Quando o Luiz Pacheco esperava a morte num lar no Príncipe Real, em Lisboa, fiz-lhe uma entrevista que a revista do Público fez o favor de publicar, dando honras de capa ao mal-escrito (i.e., ao maldito, na sua própria e justíssima definição). Depois disso, passei a visitá-lo regularmente, a cada vez levando-lhe as suas bolachas predilectas: as araruta, que ele adorava, e podia comer à vontade, e que eu procurava identificar em diferentes lojas, versões e receitas, um jogo prazeiroso porque eram difíceis de encontrar. Bolachas antigas, para pessoas antigas, diziam-me os poucos que sabiam o que eram.
Uns meses depois de o Pacheco morrer, apareceu por esses dias na escada do prédio uma pequena arara que alguém acorrentou dentro de uma gaiola e que era estranhamente parecida com ele. A aparição seguia de perto uma outra de Fernando Pessoa, com que António Manuel Venda havia sido contemplado na parede da sua casa-de-banho – um lugar bom como qualquer outro para uma aparição. A mim coube-me o Pacheco, na forma dessa arara que passou uns dias no segundo andar, a fazer de porteiro do patamar, espreitando sem pudor os que subiam e desciam, sobretudo as mulheres.
A noite passada, num sonho maluco, voltei a ver o Luiz Pacheco, desta feita entretido a tratar das frutas e legumes da mercearia da Dona Joaquina. Fui lá comprar pão alentejano e eis que sou recebida pelo Pacheco, enfiado atrás do balcão da Joaquina como se fosse o seu lugar natural. Nem perguntei pela Joaquina, de tal forma me encheu de alegria o reencontro com o Pacheco. Perguntou-me se eu queria pão de Évora ou se preferia o da Vidigueira. Respondi o da Vidiguêra, perguntei como ia a morte, disse-me que era um descanso, quis saber da minha vida, disse-lhe que era uma canseira, despedi-me dele apertando-lhe as mãos esguias, aquilinas (de águia, lá está) como narizes e de unhas finas, e realmente muito parecidas com patas de ave.
alterar
“(…) meses depois de o Pacheco morrer (…)”
para
“(…) meses depois do Pacheco morrer (…)”
feito meu revisor anónimo 🙂
Certo! Assim, teremos “deu morrer” ou “do mim morrer, “detu morreres”, “dele morrer”…
pois é! cum caraças.
Alterar
“Pois é…”
para
“Poijé…” ou “poizé”
E já gora
“… cum caraças…”
para
hmmm … deixe estar
Delicioso.
Vi uma entrevista que deu a uma TV já num Lar e achei o Sr. Luiz Pacheco um Homem muito singular.
Li o que pode dele. Gosto muto da “Comunidade”.
Há quem diga que é uma das “peças” literárias mais belas da nossa Literatura.
Lamento não ser mais conhecido. Vale pena conhecê-lo
Parabéns pelo texto
A quem ainda não tiver lido :
“Puta que os pariu !” – A Biografia de Luiz Pacheco, da autoria de João Pedro George – Editora Tinta da China.
gosto do luiz pacheco(muito) e ja li os “diarios” ou a biografia do joão pedro,mas na actualidade é muito dificil encontrar livros dele,tirando nos alfarrabistas a preços exorbitantes(incrivel ironia quando o pacheco oferecia livros por sandes de fiambre).mas o caminho que a ediçao de livros leva em portugal(dois mega editores secam tudo à volta) , deixa-me muito pessimista.luiz pacheco merece mais…
Muitos mais merecem melhor, o Alface, por exemplo, ou o Almeida Faria, que é um maravilhoso escritor que poucos conhecem. O Pacheco deixou grandes pequenos textos, a Comunidade é sem dúvida um deles, mas também o libertino que passeia por Braga, as suas crónicas, a sua escrita limpa, a verdade do seu pensamento livre e da sua vida esdrúxula espelhada nela. A literatura anda mal, entregue aos mercadores que não veem nela um modo de ganhar dinheiro, idealmente rápido. Mas isto vira, algum dia, idealmente próximo 🙂