‘Tá Mar!

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As ondas estão altas e a marés duras, mais alta e dura está a estupidez de quem se apresta a insistir nas mesmas soluções falhadas que transformaram a costa portuguesa num gigantesco catálogo de insanidade urbanística, ecológica e estética. Parece que os arrogantes domesticadores da natureza do século passado não aprenderam nada. Não compreendem que os ciclos da natureza respiram fundo e o facto de um pedaço de areal ter uma, duas ou três décadas alguma estabilidade não é garantia que ali se tenha uma praia para a eternidade. Hoje concessionam-se praias e infraestruturas como se não houvesse amanhã.

Dá-se como certo o que, pela sua natureza, é variável. Lembro-me de, em miúdo, ouvir os protestos desconfiados dos velhos (do Restelo, chamavam-lhes) chamando a atenção:”isto não é praia, o mar aqui é um cão, tenham juízo”. Qual quê? Inventaram-se praias por toda a costa e construíram-se edifícios onde antes só havia palheiros onde os pescadores guardavam as artes.

Já nem falo da perigosidade de algumas águas onde jamais se deviam ter concessionado praias e que estão, não por acaso, entre as que mais vitimas causam.

“A praia aqui é segura – dizia-me, há muitos, um velho da Nazaré -, mas eles querem fazer praia ali ao fundo da Serra da Pescaria – dizia-me, apontando para os Salgados – aquele mar vai levar muitas vidas, filho; aquilo é sítio de passear, não de fazer praia”; não se enganou, como sabemos.

Não tinha de ser assim. O mar e a costa podem ser fruídos de muitos modos. Não podemos dar como certo qualquer areal; não podemos construir – muito menos torres como as de Ofir, verdadeiro monumento à imbecilidade dos patos-bravos – de qualquer modo; não podemos continuar a deitar por dia milhares de toneladas de areia em praias, com enchimentos que desaparecem no dia seguinte – sabendo-se, ainda por cima, que isso ia acontecer, como garantiam os especialistas que ninguém quer ouvir; não podemos continuar a inventar “avenidas marginais” em áreas que pertencem ao mar.

Assisti, desde a minha infância, ao aparecimento de muitas praias novas, sobretudo na costa Oeste. Muitas delas mereceram alertas quer de cientistas, quer de velhos detentores das memórias locais. Mas as velas do imobiliário estavam ao vento. Pensava-se que era progresso, conceito tremendamente escorregadio, nesta como noutras questões. Agora que assistimos aquilo que, ao contrário do que dizem as memórias curtas, poderia acontecer, lá vem a malta do costume a, em vez de procurar repensar o futuro, propor que se atire, literalmente e litoralmente, dinheiro ao mar. Há muito dinheiro a ganhar, claro. E muita gente – nós – a pagar.

Comments

  1. JgMenos says:

    Bem dito!

  2. ESPOSENDESócrates manda demolir torres de Ofir

    21.02.2002 07:36 | Por Francisco Fonseca, PÚBLICO

    O ministro do Ambiente, José Sócrates, vai mandar demolir as torres de Ofir. A decisão foi confirmada pelo governante ao PÚBLICO, horas depois de ter assinado o despacho que determina a sua execução no âmbito do Plano Estratégico de Recuperação do Litoral de Esposende, cujas conclusões serão hoje anunciadas, na sede da Área de Paisagem Protegida do Litoral de Esposende, pelo próprio José Sócrates.

    “A decisão é sustentada em dois relatórios que mandamos elaborar e que fazem a análise de risco da costa e do custo-benefício das demolições. Ambos indicam que a melhor solução para o litoral é a demolição das torres e de um conjunto de construções. Daí que não tenhamos dúvidas sobre a opção de defesa do litoral”, disse José Sócrates ao PÚBLICO, uma opção que entende ser “a que apresenta melhores custos, inferiores à construção de esporões que eram necessário fazer para proteger a zona”. O custo global da operação ascende a 31500 milhões de euros. A demolição e indemnização dos proprietários custa 25 milhões de euros e a restante verba destina-se à renaturalização da zona e ao reforço da protecção contra o avanço do mar.

    No despacho assinado ontem, Sócrates garante que “a retirada das edificações (…), considerando a posterior renaturalização da área , mantendo as actuais estruturas de protecção costeira, constitui o cenário mais sustentável à preservação daquela área e à segurança das populações”. E fundamenta a decisão considerando que “a ocupação dos cordões e sistemas dunares com construções, conjugadas com uma diminuição significativa da alimentação de areais e o avanço do mar, põem em risco de forma manifesta as edificações ali existentes, bem como as respectivas populações”. E, mais adiante, sustenta que “a construção de barreiras de protecção (esporões) não são por si só suficientes para garantir no futuro a retenção do avanço do mar”, uma situação que, em sua opinião, “não deixa outra solução senão proceder às demolições”. 

    A medida é vista pelo ministro como um acto de gestão natural e “imprescindível”. O facto de o governo estar em gestão, não retira legitimidade à decisão porque, recorda, “é a concretização do Plano de Ordenamento a Orla Costeira, em execução há muito tempo, uma solução sustentada em relatórios científicos que cabe nas competências de um governo de gestão”, até porque, conclui, “se integra na orientação política há muito projectada pelo governo”. Mas se isso não fosse suficiente o ministro garante que “é uma intervenção urgente, que não pode esperar eternamente”. Recorde-se que para além das três torres – com 114 apartamentos e 15 espaços comerciais – o plano prevê ainda a demolição de mais um conjunto de 15 moradias implantadas no cordão dunar, bem como a frente do hotel Ofir, um edifício parcialmente localizado na praia.

  3. portela says:

    E os patos bravos já atacam na Serra dos Mangues. Eu sei porquê, igual, só a Arrábida.

  4. Daniel Nicola says:

    Grande prosa. É por isto k o aventar é o melhor blog de hoje em dia. Por acrescentar, e tão pobre k andam os detentores do ofício, k se dizem mprensa.

  5. Grave é o logro que muitos autarcas arrastam os eleitores mais distraidos com as declarações de urgencia de “proteger” as populações,por parte do governo. certo? não é uma desonestidade completa pois se formos ver quem assinou as autorizações de construção onde nunca se devia construir mais que sapais , encontramos as dos pulhas dos aurtarcas que fazem dos eleitores palhaços agora.
    Todos os anos ou quase o mar destroi imenso equipamento e pavimento caro que os autarcas(será que são mesmo?) decidem esbanjar, aqui na minha terra;os cidadãos ficam muito contentes por já estar arranjado outra vez, será que julgam que é a merkl que vai pagar?

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