Sanções, petróleo e os hipócritas do costume

Rex Putin

(Na foto: shake-hands entre o presidente russo Vladimir Putin e Rex W. Tillerson, CEO da Exxon Mobil)

Há algo que não bate certo nesta cruzada do Ocidente contra o opressor russo. Na verdade, existem várias coisas que não batem certo. O Ocidente – leia-se a política externa norte-americana imposta aos seus colaboradores habituais – vai endurecendo o discurso contra a suposta ingerência de Moscovo na crise ucraniana e as sanções sucedem-se. É expectável que hoje sejam apresentadas novas sanções, tanto da parte dos EUA como da UE, que incluem proibições ao sector financeiro russo de aceder a capitais norte-americanos e a empresas energéticas de se financiaram nos mercados de capitais da União. Um acto de coragem? Não é o que parece.

De fora da heróica cruzada do Ocidente ficou a Gazprom, a gigante do gás natural que ainda é a maior fornecedora do Velho Continente. Da mesma forma, não há registo de qualquer imposição do directório ocidental à Exxon Mobil que continua a explorar petróleo no Mar de Kara, numa parceria com a Rosneft, a petrolífera estatal russa que parece estar agora na mira do novo pacote de sanções. Então e a Exxon? Não deverá também ela ser punida por fazer negócios com o regime opressor? E a francesa Total? E a britânica BP (que nem de propósito detêm uma significativa posição de 19,75% na Rosneft)? E a italiana ENI? E a norueguesa Statoil? Onde estão as sanções para estas distintas empresas europeias que lucram milhões com os seus negócios petrolíferos com Moscovo?

Em lado nenhum. A coragem ocidental, como tudo na vida, tem um limite. E o limite é atingido quando as agendas políticas das poderosas potências ocidentais e as encenações dos direitos humanos esbarram no muro de betão das grandes corporações petrolíferas. Apesar de ter financiado a campanha de Mitt Romney contra Obama em 2012 – o próprio CEO da Exxon, Rex W. Tillerson, o senhor que aparece na foto num caloroso aperto de mão com Putin, angariou cerca de 7 milhões de dólares para o candidato republicanoa Exxon doou também 250 mil dólares (o máximo permitido por lei) para a tomada de posse de Obama. E Obama, como qualquer bem comportado presidente norte-americano, não costuma cuspir no prato onde comeu, o mesmo prato onde o seu antecessor e provavelmente todos os que vieram antes comeram. Não cuspiu e agradeceu. E volta agora a agradecer fazendo vista grossa aos negócios milionários dos senhores do crude com o alvo preferencial da sua propaganda.

Perante tudo isto, é fácil perceber a dualidade de critérios quando chega a hora das sanções. São embargos à moda do Ocidente. Um Ocidente que aponta o dedo moralista ao opressor russo mas que não se inibe de violar a soberania de outros estados mesmo que isso implique inventar armas de destruição maciça onde elas não existem. O mesmo Ocidente que treinou a Al-Qaeda, que patrocinou golpes de Estado contra governantes democraticamente eleitos, do Chile de Allende ao Irão de Mossadegh e que trata por tu o totalitarismo saudita, o tal que também corta umas cabeças mas por motivos muito mais legítimos com a prática de bruxaria ou a heresia de rezar a um amigo imaginário diferente do deles. São imperialismos. Qual deles o melhor?

Comments

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  2. Rui Moringa says:

    Não seid dizer qual deles o melhor. Parece evidente que o capital circula, circula, circula, circula…E não tem fronteiras.
    O resto, são atitudes e comportamentos do estilo “jogos florais”.
    Já não há paciência para este tipo de maningâncias…

    • são basicamente jogos florais e, como de costume, é a arraia miúda que paga as favas. ai e tal que eles são muito maus mas negócios de petróleo são contas à parte…

  3. Rui Moringa says:

    Corrijo: manigâncias.

  4. José almeida says:

    O ditado é muito antigo, “os cães ladram e a caravana passa….”

  5. Tal vez seja por isso que a Rússia basicamente não tenha respondidos as provocações da União Europeia… São sanções para inglês ver….

  6. coelhopereira says:

    Em Berlim, a temperatura mínima anda agora aí pelos 10 graus centígrados. Quando, e já não falta muito, o Inverno chegar em força, vamos ver que a entradas de leão correspondem sempre saídas de sendeiro.

  7. A web dá-nos a possibilidade de fugir a informação/ programada que nos é trazida pronta e sem necessitar de pensar. E quem escreve em blogs pode ajudar trazendo novas visoes e não apenas a voz do dono. Os leitores podem e devem ter a abertura para ouvir e raciocinar em vez de atacar ferozmente quem diz diferente do mainstream.

    • não podia estar mais de acordo António. é por ai que me tento orientar, sempre ciente de que, como qualquer pessoa, não estou livre de me deixar influenciar por aquilo que me rodeia.

  8. Assim como em todos os ramos sociais, as grandes corporações comandam políticas locais e regionais. Sabe-se que petrolíferas estão de olho no controle de terras abastadas. Isso para poderem precificar o combustível de acordo com sua vontade.

Trackbacks

  1. […] a Rosneft, a petrolífera estatal russa controlada pelo infame círculo oligarca de Vladimir Putin que continua a explorar petróleo no mar da Kara com a preciosa ajuda dos seus amigos da Exxon, os tais que financiaram Mitt Romney nas últimas presidenciais norte-americanas e que, perante a […]

  2. […] E se os resultados como um todo não surpreendem, não deixa de ser surpreendente, verificar que petrolíferas como a americana Exxon Mobil ou a sua parceira estatal russa Rosneft, ou bancos predadores como a JPMorgan Chase estão melhor colocados neste ranking do que a Apple, a […]

  3. […] dar abraços aos amiguinhos do G-20, no outro é sancionado por todos eles em bloco, ainda que com salvaguardas que não coloquem em causa o superior interesse das indústrias petrolíferas. Defender a democracia sim senhor mas sem aborrecer quem financia as campanhas na terra do tio […]

  4. […] errado, mas depreendo das palavras da senhora que a sua indignação é extensível, por exemplo, à poderosa indústria petrolífera ocidental, que apesar das sanções continuava, até há poucas…. É que o clima de tensão entre a Rússia e o Ocidente não começou no mês passado. Em […]

  5. […] a destruição causada. Sabemos das ligações com regimes opressores, casos do Azerbaijão ou da Rússia, imunes a qualquer sanção hipócrita que o Ocidente fabrica para iludir a opinião pública. […]

  6. […] As suspenções, como as sanções, quando nascem, não são para todos. Nos Jogos Olímpicos como no negócio do petróleo. […]

  7. […] Putin decidiu nomear Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobil, para chefiar a diplomacia norte-americana. Vieram-me à memória umas linhas que escrevi em 2014, a propósito da farsa das sanções contra a Rússia, às quais a parceria entre a Exxon e a […]

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