Centro de Linguística da Universidade do Porto

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Como é do conhecimento público, em consequência de um processo de avaliação internacional conduzido pela FCT em parceria com a European Science Foundation, uma parte muito significativa das unidades de investigação do país não passou à segunda fase do processo e não terá, por esse motivo, financiamento a partir de 2015.

O CLUP – Centro de Linguística da Universidade do Porto é uma dessas unidades. Nas últimas semanas, vários órgãos de informação têm publicado notícias, entrevistas ou reportagens sobre a situação específica do CLUP. No entanto, é importante reforçarmos, também através de outros meios, o nosso sentimento de injustiça e de rejeição perante a avaliação que nos foi atribuída.

O Centro de Linguística da Universidade do Porto, unidade da FCT fundada em 1976 pelo Prof. Doutor Óscar Lopes, goza de uma grande reputação entre investigadores nacionais e estrangeiros, é responsável por publicações prestigiadas e lidas pela comunidade científica, apresenta índices de produtividade muito significativos em termos quantitativos e qualitativos e é a única estrutura científica de apoio à formação graduada e pós-graduada especializada em Ciências da Linguagem na Universidade do Porto.

O seu encerramento pode significar um duro golpe no funcionamento da licenciatura em Ciências da Linguagem, no Mestrado em Linguística e no Doutoramento em Ciências da Linguagem na Universidade do Porto. O Centro é ainda o único centro especializado em Linguística do Norte do País. À guarda do CLUP encontra-se um valiosíssimo espólio bibliográfico, científico, documental, linguístico e histórico que, ao longo das diversas fases da nossa existência, fomos acumulando e que constitui hoje um património científico e cultural da maior importância – como é, de resto, consensualmente reconhecido.

À equipa do CLUP se devem importantíssimos estudos para a descrição e caracterização da língua portuguesa, embora o nosso trabalho contemple outras línguas e questões de linguística teórica e aplicada que não se restringem somente ao português. Publicando materiais científicos em diversos países e em várias línguas de grande circulação internacional, como o inglês, o francês, o alemão e o espanhol, o CLUP tem contribuído também para a afirmação do português como uma língua de produção e publicação de materiais técnicos e científicos que contam com uma vasta audiência internacional, pese embora este aspeto seja ignorado, desvalorizado ou mesmo criticado por alguns dos avaliadores a quem foi recentemente pedida uma análise crítica da nossa atividade e dos nossos resultados.

O CLUP, como em muitas outras ocasiões tem tornado claro, é inteiramente favorável à avaliação criteriosa da qualidade da sua produção e do seu trabalho e respeita, como é natural, as regras que a entidade tuteladora e financiadora considerou serem as mais adequadas para levar a cabo os diversos tipos de avaliação periódica dos centros de investigação.

Porém, no caso vertente, consideramos que a avaliação que nos foi atribuída nesta fase é profundamente injusta, totalmente descontextualizada e completamente desfasada da realidade em que nos inserimos. Tem, além disso, consequências muitíssimo drásticas na continuidade de uma área científica tão imprescindível como a Linguística na universidade em que nos integramos. A extinção anunciada do CLUP – que é, na prática, a consequência mais ou menos imediata da decisão de não se atribuir financiamento FCT a partir de 2015, se esta vier a ser homologada – comprometerá seriamente, liquidando-a, a investigação científica feita na Universidade do Porto acerca da língua portuguesa e dos demais objetos de estudo e aplicação abordados pela nossa equipa, na qual se integram bastantes estudantes de graduação e pós-graduação cujas investigações prometedoras e socialmente relevantes correm agora o risco de serem abruptamente interrompidas e aniquiladas. Impedirá o concurso a outros programas de financiamento e porá em risco a continuidade ou o início de projetos de investigação, alguns dos quais com participação de membros de outras universidades e outros países.

Lamentamos profundamente – e consideramos, no mínimo, altamente discutível – a credibilidade da avaliação de que fomos objeto, tendo particularmente em conta que:

– o painel  internacional que nos avaliou não incluiu um número suficiente e representativo de linguistas de reconhecido mérito internacional, abrangendo várias áreas e correntes da Linguística e contemplando, pelo menos em parte, a área da Linguística Portuguesa;

– não foram devidamente ponderados resultados nacionais e internacionais, que são consensualmente reconhecidos pela comunidade de linguistas nacionais e estrangeiros que conhecem e respeitam o nosso trabalho. Reportando-nos somente ao período em avaliação (2008-2013), destacamos um total de 204 publicações, na maioria internacionais, 70 eventos científicos, 12 doutoramentos, a publicação de duas revistas periódicas (uma das quais, Linguística, publicando maioritariamente textos de linguistas estrangeiros), o apoio aos Mestrados em Linguística, em Tradução e Serviços Linguísticos (o único mestrado europeu na área oferecido por uma universidade portuguesa), em Português Língua Estrangeira e em Ensino de Português (Língua Materna) e Línguas Estrangeiras. Lembramos ainda a pertença, através de vários dos membros do CLUP, a diversos projetos nacionais e internacionais, os resultados do Arquivo Dialectal do CLUP (http://cl.up.pt/arquivo), a participação do Centro no projeto Linguateca, de que nasceram recursos valiosos e muito utilizados a nível mundial como, p. ex., o Corpógrafo (http://193.137.34.102/clup). Entre outros, estes resultados foram totalmente ignorados ou subavaliados pelos relatórios de avaliação de que fomos objeto;

– a forma de medição e quantificação da produção bibliográfica adotada não conseguiu olhar à especificidade e ao mérito dos veículos de publicação e divulgação de resultados, cientificamente validados, que são os usuais e correntes em Linguística: para além de artigos em revistas com avaliação por pares, da nossa atividade resultou ainda a publicação, designadamente, de livros, capítulos de livros, comunicações em atas de congressos internacionais, materiais de apoio ao ensino de português língua materna e língua não materna, redigidos em várias línguas e publicados em diversos países;

– uma comparação objetiva e quantificável com o trabalho desenvolvido pelo CLUP em períodos anteriores, em que fomos classificados no patamar de “Muito Bom”, mostra um incremento (quantitativo e qualitativo) e um nível de internacionalização sempre crescentes, o que torna a despromoção da nossa qualificação ainda mais incompreensível e frustrante.

Os relatórios de avaliação que nos foram dados a ler e a comentar em todas as fases padecem de inexatidões, contradições, juízos parciais, lacunas e outras falhas que nos prejudicaram seriamente. Por razões que não nos parecem nem claras nem justificadas, as nossas observações aos relatórios prévios não surtiram, até à data, qualquer efeito positivo. Consideramos ainda muito duvidoso – do ponto de vista procedimental, ético e legal – que, no exercício da figura administrativa da Audiência Prévia que nos é concedida pela Lei Portuguesa (ainda em curso), nos tenha sido imposto o uso da língua inglesa e um limite de carateres para uma exposição detalhada e fundamentada de todos os nossos pontos de vista. Da mesma forma, rejeitamos veementemente a possibilidade – insistentemente veiculada por canais informais nos últimos dias – de que a FCT esteja a proceder a uma pré-triagem dos textos apresentados em sede de Audiência Prévia para que só uma pequena parte destes conheça seguimento e reencaminhamento para os avaliadores externos. Valorizamos esta Audiência Prévia como uma fase muito importante de todo este processo, em que à FCT é dada uma oportunidade a não perder para corrigir todas as anomalias, erros e deficiências de avaliação que, como tem sido exposto publicamente por vários intervenientes de todo o processo, descredibilizam por completo este exercício de avaliação, prejudicando de forma gravosa o normal funcionamento do sistema nacional de investigação, tecnologia e investigação. Apelamos ao bom senso da FCT para que, com urgência, entregue a avaliação de todas as unidades a cientistas conceituados e pertencentes às áreas que estão a avaliar.

Perante este cenário, o fim do CLUP e da Linguística avançada na Universidade do Porto parece ser um desfecho infelizmente bastante provável. Julgamos que, a par dos critérios técnicos em que a FCT se apoia para fundamentar as suas decisões finais, uma atenção a outras vertentes do trabalho e do impacto (a um nível mais geral) das unidades de investigação espalhadas pelo país deveria ser seriamente ponderada por uma instituição que tem a seus ombros a principal missão de qualquer país desenvolvido: fazer crescer a qualificação avançada e especializada dos cidadãos.

O encerramento do CLUP será uma perda irreparável para a cidade, a universidade, a região e o país em que nos inserimos. Muitos aspetos do nosso trabalho e da mais-valia que trazemos a todos quantos beneficiam do nosso estudo e da nossa intervenção foram invisíveis aos avaliadores incumbidos de decidir do nosso futuro. Um testemunho bem vivo da importância que a comunidade científica, académica, cultural e civil reconhece a uma instituição como o CLUP parece-nos poder ser encontrado numa petição pública de apoio ao CLUP que, em pouco mais de uma semana, reuniu mais de três mil assinaturas (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT74126), incluindo as de linguistas, colegas, estudantes e investigadores de várias partes do mundo. Por essa e outras vias, temos recebido palavras de apoio e incentivo de personalidades da cultura e de linguistas respeitados que conhecem – e reconhecem – o nosso trabalho, tais como, entre muitos outros: Adelaide Teixeira, Adriana Cardoso, Alain Rabatel, Alain Rouveret, Albano Martins, Aldina Bessa Marques, Alexandra Rodrigues, Ali Tifrit, Altina Ramos, Álvaro Iriarte, Amália Andrade, Ana Cristina Macário Lopes, Ana Lúcia Santos, Ana Maria Martins, Ana Maria Oliveira, Ana Paula Nobre da Cunha, Anabela Gonçalves, André Conforte, Ángeles Carrasco Gutiérrez, Antónia Estrela, Antonino Silva, Antonio Briz, Antonio Duplá, António Moreno, António Teixeira, Ataliba de Castilho, Augusto Santos Silva, Augusto Soares da Silva, Barbara Schäffer-Priess, Benjamin Schmeiser, Bernadete Abaurre, Bernhard Hurch, Carla Almeida, Carlos Fiolhais, Carlos Gouveia, Carmen Gouveia, Catarina Oliveira, Celeste Rodrigues, Christian Plantin, Clara Keating, Clotilde Azevedo Murakawa, Conceição Carapinha, Concepción Company Company, Cristina Martins, Danuta Gabrys-Barker, Dermeval da Hora, Diana Santos, Ernestina Carrilho, Elena Castroviejo, Ester Mirian Scarpa, Esther Rinke, Eugénio Lisboa, Felicidade Morais, Fernanda Bacelar, Fernanda Irene Fonseca, Fernanda Pratas, Fernando Belo, Fernando Martins, Fernando Venâncio, Filomena Gonçalves, Filomena Viegas, Francisco Gomes de Matos, Francisco Lacerda, Gabriela Matos, Georges Kleiber, Gert Wotjak, Giampaolo Salvi, Gladis de Almeida, Gladis Massini-Cagliari, Gonçalo Vilas-Boas, Graça Rio-Torto, Gueorgui Hristovsky, Hamida Demirdache, Helena Sereno, Helena Topa Valentim, Henrique Barroso, Ignacio Bosque, Ildiko Szijj, Ilpo Kempas, Inês Duarte, Isabel Almeida Santos, Isabel Falé, Isabel Galhano, Isabel Guimarães, Isabel Hub Faria, Isabel Leiria, Isabel Pereira, Isabel Seara, Ivo de Castro, J. León Acosta, Jairo Nunes, Javier de Santiago Guervós, Jean-Pierre Angoujard, Jerónimo Pizarro, Joana Santos, Joana Silva, João Costa, João Saramago, João Teixeira Lopes, Joaquim Brandão de Carvalho, Joaquim Fonseca, Joaquín García Palacios, José Antonio Samper Padilla, José María Brucart, José Novais Barbosa, José Pires Laranjeira, José Portolés Lázaro, José Teixeira, José Victor Adragão, Juan Manuel López Muñoz, Juana Gil Fernández, Jürgen Meisel, Jürgen Schmidt-Radefeldt, Klaus Zimmermann, Leda Bisol, Leo Wetzels, Lluís Payrató, Lourenço Chacon, Lucia Specia, Lucília Chacoto, Malcolm Coulthard, Manuel Leonetti, Manuel Loff, Manuela Bronze, Margarita Correia, Maria Adelaide Chichorro, Maria Antónia Coutinho, Maria Armanda Costa, Maria Celeste Augusto, Maria Helena Araújo Carreira, Maria Helena Mateus, Maria Helena Paiva, Maria João Freitas, Maria João Ramos, Maria José Casa-Nova, Maria Lobo, Mary A. Kato, Max Silberztein, Michel Binet, Miren Lourdes Oñederra, Nélia Alexandre, Neusa Bastos, Nicholas Faraclas, Ofélia Paiva Monteiro, Onici Claro Flôres, Patricio Ferrari, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Pedro Nuno Teixeira, Pekka Posio, Perpétua Gonçalves, Petra Svobodová, Pier Marco Bertinetto, Pilar Barbosa, Plínio Barbosa, Richard Kayne, Richard Zimler, Rita Marquilhas, Rita Veloso, Rosa Maria Martelo, Rosa Quiroga, Rosalice Pinto, Rute Costa, Salvador Gutiérrez Ordóñez, Salvador Pons Bordería, Sandra Madureira, Selene Vicente, Sérgio Matos, Simão Cardoso, Sofia Miguens Travis, Sonia Cyrino, Sueli Cristina Marquesi, Teresa Brocardo, Teresa Cabré Monné, Teresa Colomer, Thomas Johnen, Tony Berber Sardinha, Valdir Heitor Barzotto, Victor Pavón, Violeta Demonte, Zilda Gaspar Oliveira de Aquino, …

As opiniões críticas vindas a público nas últimas semanas acerca de falhas graves no processo de avaliação de unidades, com consequências bastante dramáticas para a ciência feita em Portugal em vários domínios, deveriam, em nosso entender, fazer a presidência da FCT pensar nos moldes e nos resultados em que este processo deverá prosseguir ou não. Julgamos ainda haver tempo e margem de manobra para que classificações completamente arbitrárias, gravosas e irresponsáveis como aquela que nos calhou possam porventura sofrer alguma reversão e revisão.

Impedir, de forma aparentemente deliberada, a investigação em áreas que são determinantes para o desenvolvimento do país e da região norte e para o aprofundamento do conhecimento das nossas especificidades linguísticas e culturais representará sem dúvida um verdadeiro retrocesso que, a concretizar-se, será um dos mais graves atentados alguma vez desferidos contra a ciência, a educação e a cultura num país que, profundamente afetado por uma crise sem precedentes, sairá ainda mais pobre e desertificado com a extinção de centros como o CLUP.

Porto, 25 de julho de 2014

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Comments

  1. Eles sabem lá quem foi óscar Lopes.
    Olha quem…

  2. Ricardo Cavaliere says:

    Meu apoio aos colegas do CLUP nesta luta pela pesquisa linguística em Portugal.

  3. Temos que ser um pouco mais humildes e receptivos ás criticas, que diversas vezes se ouviram a pedir reformulação dos recursos gastos, sem resultados que os viessem validar,em muitas das unidades de “investigação”. Quando é reafirmado pela ESF devemos pensar que….

  4. jota says:

    Quem estuda linguística e escreve com o AO não merece simpatia e pode perfeitamente acabar. Dai-vos ao respeito e respeitai a língua portuguesa.

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