizer que as tropas estrangeiras em Portugal também combatiam pelo bem da pátria? Mesmo a ideia de que os portugueses que lutavam, lutavam por um ideal patriótico é ignorar não só as formas de recrutamento no século XVII mas também a forma como a guerra era encarada pelos soldados. Os tercios que iam para a Holanda, acham que iam todos defender a Monarquia Hispânica contra os hereges? Os ingleses que lutavam contra os franceses na Guerra Peninsular (e mesmo esta, pós revolução francesa, já com sistemas de recrutamento muito mais sofisticados), iam todos lutar pela defesa da pátria? Só para ter uma ideia, no final do século XVIII em Inglaterra pelo menos um terço do exército eram homens a quem tinha sido dado uma escolha entre a prisão/forca e o exército. Wellington chamava-lhes the scum of the earth por alguma razão. Outros iam porque eram seduzidos por uma retórica que lhes tinha vendido que no exército fazia-se fortuna. Que na India todos os homens enriqueciam. Ou que talvez, se os espanhóis se fossem embora a vida iria melhorar. Já para não falar que não havia exércitos nacionais. Os exércitos no século XVI e XVII eram exércitos multinacionais. O recrutamento não era propriamente voluntário. Isto não quer dizer que em todos os exércitos não houvesse homens que fossem para a guerra por convicção. É evidente que terá havido largas centenas de homens que foram lutar contra os espanhóis para estabelecerem a oposição a “um outro” – pode-se argumentar isto quando vimos, por exemplo, o discurso de Elizabeth em Tilbury. Pode argumentar-se que a defesa do reino é um sentimento proto-nacionalista. Mas não se pode afirmar que isto era algo generalizado, cuja teorização ia para além dos circulos ilustrados das cortes e da população com instrução e dinheiro. E quanto mais recuamos (Especialmente do século XVIII para trás) menos isso acontece. Por exemplo, mesmo no século XVIII, nos exércitos de Frederico, o Grande (que era quase ateu), quando as coisas apertaram durante a guerra dos 7 Anos, verificou-se que das grandes motivações para lutar contra os austriacos não eram questões patrióticas ou nacionalistas: o que motivou os exércitos prussianos (ou parte deles) era o facto deles serem protestantes e dos austríacos serem católicos.

    • Quando vou ao médico gosto que me expliquem o que se passa com o meu corpo. Se perceber, encantado, se for complexo em demasia para a minha ignorância, siga, ele é que sabe.
      A História é o mesmo, são ciências. Se um ignorante não sabe, faz bem em perguntar. Se insistir porque não percebe é um idiota.
      A Daniela já lhe fez um desenho. Posso acrescentar que tenho ali umas 400 páginas do António Oliveira sobre os levantamentos da década de 30, e subscrevo por inteiro a tese de um outro historiador: o golpe palaciano de 1640 não passa de uma fuga da nobreza em pânico, que não se sente defendida pela coroa perante a ameaça popular que contra ela, e não contra o a monarquia dual, se levantava. Tese que tem um argumento muito forte: dois anos antes o duquezinho de Bragança recusou o apoio francês para assumir o poder. Quando sentiu o rabo a arder, mudou de ideias. Um cobardolas perante o seu povo, coisa que por genética ou feitio se iria revelar em vários descendentes, gente sem escrúpulos, como o seu filho Pedro melhor que ninguém atesta.
      E nada que admire, a maioria da grande nobreza apoio Filipe I, e muito mais do que isso, os últimos reis da 3ª dinastia bem tentaram a União Ibérica através de matrimónios, coisa que de resto dava toda a legitimidade ao Filipe para ser o natural herdeiro da coroa que Sebastião deixou em terras de Marrocos.

      Não há um único historiador devidamente habilitado que não aceite o essencial do que a Daniela e o Pedro Cardim escreveram. Mas idiotas, temos em abundância. Quando estiveram doentes sugiro que não entupam os hospitais: um ervanário serve-lhes perfeitamente.

  5. Joana says:

    Mas a História de uma nação não é também as histórias que se contam a seu respeito? Acho pertinente que se estude e se questione as origens de um Estado-Nação, mas não se que tente instrumentalizar certas leituras para questionar ainda que subrepticiamente a “autenticidade” (?) da independência portuguesa, porque foi assim mas quase por acaso, por um triz que não era de outra forma…? Mas não será toda a História fruto deste tipo de acasos? Pareço encontrar neste discurso uma espécie de “essencialismo”, como se houvesse nações mais “legítimas” que outras porque mais “autênticas”. Mas o que quer isso dizer? Porque é que o que podia ter sido há-de questionar o que é, também fruto sem dúvida das narrativas que se construíram, como sempre se faz, a posteriori com a História das nações?

    • Daniela Major says:

      Eu sou a primeira pessoa a concordar que a ideia que se tem de algo, seja um país, uma instituição, um continente, (vide, a Ideia de Europa) é tão importante como a “realidade concreta” (embora também se possa afirmar que a realidade histórica não é mais do que uma construção porque a realidade concreta nunca a conhecemos, porque não a vivemos, conhecemos diferentes percepções dessa mesma realidade). Contudo, creio que é possível fazer este tipo de leitura sem cair no anacronismo. É como dizer que a Magna Carta foi o primeiro documento democrático que fazia antever toda uma tradição de defesa dos direitos das gentes contra a Coroa em Inglaterra – leitura esta que começou a ser divulgada no século XVII porque convinha aos parlamantares justificar as suas ideias para se rebelar contra a Coroa, ignorando que a Magna Carta foi sobretudo uma afirmação do feudalismo. Mesmo falar em “democracia” como a passamos a entender no século XIX ou algum tipo de soberania nacional no século XVII é anacrónico. Estudar a origem de um Estado exige a compreensão de que a forma como o território em que este Estado se insere não foi sempre o mesmo. A forma como se via Portugal no século XVI não é a mesma como se via Portugal no século XVIII ou no século XX. Não é um processo linear nem é um processo evolutivo. A História não é uma linha de evolução – isso são ilusões dos filósofos do século XIX. A História é composta de processos, de “avanços” e “recuos”. A própria definição de Estado mudou.

      Concordo que no discurso das pessoas que defendem a existência sentimentos patrióticos no século XVI/XVII há um essencialismo, a ideia de que Portugal estava “destinado” a ser independente. O que, sejamos francos, não é verdade. O mesmo podia ter acontecido com a Catalunha precisamente no mesmo período. Se Portugal tivesse ficado ligado à MH e depois se tivesse oposto Felipe V na Guerra da Sucessão Espanhola, é muito provável que tivesse seguido o mesmo destino da Catalunha e levado com a Nueva Planta. Enfim, a História não é feita de “ses” e por muito divertido que por vezes seja especular, pode ser contra produtivo quando saímos do âmbito da brincadeira.

      Penso que é importante ter a noção de que todos estes sentimentos nacionalistas, patrióticos, e sobretudo a forma como os encaramos, como os sentimos, são extremamente recentes. O nacionalismo é uma coisa do século XIX potenciado por uma série de acontecimentos que anunciaram o seu advento.

      Peço desculpa por escrever tanto sobre isto mas muitos das questões envolvidos neste tema fazem parte do meu leque de interesses.

  6. Roundaboout says:

    Havia imprensa noticiosa em Portugal em meados do século XVII.

  7. Roundaboout says:

    Notícias são sempre notícias. Venham lá de onde vierem. Lá está, a sua afirmação comete um erro historiográfico básico, em História tudo se aproveita e nada se deita fora. Uma vez ouvi um professor meu dizer que um historiador é um vagabundo: anda sempre a mexer em “lixo”.

    Para além disso, não concordo nada que toda a história é revisionista. A História constrói conhecimento em cima de conhecimento.

    Uma coisa é a reinterpretação das fontes antes e agora conhecidas; tal é legítimo e produz mais entendimento sobre um dado período. Por vezes permite uma nova leitura de todo um período (sendo o caso mais óbvio a Idade Média) por vezes é apenas mais um passo somado.

    Outra coisa é a simples e pura negação de tudo o que para trás foi dito ou aconteceu, por causas ideológicas ou outras. Isso não é História.

    Em relação a esta conversa de “nacionalismos” convém não exagerar e pôr em causa tudo.

    É claro que o nacionalismo é uma ideia moderna mas antes do nacionalismo há evidentes traços de “pertença”.

    Não sei se Portugal estava “destinado” a ser independente, porém a região portucalense teve diversas vezes uma ideia de “comunidade”, nem que seja através da manifestação de interesses comuns.

    Por exemplo, não há de facto “nação” em D. Afonso Henriques, mas quem puxa por este é precisamente um conjunto de interesses regionais – ou seja, há um “nós contra eles” presente em toda a acção henriquina. “Nós” aqui significa em uma ideia de vontade comum, Braga contra Compostela, em primeiro lugar, e em segundo uma ideia de criação de uma principal continuidade dinástica – D. Afonso era primus inter pares – que podia garantir em si a continuidade (a “protecção”) desses interesses comuns.

    O mesmo se passa nos descobrimentos – há um “nós” interessado nas partidas. Há também um “nós” claramente interessado na referida continuidade dinástica.

    Em 1640, sejam muitos ou poucos nobres, também há um “nós” envolvido. Nem que seja por interesses comuns duma determinada classe.

    Outra coisa que ainda não foi referida foi a língua, que é um factor identitário muito mais importante do que se imagina. Está por estudar a força da nossa língua não só como factor de diferença (e D. Dinis percebeu-o bem) como facto de unidade: veja-se como o Brasil aguentou o território também por causa da força linguística.

    Não precisam de estar com tanta emoção a falar disto, porque é um tanto ridículo. Políticas de casamentos ibéricos são extremamente comuns e o “nós” Português bem tentou, diversas vezes aliás, ganhar o predomínio ibérico, e esteve bem perto de o conseguir. Por acaso do destino, o dito cujo morreu, e agora estaríamos nós a falar de uma Espanha (na altura já unificada) sob o predomínio português. No século XVI, o Português e o Castelhano eram falados em ambas as cortes, línguas de crescente prestígio internacional. Gil Vicente era bilingue, por exemplo. O domínio dos descobrimentos passa também pela pelo prestígio linguístico.

    Mas voltando atrás, tudo tem uma génese. E se há momentos de continuidades e de rupturas, é evidente que não se pode destruir a ideia de uma identidade populacional: os chineses estão no mesmo sítio há milhares de anos, tal como os egípcios. Por algum motivo será.

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