Postcards from the Balkans #12

‘They live to make babies. They live just 24 hours. They sing and make babies. Then they just explode’

Ou Split: Sea, Sun, Shopping… Shit.

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Os livros que me trouxeram hoje os simpáticos rapazes do bar Marvlvs, com as contas, uma do café que bebi ao fim da tarde, outra da cerveja (Pan, uma cerveja croata) que estou a beber agora foram, respetivamente Life of Pi e Biosupruga, este último de um escritor Croata de quem nunca ouvi falar (Michal Viewegh) e que parece que significa ‘mulher natural’. Bem, continuo sem perceber se há um critério para os livros que trazem aos clientes… de qualquer maneira, sei já que não têm livros portugueses, pelo que, quando chegar a Portugal vou mandar um livro português aos rapazes do Marvlvs que são a simpatia em pessoa. E a música, senhores, é perfeita. Gostei do gesto do me trazerem um livro croata, como que a dizerem que me sinta em casa. E sinto.

Gostava de dizer que me reconciliei com Split. Mas não é verdade. Se o repelente que comprei na farmácia esta manhã afasta aparentemente os mosquitos de mim e tem um cheiro a limão (melhor, a ‘limoncello’) tão forte que, até eu, se pudesse, me afastaria… nada há que afaste estes milhares de pessoas que se passeiam por aqui, o sítio onde durmo, que é muito desagradável (mas é limpo, vá lá, do mal o menos), o cheiro pestilento que invade a cidade toda, mesmo junto ao mar onde, justamente, devia cheirar a mar, mas não. Cheira a esgoto. Nada há que afaste o facto de Split ser uma cidade que se auto-proclama, nos cartazes turísticos como a cidade de ‘sea, sun, shopping’. Pouca coisa, portanto. Eu acrescento a estes ‘s’ um quarto. Shit. Exatamente, Um sítio de merda, desculpem o meu francês. Bom, sim, estarei a exagerar, já ontem o admiti, volto a admiti-lo hoje.

A cidade é bonita, dentro (do que foi o palácio Diocleciano) e fora do centro antigo. É uma cidade com mar, tem esse brilho, essa luz. Além da abundância de pedra. As ruelas estreitas. As janelas… oh, as janelas. E eu que adoro janelas não posso, como é evidente ficar indiferente às janelas de Split. Mas, depois, há as pessoas. Aos milhares, acho que não conseguem imaginar, nem eu conseguia, eu, que sempre fugi destes sítios ‘como o diabo da cruz’. Milhares de pessoas, compactas nas ruas, como nas imagens que vemos do San Fermin às vezes na tv (já estive em Pamplona mas, deus-nosso-senhor-seja-louvado, nunca na altura das festas). Quando digo compactas, digo isso mesmo: compactas. É impossível mexer um pé sem tropeçar numa pessoa qualquer, numa criança, num cão e mesmo, embora diga isto com maior suavidade, num gato. E como são suaves e dóceis os gatos de Split. Pachorrentos, mimentos, à espera de uma festinha. Ao menos os gatos são amorosos.

De manhã perco-me pelas ruelas do centro. A seguir decido que sou turista como qualquer uma destas pessoas (embora goste de pensar que não exatamente como elas) e enfio-me num autocarro turístico que, basicamente faz um percurso que não sei se vos diga, se vos conte. Basicamente andamos pelos arrabaldes. Por vezes, em cidades como esta, com um centro antigo, de ruas estreitinhas e difíceis, acontece isto. Os autocarros turísticos rodeiam o centro e aquilo que se vê é… nada, exatamente. Acabada a volta que, ao menos, teve a virtude de nos levar ao parque da cidade de onde se vê o mar, o mar, o mar e o mar e cheira a pinheiros e a fresco, vou almoçar. O sítio é simpático, os empregados simpáticos e os preços amigáveis. Almoça-se debaixo de uma latada. A seguir ao almoço dá-me uma inexplicável preguiça. Vou ao ‘buraco’ e durmo uma sesta pequena.

Quando me levanto apetece-me, naturalmente, um café e vou ao ‘meu bar’. Ao Marvlvs. Bebo o café, dois dedos de conversa e a conta n’A Vida de Pi, já o disse. Quando saio para mais uma volta no meio da gente compacta que invade tudo, como os mosquitos que agora se afastam de mim miraculosa e felizmente, reparo nas portadas de uma das janelas do bar – Está escrito a giz: ‘drink and read till you know who you are’. Parece-me um bom conselho, sobretudo a parte da leitura, mas ninguém poderá dizer genuinamente (a não ser um abstémio convicto, coisa que estou longe de ser) que a parte da bebida também não é de seguir. A questão é que por mais que bebamos jamais nos conheceremos a nós mesmos. Eventualmente ficaremos mais próximos desse conhecimento. Felizmente, tenho as minhas dúvidas.

Volto a passear pela cidade. Já ontem referi que está cheia de italianos. Confirma-se. Felizmente aqui a minha teoria de que tenho de conhecer todos os italianos que encontro fora de itália não se confirma. Em parte suponho que seja porque, na verdade, aqui ‘não é fora de itália’. É apenas um prolongamento de Itália, já o disse. Aliás, a história deste lugar assim também o confirma. As semelhanças são muitas, as adaptações ao estilo italiano igualmente (na comida, nas lojas, etc), a arquitectura idem. As janelas. Repararam certamente nas janelas. Tal como certas partes de Itália (sendo a Toscânia a mais paradigmática) há imensos americanos que comentam tudo muito alto e pensam que é basicamente tudo deles. Não é. Embora, de facto, se possa dizer, que assim pareça.

As ruas estão a confusão do costume, talvez mais, pois parece que haverá um desfile romano. Já se percebe porque há tanta gente vestida como no carnaval. Devia ter-me informado melhor do que aqui se passaria neste fim de semana. Parece que me espalhei ao comprido quando escolhi aqui vir nestas datas. Estamos sempre a aprender. Shit happens. Shit in Split. Pronto. Também não vale a pena fazer disto um problema bicudo. É apenas uma pequena contrariedade. Suponho que Zagreb sem mar e sem calor de monta esteja mais despejado de gente. Amanhã às 13h40 apanharei o comboio desejando que assim seja. Além dos turistas, das pessoas vestidas de romanos, aparece de repente uma procissão de Hare Krishna. Não é que seja feio, que não é, mas parece tão deslocado no meio desta algazarra como é.

Janto uma coisa qualquer sem interesse nem história, enquanto me ponho a observar as pessoas com mais vagar. Sou igual a elas, suponho. Embora, repito, goste – como qualquer um de nós – de pensar que há muito mais coisas que me distinguem do que as que me fazem assemelhar à maior parte da gente (sim, estou completamente equivocada). Andam de cá para lá, a maior parte em bando, com ou sem crianças. Andam de cá para lá constantemente, no passeio junto ao mar, por exemplo, como antes se andava na aldeia da minha mãe, junto ao muro do centro. Andam de cá para lá para verem e, sobretudo serem vistas. As raparigas são, geralmente, giras (são novas, vá, a juventude por si mesma acrescenta beleza) e estão, geralmente também, muito produzidas. Os rapazes usam camisolas de alças (o terror, desculpem) e calções. As mulheres que passeiam com os maridos e as crianças comem, geralmente, um gelado. As crianças também. Mas as crianças são, digamos, ainda livres. Mais livres, pelo menos.

Ao observar toda esta gente, esta gente compacta e, seguramente, muito mais diversa do que aquilo que aparenta à superfície, fora do rebanho do passeio marítimo de Split, penso na descrição pateta (ou talvez não tanto assim…) que a guia do autocarro turístico, fez das cigarras. Disse: ‘isto que ouvem são cigarras. Cantam dia e noite [o barulho era de facto infernal]. 24 horas por dia. O tempo que vivem, exatamente’. E acrescentou: ‘they sing and make babies. Then they just explode’./>

Comments

  1. Estive mais a norte, na ilha de Krk nas vésperas da Guerra Civil. Era sossegado e limpo nessa altura.
    Normalmente fujo dos grandes centros… et pour cause!
    Beijos.

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