Quando entrei para a primária era ainda cedo para não alimentar a ilusão de que todos os miúdos tinham uma vida mais ou menos parecida comigo, que, não sendo perfeita, era decente. Logo nos primeiros dias, a chamemos-lhe Paula quis saber o que eu tinha comido no fim-de-semana. Eu disse, ela quis saber detalhes. E ficou estupefacta.
– Tu comes uma fêvera inteira?!
Ela não comia, nunca tinha comido, nem conhecia quem, com a sua idade, o fizesse. Seis anos/ uma fêvera, um rácio que ela nunca se tinha atrevido a imaginar.
Depois dessa, houve muitas. Eu tomava pacotes de leite chocolatado, comia bolas de Berlim, cerejas no tempo delas. Era, eu e metade da turma, um exemplo de privilégio, sem dúvida, naquela pobre escola da zona oriental do Porto.
Nunca se sabe o que nos ficará na memória. Constato que a história da fêvera, já lá vão mais de 30 anos, ainda cá está. E foi nela que pensei quando li este artigo, no Jornal Universitário do Porto, assinado pelo Miguel Heleno.
Assim fiquei a saber que as cantinas da Universidade do Porto têm agora no seu menu aquilo a que chamam a “Refeição Social Prato”, a 1,95 euros. São cinquenta cêntimos menos do que a “Refeição Social Completa”, que inclui sopa, pão, bebida, prato, sobremesa (fruta, iogurte, doce), e custa 2,45 euros. A “Refeição Social Prato”, cuja designação só por si já me faz cócegas no músculo biliar, inclui pão e prato. E ponto, que é como agora se diz no Porto.
Não duvido das boas intenções dos serviços sociais da UP que criaram esta solução, para chamá-la de alguma maneira. Mas que o apoio que neste nosso país se oferece aos estudantes que já não têm 2,45 euros para gastar em cada refeição seja cortar-lhes a sopa e a sobremesa é coisa para dar vómitos a quem ainda tiver coração, cabeça e estômago no sítio.
Obrigado, Sócrates, que tornaste um país decente numa terra de gente envergonhada e cobarde, a esconder a pobreza.
Não posso chamar ao Sócrates nem à sua digna progenitora aquilo que de facto são, não vá aí aparecer a corja de defensores do dito cujo a ofender-me. Não que me importe de ser ofendido por essa gente, o contrário é que me preocuparia. Mas agora fica assim…
A minha lista é bastante mais longa do que a sua.
Isto dá “vómitos”. Que “puta de ideia”, salvo seja para as verdadeiras.
E eu que sou paciente a dizer umas asneiras destas…
é verdade, Rui, nem parece seu, mas por mim estão totalmente justificadas.
é a caridadezinha que nos governa…
Uma verdadeira indústria, com direito a porta-voz e festa anual na tv e na porta dos supermercados.
felizmente, o número de mecenas poderá estar para aumentar
http://www.noticiasaominuto.com/economia/290635/so-no-ultimo-ano-o-pais-viu-nascer-10-mil-milionarios
Um destes dias a profissional da caridade virá dizer que não se pode comer sopa todos os dias. Da sobremesa nem se fala.
A propósito da “Refeição Social Prato” vs “Refeição Social Completa”,
– o senhor gosta de peixe frito de um dia para o outro?
– gosto, gosto, quem me dera!
– então venha cá amanhã … porque vou fritá-lo hoje.
A escandaleira é tão grande que quando como na cantina duma universidade pago muito mais do que num restaurante dum centro comercial e como muito pior. Como é que ainda não se conseguiu moralizar estes “negocios” de assinatura de contratos de fornecimento deixando de fora a maningancia?
Sem ofensa, obviamente, mas um “retiro do sossego” remete-me para um cemitério …