Concurso de professores: ai que horror, o centralismo!

patetaDurante alguns anos, o Ministério da Educação prejudicou um pouco as escolas. A partir de 2005, tornou-se o principal problema. A população, pouco esclarecida e com pouca vontade de se esclarecer, tem gostado de assistir à acção dos marialvas políticos, que isto é um país em que o pequeno salazarismo é a sujidade das unhas e, por isso, há muita gente que treme de gozo quando alguém “mostra quem manda”. Sendo a classe docente um dos grupos mais invejados, tem sido grande o regozijo das gentes, face aos ataques perpetrados pelos gémeos Sócrates e Coelho.

Entretanto, há quarenta anos, Portugal ocupava o lugar na linha de partida da Educação em Democracia, com um atraso de séculos carregados de miséria, de analfabetismo e de elitismo. Nem sempre escolhendo o melhor caminho, os avanços foram gigantescos, como se tem confirmado, por exemplo, nos resultados de vários testes internacionais. Gigantescos, entenda-se, face ao ponto de partida.

É claro que alguns políticos, evitando qualquer laivo de honestidade, tentaram aproveitar os resultados desses testes para se vangloriarem. José Sócrates, o verdadeiro político, nunca perdeu uma oportunidade de reclamar como obra sua aquilo que não lhe pertencia.

Na realidade, a análise da evolução dos resultados educativos não pode estar limitada a uma legislatura, porque nem o ministro mais competente consegue melhorias visíveis em quatro anos. O patamar sofrível que alcançámos deve-se a inúmeros factores, variadíssimas circunstâncias e milhares de pessoas. Basta saber um bocadinho de História e outro tanto de Educação, tudo misturado com honestidade intelectual e espírito crítico.

Nuno Crato conseguiu a proeza de ser ainda pior do que as duas tristes figuras que o precederam na cadeira ministerial. Partindo de uma visão catastrofista, tem contribuído para aumentar a catástrofe, mostrando uma incompetência suspeita, mesmo para quem não alinhe facilmente em teorias da conspiração.

O recente desastre dos concursos de professores é demasiado grande, mesmo para alguém da craveira de Nuno Crato. Se é certo que a utilização de uma lista graduada não corresponde a um sistema absolutamente virtuoso, a verdade é que as escolas funcionavam relativamente bem, até ao dia em que os ministros começaram a inventar sistemas de colocação que vieram causar problemas que não existiam.

Ora, toda esta situação fez sair da toca os patetas insurgento-blasfemo-observadores. Para os membros desta seita que trazem ao peito um medalhão com a efígie de Friedmann, há quatro dogmas: o Estado é sempre feio, os sindicatos são intrinsecamente maus, os membros de uma classe profissional são absolutamente corporativistas e obedientemente sindicalistas e o centralismo é o diabo disfarçado de Marx.

Como são muito ignorantes, dá-lhes para o atrevimento das certezas absolutas e, portanto, para a invenção da pólvora. José Manuel Fernandes, ainda ontem, julgava explicar, do alto do seu púlpito, que era muito fácil resolver o problema dos concursos dos professores. Bruno Alves recuperou um escrito seu de 2009, julgando ter reunido argumentos arrasadores, num estilo muito “aos anos que já sei como isto havia de se resolver” e recorrendo ao habitual milagre da consubstanciação das escolas e das empresas, esquecendo, ao mesmo tempo, que, no mundo empresarial e financeiro, há muitas decisões centralizadas, conforme a dimensão das instituições. Segundo estes iluminados, o problema dos concursos estaria no centralismo e ficaria resolvido se cada escola tivesse autonomia suficiente para contratar directamente os professores.

Vamos pelo caminho do truísmo: o centralismo é um problema quando é um problema. As escolas, entidades que incluem, por exemplo, encarregados de educação e professores, reclamam autonomia e descentralização há anos, em muitas áreas.

Repita-se: recorrer a uma lista graduada, tendo como base a nota de final de curso e o tempo de serviço pode não ser o melhor sistema, mas tem sido suficiente para que, apesar de tudo, haja alguma justiça e tem contribuído para uma certa estabilidade. Como em qualquer outra situação, só vale a pena avançar para algo melhor, se se verificar que é efectivamente melhor (e vão dois truísmos!). Aconteceu exactamente o contrário. Os patetas, mesmo reconhecendo, a contragosto, a incompetência da equipa ministerial, insistem: o problema está no centralismo. Para estes cómicos, se um homem ferir outro com uma faca de cozinha, o problema estará, com certeza, na faca.

Há muito a melhorar na Educação, mas, para pior, já basta assim. Quanto aos patetas, espero que nunca se calem, porque são divertidos, e que deixem de governar o país, porque não são divertidos. Se quisessem aprender, leriam o que escreveu o João Paulo.

Comments

  1. André says:

    Concordo com a generalidade do post, mas continuo a achar que ancorar a contratação na lista de graduação é um pouco injusto.

    A lista de graduação une o valor da nota de licenciatura com o conjunto de anos de ensino de um determinado professor. Ou seja, alguém com uma nota de 12 ou 13 pode ( e muitas vezes está) à frente de alguém que se licencia com 15 ou 16 apenas porque é mais velho. Podemos argumentar que os anos de experiência ajudam a melhorar o desempenho de um professor, mas na verdade nem sempre acontece. Assim temos professores pior preparados, preparação que a experiência por si não colmata, à frente de outros professores apenas porque se licenciaram primeiro.
    Um outro problema são as notas de licenciatura. Durante anos as notas do ensino privado era artificialmente elevadas beneficiando os seus licenciados. O que não deixa de ser irónico, alunos que não tinham média para entrar no Ensino Superior Público, licenciavam-se com notas mais altas no Ensino Privado.

    Por fim existe um outro problema, a continuidade pedagógica. se um determinado professor acompanha um conjunto de turmas com sucesso, o seu trabalho é reconhecido como positivo não percebo porque é que, na eventualidade da vaga se manter, naõ se poderá manter na mesma escola. No fundo é substituir uma certeza por uma incógnita. Sei que o problema seriam as cunhas e amiguismo mas acredito que seriam residuais por duas razões:
    1. O professor é colocado na escola por concurso, manter-se-ia apenas se vaga se mantivesse e o seu trabalho o justificasse
    2. o amiguismo vai até um determinado ponto, qual é o director que gostaria de ver a sua escola avaliada com um suficiente ou medíocre, apenas para manter um conjunto de amigos.

    • Maria Pinheiro says:

      Qual é o director que gostaria de ver a sua escola avaliada com um suficiente ou medíocre, apenas para manter um conjunto de amigos? Muitos! Cada vez mais temos favores em vez de mérito!

  2. Cralos says:

    E o Sócrates que não entrasse na conversa. Depois de mim virá quem de mim fará o menos mau. É caso para dizer que os professores e não só, têm o que merecem, então eles não sabiam exatamente o que fazer para o país andar para frente!. Quem rejubilou com a chegada ao pote do impreparado Passos , (o Portas todos sabemos que é uma prostituta da politica) têm tudo o que merece.

    • Ó socretino, quem começou isto tudo, um processo que visa a municipalização e privatização da escola pública, foi a condenada Maria de Lurdes Rodrigues. É um facto histórico, não é uma leitura: aumentou os apoios financeiros aos privados, criou um modelo pré-empresarial de gestão, acabou com os concursos anuais e fechou as vagas de quadro. Chega, ou queres mais, incluindo o tacho para o irmão do amigo?

      • Cralos says:

        Socretino porquê? Por não ser corporativo como você, por não aceitar que três anos após o chumbo do PEC o país esteja pior, pelo caos na educação, na justiça, pelo assalto ao pote, pelo desemprego. Nunca como hoje a cunha e a filiação partidária foram a chave para a empregabilidade.
        Se é por isso e muitas mais malfeitorias, sim sou Socretino e aguardo sentado pelo fim da legislatura a assistir à destruição de direitos e garantias que fizessem do aterro um sítio melhor para viver. Tenho grandes expetativas de que a vossa classe de professores seja das mais penalizadas.
        Muitos, esperamos para ver quando os, Mários Nogueiras trazem outra vez para a rua a carneirada dos 100 e tal mil, como no passado.
        Não é possível? Eu sei! É que agora muitos já estão instalados e a luta já não é deles.

        • António Fernando Nabais says:

          Já somos dois à espera que a legislatura acabe: dez anos seguidos de compadrios e de incompetência já foram mais do que suficientes. Sim, escrevi “dez anos”, não é gralha.

        • António Fernando Nabais says:

          E é sempre engraçado confirmar que os militantes ou simpatizantes dos partidos não são mais do que membros de uma qualquer claque futebolístico: “Pois, contra nós, fizeram manifestações e contra o Crato não fizeram nada. É tudo contra nós, sempre a roubar!”. Pelo meio, até se esquece da greve às avaliações que pôs o governo em sentido. Abaixo o José Pedro Sócrates Passos!

        • Corrijo: quem odeia os professores, confunde corporativismo com defesa dos direitos conquistados, das duas uma: ou também teve as suas avenças socráticas, e andam a fazer-lhe falta, ou é apenas cretino. Tão cretino e com o mesmo objectivo que Crato continua: privatizar a escola pública, abrir-la ao mundo dos negócios do vosso ex-deputado Calvete, e a outros batedores de punho.

          • Cralos says:

            As sua imbecis palavras deixam bem claro que o fundamentalismo e a verborreia mental que manifesta dá razão aos que pensão que a sua cooperação ainda têm muito que penar. Infelizmente não o atinge a sua fraca figura, confortavelmente acomodado. Mas pode ser que os seus colegas que não têm os seus privilégios um dia vos retribuíam o que merecem.

          • Ó pensão, vai estudar pá, mas estudar mesmo, que as novas oportunidades de diploma automático foram à viola, alguma de jeito tinha de fazer o Crato.
            Aprende, pá, liberta-te desse trauma que se arrasta da infância, esse ódio aos professores, esses corporativistas, que te tentaram ensinar a ler e escrever.
            O resto, a vida, a política, a terceira via do liberalismo, não espero que aprendas, já não tens idade para isso.

          • Crarlos says:

            Cardoso o instalado, um perigoso revisionista responde a fatos com diarreia verbal. Mas sim concordo as Novas Oportunidades faziam-lhe bem depois do desgosto que foi o fim do tacho Movimento Cidadãos por Coimbra.

          • Fim do tacho? essa gostei.

          • António Fernando Nabais says:

            Ó João, não respondas a fatos, a não ser que venham acompanhados de gravata.

    • António Fernando Nabais says:

      Uma vez que não rejubilei com a chegada do Passos, não tenho aquilo que mereço. E também não mereço o Sócrates.

  3. André says:

    Peço desculpa, mas é altamente improvável alguém sacrificar o seu posto e reputação para dar emprego a amigos incompetentes. Não faz sentido.

  4. portela says:

    Em 1599 deve ter acontecido a primeira bagunça escolar de que há registo. Porque? Talvez seja a razão do aparecimento de um documento, que mais parece uma norma, um gabarito, quiçá um manual de pedagogia, uma norma de conduta e que se chama Ratium Studiorum. .
    .
    Hoje é uma pena não haver gente capaz de estar à altura dos novos acontecimentos, de criar uma solução, como então fora criada..

  5. Cralos, fico sempre radiante quando alguém consegue dar-se ao trabalho de teclar tanto para destilar ódio e raiva contra algo. É um sinal de carácter, sem dúvida. Aliás, também demonstrado no desejo de que pessoas do seu país possam ter uma vida pior só porque num determinado fizeram algo que não lhe agradou. Mas, tal como já lhe recordaram, as lutas maiores e mais intensas foram feitas contra este governo: a greve às avaliações e contra a PACC movimentaram muito mais gente, tiveram muito maior significado do que as manifestações que refere. Podem não ter tido o mesmo fulgor mediático, mas do ponto de vista das salas de professores, nem tenha dúvidas.
    Espero que, no seu caso, a humidade ajude ambos – o Tico e o Teco, porque me parece que devem ter ficado presos na água do túnel, ali por Braga.
    Continue, que vai no bom caminho,
    JP

    • Crarlos says:

      Mas não fique, deveria é sentir tristeza e até muita vergonha por assistir à degradação da escola pública, fruto das premeditadas e sucessivas más políticas de educação apresentadas pelos sucessivos governos, com a conivência de décadas de muitos professores e sindicatos.
      Ou o JP e os seus compagnes fazem alarde de serem os únicos a saber o que se passa na educação.
      Meus caros há anos que é recorrente ouvir-se em colóquios e seminários sobre educação, “temos de pensar a educação”, “temos de repensão a educação”, “a formação de professores é insuficiente” e por ai. A verdade é que passadas estas décadas estamos onde estamos, e isso também é culpa dos professores.
      É a sua opinião que “as lutas maiores e mais intensas foram feitas contra este governo” discordo dela.
      Você sabe como eu sei que quando o Crato chegou tratou logo de dar uns rebuçados aos sindicatos (o mais doce foi para o sr. nogueira) para os amassar, você sabe que as questões principais que tinham estado na base da enorme e em grande parte justa luta dos professores no tempo da Milú, ficaram resolvidas nessa altura.
      Você sabe a dimensão do ataque selvagem que foi feito a partir daí, contra os outros professores. Onde estão todos agora.
      Só frontalmente contra os branqueamentos que fazem da malta que assaltou o pote (como também sou dos anteriores governantes), mandando o nome do José Sócrates ad æternum para a frente.
      Quanto a apreciações de carácter continue porque passo muito bem com a sua opinião.
      Sento-me sensibilizado e grato pela sua atenção e pela rapidez com que veio em defesa do seu camarada é sempre bom saber que os valores ainda se mantém.

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