Ainda o erro do exame de Português de 12º

A propósito do erro no recente exame de 12º de Português, aqui ficam a sequência dos factos e algumas observações.

1 – no Grupo II, pedia-se aos alunos que classificassem o acto ilocutório presente em “Como um dia veremos.” A citação corresponde ao último período de um texto de Lídia Jorge sobre Eça de Queirós publicado na revista Camões. Na versão online, faltam os dois períodos finais: “O que não parece vir a propósito, embora venha. Como um dia veremos.”

2 – a primeira versão dos critérios de classificação do exame impunha que os professores classificadores aceitassem apenas a resposta “Acto ilocutório compromissivo”. Só nesse caso, os alunos poderiam ser contemplados com o meio valor previsto, o que, parecendo ínfimo, pode ser decisivo em diversas circunstâncias.

3 – vários professores, no entanto, afirmaram que se trataria de um acto ilocutório assertivo, o que deveria obrigar, no mínimo, a aceitar as duas respostas. Os interessados em distinguir os dois actos ilocutórios poderão, facilmente, obter a informação necessária. Se estiverem interessados na fonte oficial, poderão visitar a página do dicionário terminológico, escolher o separador “Procurar” e escrever “acto ilocutório”.

4 – o IAVE (Instituto de Avaliação Educacional), num primeiro momento, negou a existência de um erro, dando instruções para que os professores classificadores aceitassem apenas a resposta prevista nos critérios.

5 – as opiniões dividiram-se o suficiente para que o IAVE acabasse por reconhecer a existência de um problema, passando a permitir que ambas as respostas fossem consideradas correctas.

Passemos às observações:

1 – já não é a primeira vez que se verificam problemas no exame de Português e já não é a primeira vez que o organismo responsável pelos exames tem condutas inaceitáveis.

2 – este pequeno episódio confirma a inconsistência da terminologia gramatical imposta nos últimos anos. Professores, pais e alunos continuam a confrontar-se com um monstro gerador de confusão.

3 – este pequeno episódio é uma das muitas consequências da instabilidade em que vive a Educação em geral e o ensino do Português em particular. Instabilidade terminológica, instabilidade curricular e, até, instabilidade ortográfica. A soma de tantas instabilidade resulta numa enorme instabilidade, evidentemente. Professores, pais e alunos continuam sem reagir.

4 – num testemunho da sua relação com a obra de Eça, Lídia Jorge consegue ocupar mais de metade do texto a não escrever sobre Eça, chegando à conclusão de que a admiração que o escritor continua a suscitar “nasce porventura da preguiça e lentidão em entender, ainda nos nossos dias, a linguagem diferente daqueles que lhe sucederam.” Say no more!

Comments

  1. Pedro says:

    Resta saber se é este tipo de minudências que um exame deve avaliar ou a língua portuguesa em acção. Não me choca que se ensinem umas coisas de linguística aos alunos mas não esse o objectivo final, ou é?

  2. Pedro says:

    Falta ali um “é”. Quem me manda comentar às tantas e ainda por cima semi-embriagado. Com ou sem hífen?

  3. Será que a d. Lídia estava a referir-se aos insípidos livrinhos que escreveu?

  4. concordo com a existência de um erro nas correcções dos exames nacionais de Português. Poderá fazer toda a diferença num aluno que necessite dos 5 pontos para ser aprovado.

  5. A.M. says:

    Espantoso – ou irónico? mas há ironia e ironia, além da expressão me parecer macarrónica, além de incorrecta – terminar um rescrito sobre a prova de português com… uma expressão inglesa!

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