O complexo anti-PS e a divisão da esquerda

dialogoRui Curado Silva concorda que «enfrentamos uma crise», apesar de a dimensão dessa «crise» ressaltar bastante pequena no seu texto, focado nas coisas domésticas do Bloco de Esquerda (que interessam pouco a generalidade dos votantes à esquerda, quer-me parecer) e na afirmação derrotista de uma alegada impossibilidade que dá força ao que supostamente pretende combater.

Pessoalmente, interessa-me pouco se foi mais ou menos bonita a maneira como alguns militantes do BE abandonaram esse barquinho – um pouco-mais-que-dóri que já foi quase um lugre, diga-se de passagem, capaz de transportar mais gentes, deputados, vontades, anseios. Os partidos têm sido assim: cheios de abandonos e traições de gente que diz estimar-se entre si. Assim é também com as famílias – Shakespeare, para citar o nome de um grande especialista, debruçou-se longamente sobre estas coisas humanas.

O Bloco de Esquerda, que é um partido mais recente, podia ter sido diferente. Mas não foi, não é, pois transporta consigo todo um passado que prossegue envenenando os caminhos da esquerda – um envenenamento que de alguma forma participa na voragem (trágica para os ideais democráticos) que nega o futuro: também nesse plano o passado devora o futuro, como diz Thomas Piketty da acumulação exponencial da riqueza herdada.

A divisão da esquerda – e o fenómeno não é especificamente português, como se sabe – tem servido a união à direita e a aplicação das políticas que nas actuais «democracias» perpetuam e têm vindo a incrementar de forma crescentemente preocupante a desigualdade e o consequente empobrecimento da esmagadora maioria dos cidadãos. O sectarismo de que fala Rui Curado Silva no seu texto é realmente o problema: um muro muito alto e antigo que tem impedido um diálogo à esquerda. Sucede que um diálogo é uma conversa, que pressupõe compromissos entre divergentes.

A desmultiplicação dos pequenos partidos à esquerda corporiza essa dissensão visceral, responsável por décadas de desentendimento à esquerda, pela perpetuação da alternância tão pouco democrática (que penaliza especialmente a esquerda), pelo imparável crescimento da abstenção, e também pela sobrevivência até aos nossos dias de um complexo do diacho: o tenaz complexo anti-PS (anti-Soares, anti-Guterres, anti-Sócrates, e agora até anti-Costa), e que tem determinado de forma inequívoca a impossibilidade desse diálogo.

E no entanto, e apesar de tudo o que a esquerda não foi ainda capaz de fazer em Portugal, «somos livres de mudar o Mundo para começar nele algo novo» (Hannah Arendt). Uma conversa séria jamais verdadeiramente tentada, por exemplo.

Comments

  1. Gottlieb says:

    Excelente texto. Concordo 100% consigo, apesar de nunca me ter passado pela cabeça votar PS.
    É incrível alguma desta esquerda muito esquerda ou desta esquerda muito pura.
    Orgasmam-se multiplamente quando se aliam tácita e repetidamente com a direita para derrubar o PS.
    Será que não conseguem ultrapassar o trauma do sapo “Mário Soares versus camaradas Vasco e Otelo” ?

  2. Ferdinand says:

    Complexo anti-PS?

    E a vitimização continua…
    É a campanha negra contra o partido do Espírito San.. perdão partido do povo, pá!

    Estas são as políticas “patrióticas de esquerda” do PS:

    Exactamente estas sem tirar nem pôr, espero que tenham apanhado todas…
    Seria uma descrição mais detalhada das políticas “patrióticas de esquerda” possível? Seria, mas como sabem os socialistas são profissionais na retórica choramingona de quem não se quer comprometer (a não ser com o Espírito Santo) com o povo que diz servir, e sendo assim, não vale a pena perder muito tempo a dissecar inconsequências socialistas…

    O PS é um partido neoliberal (como se tornaram os partidos ditos socialistas e social-democratas um pouco por todo o lado), um partido que tem vindo a aplicar politicas da cartilha “Washington consensus” ou seja “austeridade”/ transferência de riqueza para o topo.
    Um partido que se comporta da forma como o PS tem vindo a comportar não faz parte daquilo que tradicionalmente se chama “esquerda”.
    Qualquer partido ou movimento dito de esquerda (ou que simplesmente se oponha às políticas neoliberais) que se alie ao Partido Neoliberal Socialista está condenado a ver as suas causas nulificadas e a desaparecer.

    Portugal (e o mundo) precisa de quem se oponha à ideologia globalmente dominante, o neoliberalismo.

    O PS é pela austeridade (mesmo que disfarçada);
    O PS é pelos contínuos resgates à banca falida;
    O PS é pela €uro-tecnocracia custe o que custar;
    O PS é pelo endividamento pelo endividamento, e financeirização da economia;
    O PS é pela Globalização dos banco e multinacionais;
    O PS é pelos tratados internacionais de comercio “ultra-livre”que servem os bancos e multinacionais globais e que destroem o poder das nações de se protegerem desta mesmas mega organizações.

    O que existe não é um complexo primário anti-PS, não é por ser moda que se critica o PS, o que existe é um sentimento democrático SAUDÁVEL de rejeição crescente a um partido que (ainda) vive do passado das vacas gordas e que já mal esconde a sua incapacidade de servir os interesses gerais da população portuguesa.

  3. João Soares says:

    De ” ciência certa ” e experiência de 40 anos, em verdade vos digo que é mais provavel o S.L.B. ganhar duas Champion League seguidas do que sair algo de util duma “aliança” entre o Partido Socialista e a sociedade ” D & D ,Lda. ” Drago e Daniel,Lda.

    • E duma aliança entre o PS e os jotinhas ultra-neo-liberais do PSD – tipo Bruno Maçães – é possível que saia alguma coisa de útil? Eu acho mais provável que saia algo de monstruoso. Com câmaras de gás e tudo.

  4. Ainda não entendi a ideia do governo de Sócrates ter caído devido à ação das forças partidárias à sua esquerda, como se os cidadãos não estivessem fartos. Tão fartos como o estão hoje.

    O que se vai querendo, devagar/devagarinho, é saber-se, concretamente, quais as propostas do PS, nomeadamente de António Costa para um novo governo. Aqui chegados, e depois de tanta chapada psicológica e de tanto roubo e propaganda e manipulação, fica-se mais exigente.

  5. Não há nenhum complexo anti-PS, há critérios materiais e objectivos. Há toda uma história parlamentar de votações favoráveis ao neoliberalismo. Há toda uma história governamental de políticas monetaristas. Há a persistente recusa de tomar posição em relação aos tratados ditos «de comércio livre» como o TTIP. Há a completa falta de oposição ao Tratado Orçamental Europeu, agravada pela promessa impossível de aliviar as políticas de austeridade sem beliscar as premissas falsas em que ela se baseia.

    Não é por preconceito irracional que tanta gente se distancia do PS. É pela experiência de tantas desilusões passadas, que desencorajam ilusões futuras; e é pela consideração realista e sóbria do presente.

  6. Slint says:

    O PS é uma agremiação de corruptos, sociopatas e gananciosos.
    Se eu fosse primeiro-ministro, uma das minhas primeiras medidas seria ilegalizar o PS e colocar na prisão todos os seus membros. Pois são pessoas que não sabem viver em sociedade e só se preocupam com uma coisa: dinheiro.
    Tenho muito mais respeito pelo PSD, porque esses não escondem a merda que são.
    Não gostam deste comentário? temos pena, eu também não gosto da quantidade de pessoas que o PS assassinou de forma indirecta com as suas politicas.

  7. Mas então vamos deixar o PS juntar-se ao PSD/CDS e prosseguir com as atuais políticas? Mais vale o Bloco de Esquerda e o PC negociarem algumas políticas essenciais, e sempre se evita concerteza males bem piores se o cenário oposto se tornar realidade. A esquerda deve aproveitar a oportunidade para ganhar a confiança de mais eleitores no futuro, porque entender a democracia é perceber se se tem uma larga base de apoio dos eleitores para determinada luta. Por exemplo a questão da restruturação da dívida, e auditoria à mesma, todos “sabemos” que tem de ser feita mas sabemos que os mercados são muito sensíveis a essa questão, e o PS não vai querer tocar esse assunto, é preciso saber conjugar os esforços, e preparar bem os cenários que podem resultar desse combate, e saber quando essa questão deve ser colocada em cima da mesa e sem medos. E se assistimos o que se passou na Grécia sabemos que a luta na Europa vai ser muito dura, mas há que fazê-la. Mas existem outros aspetos muito importantes que uma coligação PS/BE/CDU poderá convergir para melhorar a vida de muitos portugueses. Pois se a esquerda continuar na sua intransigência corre o risco até de perder o espaço de manobra que ganhou com o resultado das últimas eleições, é preciso aproveitá-lo, para mostar às pessoas que há outras formas de fazer política, e mesmo com as restrições impostas por um tratado orçamental aproveitar qualquer margem para melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos e tentar diminuir a desigualdade.

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  2. […] Uma conversa séria jamais verdadeiramente tentada, por exemplo.» Aí está ela, para gáudio de democratas, e apesar de todas as reservas mentais que têm poluído o ar nos últimos dias. […]

  3. […] dos pobres, sobre o desinvestimento público na Educação, sobre a desigualdade na Europa, sobre as divisões da esquerda, também. Escrevi uma peça de teatro chamada Partir. Escrevi muito sobre a Europa. Traduzi o livro […]

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