O princípio do fim da Internet como a conhecemos

O Parlamento Europeu (PE) aprovou hoje uma lei que podia ter sido escrita pelo Squealer, por significar o oposto do que realmente representa.

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Em causa, como notícia o PÚBLICO, está uma lei que, no entender do PE,  salvaguarda a neutralidade da Internet. A notícia explica muito bem este conceito mas, resumidamente, é o que garante que um pequeno site, como este blog, por exemplo, consiga ter acesso à infraestrutura da Internet com a mesma qualidade que um gigante como a CNN consiga. Sem esta neutralidade, passam a existir sites de primeira e sites de segunda.

No artigo do PÚBLICO lê-se

A proposta de legislação especifica que os fornecedores de Internet poderão oferecer “serviços especializados”, desde que isso não seja feito em detrimento da “disponibilização ou qualidade dos serviços de acesso à Internet” e assegura que os utilizadores poderão usar, e disponibilizar, quaisquer serviços e aplicações que queiram.

Sim, no mundo perfeito tudo vai correr bem. No entanto, por azar dos azares, os serviços especializados hão-de continuar a evoluir, enquanto que a Internet dos outros vai ficando na mesma. Ficamos a um passo de termos a situação da Netflix na América. As grandes empresas terão dinheiro para os “serviços especializados”, funcionando a boa velocidade para quem pague, os restantes, bem, podem sempre começar a pagar.

“É isto que significa União Europeia – livrarmo-nos de barreiras, para tornar a vida mais fácil e menos cara”, afirmou, em comunicado, a comissária europeia Neelie Kroes, responsável pela Agenda Digital e que tem sido uma acérrima promotora das medidas agora aprovadas.

Exacto, é isto que significa a União Europeia. Muito afastamento da realidade.

Comments

  1. Xehoz says:

    O caso do Netflix é muito específico e a directiva europeia protege melhor a neutralidade do que os EUA a protegem. A Neutralidade e o QoS são questões distintas.

    A neutralidade é o que permite sites como este permanecerem acessíveis, no fundo. A velocidade de acesso está intimamente ligada ao volume de dados. Sites como este são irrelevantes nessa perspectiva, mas podem ser seriamente afectados por sites como Youtube ou Netflix que, num minuto, geram a transmissão de mais dados do que sites como este num mês ou num ano – se é que não mais. O problema surge a montante, nos operadores e nos bottlenecks e o QoS, nesta óptica, permite salvaguardar o acesso à generalidade dos sites. Os serviços específicos poderão visar compensações (quando uma ou outra empresa se tornam responsáveis por altíssimos volumes de dados) que contribuirão para a melhoria de infra-estrutura, por exemplo. Outra das particularidades do Netflix nada tem a ver com o que aqui vem à baila mas sim com a preservação da concorrência. Os operadores que disponibilizam internet disponibilizam também, quase sempre, televisão ou VoD. As restrições ao Netflix estão, obviamente, extremamente ligadas a esse facto. Lutam pela sobrevivência ou, pelo menos, por algum tempo para se adaptarem às novidades.

    Já a não neutralidade significaria uma coisa profundamente diferente. Embora seja uma abordagem redutora da questão, este exemplo é demonstrativo da profundidade dessa diferença: a empresa A poderia contratar, logo à partida, com a operadora B, que, em caso de congestionamento, 90% do tráfego que esta é capaz de transmitir seria atribuído à empresa A em detrimento de todas as outras. Aí não há QoS em 95% do tráfego, mas somente nesses 10% finais. Sites como este não seriam acessíveis em momentos assim.

  2. Xehoz says:

    Um dos exemplos de maior neutralidade face aos EUA, sublinhado pela própria UE: “This proposal will end discriminatory blocking and throttling and deliver effective net neutrality It goes wider than the measures in the US (which does not prevent blocking or throttling of services such as VOIP on mobile”.

    Em relação aos serviços especializados: “Specialised services must not lead to quality degradation of the “normal”/best efforts Internet. They are coherent with the way the internet was engineered”.

    O que pode ser um serviço especializado? Imagine um serviço como o da Meo ou Zon, que distribuem televisão e VoD através de IPTV. Quando você lhes contrata 100mbs, sempre que você liga um canal SD eles reservam automaticamente uma certa quantidade; se muda para um HD, reservam mais; se você só tem 8 mbs, provavelmente nem lhe vão permitir ver um canal ver um canal HD, uma vez que isso degrada absolutamente o serviço “normal” de internet.

    Sublinho, o QoS não tem nada a ver com net neutrality; pelo contrário, é o que garante que a generalidade dos sites possam manter-se acessíveis num ambiente de neutralidade. Os serviços especializados podem conduzir a que certos serviços fiquem mais caros (por exemplo o Netflix), mas isso não significa diminuição da neutralidade. A própria legislação, seguindo os parâmetros da agenda, protege essa neutralidade.
    http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/connected-continent-legislative-package

  3. j. manuel cordeiro says:

    Espero que tenha razão e que eu esteja errado, Xehoz. Fruto de alguma descrença na humanidade, vejo a excepção dos serviços “especializados” como o primeiro passo para outras diferenciações. A lei as impedirão? As leis mudam e quando o contexto mudou, por vezes mudam mais para caminhos que inicialmente não se esperava. E uma excepção é a melhor forma de fazer o contexto mudar.

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