Chamam-lhe a nova lei da cópia privada, eu chamo-lhe a lei da extorsão (acho que faz mais sentido)

Caros senhores do Governo, da SPA, Agecop e afins, posso fazer-vos umas perguntas?

Sempre me disseram que perguntar não ofende, por isso desde muito cedo comecei a fazer perguntas. Um vício que ainda não perdi. Hoje, os senhores do Conselho de Ministros aprovaram uma nova lei, uma nova versão da lei da cópia privada. Mexe com direitos de autor e, acima de tudo, mexe com o dinheiro de todos os cidadãos.

Em resumo, a coisa diz que quem comprar qualquer dispositivo que permita gravação, como discos rígidos, cartões de memória, telemóveis, tablets e companhia, tem de pagar uma taxa que se destina a compensar os autores pela cópias legais feitas pelos utilizadores.

Feito o contexto, como deve ser, vamos a algumas perguntas:

  • Tenho uma máquina fotográfica digital com a qual faço muitas (milhares) fotografias. Se comprar cartões de memória porque tenho de pagar os direitos de outros autores?
  • Tenho um smartphone com máquina fotográfica. Uso-o para as minhas comunicações e para fazer fotografias com ele. Se comprar outro porque tenho de pagar os direitos de outros autores?
  • Como disse faço muitos milhares de fotografias e, de vez em quando, tenho de comprar discos rígidos para as guardar. Se comprar outro porque tenho de pagar os direitos de outros autores?
  • Tenho um tablet que utilizo para editar uns tantos vídeos que faço, as fotos que tiro no smartphone, navegar na internet e, pasme-se, até para tirar umas fotos. Ah, também utilizo para ler umas revistas pelas quais pago aos autores, via App Store. Se comprar outro porque tenho de pagar os direitos de outros autores?
  • Não tenho impressora ou multifunções mas se tiver de comprar, para imprimir documentos próprios e digitalizar documentos pessoais, porque tenho de pagar os direitos de outros autores?
  • Parte significativa do meu trabalho, e até gostos pessoais, como escrever ou ler o que outros escrevem na internet, por exemplo, implica o uso de computador. Se tiver de comprar um novo porque tenho de pagar os direitos de outros autores?

Pelo que percebo, os senhores que aprovaram esta lei e os senhores que a defendem, suspeitam que todos aqueles que compram aparelhos e dispositivos de gravação e cópia são miliantes ou potenciais miliantes, que fazem cópias ilegais de tudo o que existe. Mas o erro de entendimento pode ser meu.

Agradaceço, pois, os esclarecimentos às minhas questões. Mas expliquem muito devagarinho para ver se percebo.

Comments

  1. manuel.m says:

    Eu já os tinha como estúpidos,mas só que não tanto.
    Quanto ao resto, a Amazon resolve o seu problemazinho…

    • José Freitas says:

      Tem razão, é um problema de primeiro mundo, coisa banal perante outros bem mais graves. É só mais uma taxa num tsunami de impostos e taxas. Já quanto à justiça da coisa…

    • Não, não resolve. À semelhança do que já acontece noutros países, a Amazon e outras grandes lojas online cobram os impostos do país de destino (como já acontece com o Iva).

      O estrangeiro só funciona de duas formas, ou indo a Badajoz, ou pedido o apoio à (crescente) diáspora lusa.

  2. Epah vamos lá a entender uma coisa. Esta taxa é para compensar a cópia privada. A cópia privada é legal!
    Não é uma taxa para compensar as cópias ilegais (pirataria). Isso é o que eles querem fazer passar, para que as pessoas achem “justo”.
    Ora, sendo a cópia privada legal e largamente compensada, as perguntas a fazer são:
    Porque é que eu não consigo fazer cópias privadas dos meus CDs (porque estes vêm protegidos contra cópia), se pago por elas? Porque não consigo fazer backup dos meus jogos (também vêm protegidos) se pago a taxa quando compro um jogo, um disco rígido, uma consola?
    Então, esta taxa é mesmo para quê?
    Fácil, para sustentar chulos.

  3. PipaII says:

    É não comprar cá.
    Comprando no exterior já não há taxa a pagar.

    • José Freitas says:

      É uma opção possível, sim. Mas nem todas as pessoas podem ou estão à vontade para o fazer. E, assim, a taxa ainda dará algum proveito aos extorsionistas.

  4. Hélder Pereira says:

    E pergunto eu que nem sou jurista ou constitucionalista: Ao assumir que todos nós somos uns meliantes por possuírmos um aparelho que armazena bytes – uma máquina de Turing no seu conceito mais simples – uns verdadeiros perna-de-pau, não estamos a inverter o ónus de prova e a ferir o príncipio da presunção de inocência? Sei lá, não somos ainda um Estado de Direito, ou passamos a ser um Estado da Direita e dos seus liberais vanguardistas e amantes da teta estatal (sim porque em Portugal os “liberais” amam secretamente o Estado que lhes põe o pão e o Moet & Chandon na mesa)?

    Ninguém quer enviar isto para o Palácio Ratton por obséquio?

    • José Freitas says:

      A primeira lei da cópia privada, com Guterres como primeiro-ministro, foi ao TC e passou. Não sei se novo pedido teria um resultado diferente. Ainda assim, nada como tentar.

    • A cópia privada é legal, está legislada, é fazer uma cópia de algo que compramos original, como se fosse uma cópia de segurança, vá. Esta taxa não tem nada que ver com pirataria. Assim, a questão constitucional, pelo menos do ponto de vista que levanta, nem sequer se coloca.

  5. Reblogged this on O Retiro do Sossego.

  6. Silva Rocha says:

    As perguntas estão, a meu ver, bem colocadas.
    Contudo, acho que falta uma que considero fundamental, atento o perfil do autor do texto. Quanto é que eu, como autor, receberei das taxas cobradas?
    E, já agora, a talho de foice, o secretário de estado da cultura, barreto xavier, sabe, por acaso que a formação dos preços dos produtos comercializados em Portugal (mormente os abrangidos pela legislação referida) é livre? Se sabe, quer-nos chamar estúpidos quando diz que «a lei determina que a taxa não é paga pelos consumidores, mas por quem introduz os produtos no mercado português». Quem, naturalmente vai pagar a taxa, somos nós, consumidores!

    • José Freitas says:

      Os autores (melhor, apenas alguns deles) não vão receber quase nada. A verba é entregue à AGECOP – Associação para a Gestão de Cópia Privada. Esta associação próxima da inutilidade fica com uma fatia, para as suas inevitáveis despesas de funcionamento. O que sobrar vai parar às associações representativas dos autores. Atenção que não escrevi autores, escrevi associações representativas dos autores. Isto é, SPA e quejandos. Depois da inevitável fatia para as despesas de financiamento,o dinheiro chega aos autores, tendo em consideração as vendas efectuadas.

    • José Freitas says:

      E sim, o secretário de Estado Barreto Xavier sabe a forma como são determinados os preços. O argumentário imbecil que utiliza é apenas uma tentativa de criar uma ilusão e procurar enganar as pessoas menos esclarecidas e atentas.
      Outro argumento ainda mais imbecil é a utilização da alegada compensação pela ‘pirataria’. É mais uma deturpação daquilo que traz esta lei, fruto de pessoas que não souberam, nem sabem, como reagir à evolução dos tempos e da tecnologia.

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  1. […] de serviço têm sido abundantes e esclarecedoras, como no caso das publicações aqui no Aventar e no Bitaites, só para citar dois exemplos. Em causa está o princípio base desta lei, onde […]

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