Breve manual de instruções para um novo político

1. Inscreva-se num partido político. Nas fichas para novos militantes, costuma haver uma caixa de texto para inscrever o nome do padrinho que o propõe. Tente preencher essa caixa com o proponente com maiores redes e maior poder da sua localidade.
2. Vá aparecendo na sede do partido. Não deverá falar muito nesta fase. Deverá apenas acenar positivamente quando alguém com poder no partido usar da palavra. Acene quantas vezes puder. No final, gabe-lhe a opinião com a melhor adjectivação que souber. Corteje-o que nem um pavão. Você tem que o fazer crer que ele é mesmo o maior do partido.
3. Escolha o seu elevador social. Deverá auscultar de forma informal os seus colegas de partido de forma a tirar uma opinião sobre qual deve ser a sua âncora de ascenção dentro do partido. Escolha sempre aquele que lhe parecer mais forte e mais capaz de ir longe a longo prazo.
4. Nunca demonstre a sua opinião pessoal sobre uma temática sob discussão numa reunião do partido. A melhor receita para ir longe é deixar que os outros se queimem com as suas opiniões e como diz o povão ir andando e vendo.


5. Inicia-se uma campanha eleitoral. Se a sua âncora for o candidato, cole-se a ele que nem uma lapa. Se não for, cole-se imediatamente ao candidato. Nesta fase deve ser proactivo e apenas pensar: se a campanha não vem a mim, vou eu à campanha. Voluntarie-se para tudo: acene positivamente a cada 2 palavras do seu homem, gabe-lhe a opinião, a gravata da cor do partido, a elegância do corte do seu fato e, por outro lado prepare-se para o defender de forma irracional nas redes sociais, assim como carregar bandeiras e ditar vivas ao partido em comícios. Não se esqueça de berrar “muito bem” sempre que o seu candidato tentar humilhar o líder do partido rival. Se puder carregar 8 bandeiras numa mão, tente carregar 16. Perante o seu candidato, você terá que portar-se como um vassalo medieval: não basta apenas defendê-lo até à morte e carregar bandeiras. Se for preciso cortar-lhe as unhas dos pés, você tem que o fazer sem que ele lhe peça. Se o vir a roubar 10 mil euros do cofre do partido, você fecha os olhos e diz que não viu. Se o vir a dar uma bofetada numa criança, você acerca-se do menor e esbofeia-o também. Se for preciso carregar a esposa dele ao colo num percurso de 50km, você fá-lo a correr mais rápido que o Carlos Lopes na maratona de Los Angeles.

6. Certifique-se que aparece várias vezes na comunicação social. O seu status social irá aumentar. Quem não é visto, é esquecido!

7. Assim eleito o seu candidato, você será recompensado: ele gosta de cuidar dos que cuidam dele. Será presenteado de acordo com o papel que teve na campanha: se teve um papel fraco, ele irá dar-lhe um lugar na Comissão de Protecção de Jovens e Menores ou no Secretariado concelhio num lugar entre o 16º e o 24º lugar da lista. Se se portou medianamente, ele irá dar-lhe um estágio num organismo público. Se a sua participação ultrapassou os níveis da modéstia prepare-se para ser o braço direito do líder num cargo de chefia na edilidade, numa empresa pública ou no partido. Nunca cometa o erro de dar a assistência que ele não dá à esposa. Deixe que seja outro como você a fazê-lo para se queimar aos olhos do líder.

8. Assim que tenha poder comece a falar mas não saia das linhas programáticas e ideológicas do partido. Se você o fizer, prepare-se para um game-over mais doloroso que aqueles que você sofria no Sonic 3 na Megadrive.

9. Comece a pensar candidatar-se a um órgão partidário de fantochada. Os partidos tem dezenas de órgãos de fantochada.
10. Certifique-se que assim que ganha o órgão partidário de fantochada, dá pelo menos 15 entrevistas aos órgãos sociais a afirmar que quer realizar muito trabalho.
11. Assim que estiver na chefia de algo, marque o seu deputado ou o seu ministro. Escolha alguém que tenha futuro na política. Repita os passos tomados nos primeiros pontos deste texto.
12. Parabéns, você já é assessor de um deputado parlamentar. Nesta fase você deverá bolar os mais variados esquemas que sirvam os interesses do partido. Não importa muito nesta fase que use e abuse da mentira. Você deverá apenas não cometer um acto ilícito porque mais tarde, quando você se assemelhar ao rei do gado da política portuguesa, a imprensa vai vascular o seu histórico e rapidamente encontra os seus podres do passado.
13. Muito bem! O chefe do partido acha que você é um tipo válido para subir na hierarquia. Vá subindo a gosto: primeiro assessor depois deputado, primeiro vogal do secretariado distrital, depois candidato. Primeiro suplente da Nacional, depois 18º da lista, depois candidato a uma sub-secretaria de estado e por aí adiante até chegar a Ministro.
14. Se cumprir estes 13 passos, no 14º será recompensado por uma vida de trabalho em prol do partido. Os seus bolsos estarão ficarão mais cheios. O seu ego bateu nos píncaros, podendo ser avistado num raio de Lisboa ao Burundi! Você é Ministro ou Comissário Europeu com possibilidades claras de chegar a Presidente da República! Parabéns!

Comments

  1. Rui Moringa says:

    Boa prosa. Ácida quanto basta ao “jeito” do nosso Gil Vicente. Excelente prosa, com ironia fina, bem refinada, para entrar melhor nos destinatários – eventuais, presentes e futuros candidatos “à coisa” da salchicha (é assim que se escreve!?). Acho qua nunca tive necessidade de escrever esta palavra, Salchicha! Que horror, ahahahahah.
    Parabéns pelo texto.

  2. genial João 🙂

  3. são muitos anos a virar frangos.

  4. Idalete Giga says:

    Excelente “Manual de instruções para um novo partido” ou seja , a perícia altamente pedagógica para a aprendizagem da trafulhice, da mentira, da hipocrisia, do descaramento, da falta de ética, do deboche político (e não só,,,), da roubalheira, da subserviência, do completo desrespeito pelos “eleitores” (!!!) Se Gil Vicente fosse vivo levaria à cena um Auto com o título: “Manual de instruções para os caganeirosos e lambe-botas do reino ! ). Ah! Ah!, AH! Ah!!!!!!

Trackbacks

  1. […] Breve manual de instruções para um novo político. […]

  2. […] Deixo-vos com a música dos Dealema que dá o nome a este artigo, que apesar de não ser nova e ter como principal visado José Sócrates, se aplica como uma luva ao estado de coma de um país que cada vez mais parece gostar de ser enganado, ultrajado e roubado. É muito triste esta sensação de viver no terceiro mundo onde idiotas com esquemas mal montados e perfeitamente falíveis conseguem manter-se à tona enquanto país afunda. Mais triste ainda quando percebemos a quantidade de ovelhas patéticas que os seguem sem nada questionar. O manual é muito claro não é João? […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading