A escola de Durão Barroso

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O companheiro Barroso veio fazer campanha ao seu Liceu, dirigindo-se ao pessoal do “no meu tempo é que avia inducação, a minha carta classe vale mais ca escola toda hoje“, compreende-se, estando na reforma tendem a não votar A(N)P, veio o Barroso my friend assegurar que ali aprendeu com rigor e excelência.

Foi um bocado indigno, não se humilha assim a própria escola.  Aquela que João Pinto e Castro também conheceu, e lembrava assim:

Em meados dos anos 60 (creio que precisamente em 1965), três quartos dos alunos da minha turma do Liceu Camões, secção do Areeiro, faltaram à exibição de ginástica programada para o dia 10 de Junho, Dia da Raça, no Estádio Nacional. 

No último dia de aulas, fomos todos chamados à presença do Reitor e sumariamente expulsos do liceu. Nas condições política da época, isto poderia até certo ponto ser considerado normal, dado que, no quadro da Mocidade Portuguesa, a nossa ausência equivalia a uma espécie de deserção. Mas agora vem a parte mais curiosa: apesar de, por razões de saúde, eu ter sido nesse ano dispensado da ginástica, fui expulso como os outros sem apelo nem agravo. 

Um Liceu à maneira do que tínhamos em Coimbra, para as nossas elites e onde, no meu caso, e pelas palavras do Carlos Fiolhais:

notava-se a disciplina do regime marcelista e a existência de censura. Havia faltas a quem não comparecia à Mocidade Portuguesa  e o reitor castigava quem tinha faltado. Há um episódio significativo das contradições da chamada primavera marcelista. Veiga Simão, ministro da Educação, foi à minha escola e nós pudemos falar com ele, e não conseguíamos falar com o reitor. Cravámos dinheiro ao ministro para um jornal do liceu, Veiga Simão tinha sido lá estudante. Pedimos dinheiro para o jornal da escola e ele vai instintivamente com a mão à carteira, e o reitor, muito atrapalhado: “Não se preocupe que eu trato de ajudar os rapazes.” Não podíamos escrever livremente, o reitor censurava os artigos, mas havia mais censura…

No mesmo Liceu D. João III onde no ano seguinte tive oportunidade de figurar no grupo agraciado com quatro dias de suspensão por editarmos um texto conta os testes não marcados, lá está a exigência, e o rigor por onde nem foi o José Simões:

 já nem vou pelos liceus para os filhos dos doutores e pelas escolas industriais e comerciais para os filhos da ralé, abertas contra vontade de Salazar, condicionado pela sua política do condicionamento industrial e porque eram precisos técnicos com mais do que a 4.ª classe e a saber mais do que contar até 100 e assinar o nome num papel selado e fazer trocos de tostões nas mercearias e tabernas, para trabalhar com as máquinas nas fábricas dos Alfredos da Silva e dos Mellos, com dois eles; já nem vou pelos cursos de lavores e de cozinha para mulheres, nas escolas industriais e comerciais para os homens que haviam de ir para as fábricas, higienicamente separadas dos machos por um muro ou por uma rede

falamos da memorização idiota de apeadeiros em África, rios distantes, montanhas à distância de Timor Leste. Do estudo do constituição da ditadura como cartilha numa disciplina, do atraso científico em várias, num país que tratava a História como propaganda, duvidava das novidades e reprimia as ciências sociais que a direita continua a odiar.

E falamos por poucos:

Em 1970 a escolaridade obrigatória era de seis anos, os professores primários tinham uma preparação que lhes permitia ensinar a ler, escrever e contar e pouco mais (Candeias Martins, 2008[1]). Os professores vivam sob vigilância e controlo constante por parte das autoridades (Candeias Martins, 2008) porque, no ensino de “excelência” defendido por Durão Barroso, as escolas eram a “sagrada oficina das almas” onde a exaltação do orgulho nacionalista era a principal matéria, horizontal a todas as disciplinas.
No tempo em que havia o ensino de “excelência” defendido por Durão Barroso, ao contrário do que se passava no resto da Europa democrática, onde se defendia uma escola livre e para as massas, a maioria da população portuguesa aprendia a ler, não nas escolas públicas e de “excelência”, mas num contexto informal e familiar (Candeias e Simões, 1999[2]). Em 1940, apenas 33% das crianças entre os 7 e os 10 anos de idade frequentavam a escola pública de “excelência”. (…) Em 1970, 25.7% da população era analfabeta: 31% das mulheres e 19.7% dos homens (dados Pordata). 

como conta Joana Louçã. Tive a mesma escola que Durão Barroso, e sei que ele sabe como ela não era aquilo que ele diz agora que foi, apenas e só para apelar ao voto da velha direita, que cortada nas suas reformas, está com muito pouca vontade de ir votar nos do costume. O desespero é grande, compreende-se, mas não havia necessidade.

Comments

  1. vivi isto tudo

    confirmo absolutamente tudo.

  2. José Peralta says:

    Estes depoimentos, são verdades como punhos, (que deviam ser aplicados no bucho do durão ) !

    E vi, passei por isto, estava lá !

    A cabriolas que estes gebos fazem, para “ganharem” votos !

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