Da manteiga e da planta

Escreveu Rodrigo Viana de Freitas, “É para mim mais do que certo: quando este vento passar, será todo este talento que nos fará navegar“, na P3 do Público sobre a geração 20-30. Um texto que recomendo e com o qual concordo.

Só quem nunca trabalhou com esta geração poderá discordar. Vou mais longe, esta geração é bem capaz de ser melhor que a minha (geração 40). Enfrentou e enfrenta uma das mais graves crises económicas das últimas décadas (e mais grave se se pensar na taxa de desemprego inacreditável nos jovens). Não teve direito aos anos dourados da entrada na CEE com dinheiro a jorrar para tudo e mais alguma coisa. Eram muito pequenos quando se viveu o boom do final dos anos noventa (cujo clímax foi a Expo 98) nem sabem o que é começar a trabalhar com um salário de 80 contos (400 euros actuais) e vê-lo a subir rapidamente até aos 200 contos (1000 euros) quando licenciados e cumpridores das suas tarefas. Hoje ficam pelos 500/600 euros se licenciado, mestrado e se tiverem sorte. E dura, e dura, e dura mais que as pilhas da Duracell…

Uma parte desta geração deu o salto. A minha ficou por cá. Uma parte substancial desta geração domina o inglês. A minha nem por isso. Boa parte desta geração domina as novas tecnologias. A minha anda às apalpadelas. Somos gerações diferentes? Todas o são. Esta só teve o azar de nascer num país constantemente adiado quando a minha nasceu num país que prometia ser um “el dorado” e se transformou num pesadelo. E não sei, com toda a sinceridade, o que é pior. Porém, existe uma diferença entre elas que pode vir a ser marcante: a geração 20/30 está melhor preparada para os desafios que se avizinham.

Porquê? É dos livros: quem nunca provou manteiga sobrevive melhor a comer apenas planta. Pois é, a minha geração foi habituada a comer manteiga e agora está verdadeiramente à rasca pois detesta planta. As novas gerações culpam as anteriores. As anteriores culpam as precedentes. Só que aqui a culpa não morre solteira: nós somos todos culpados. Pelas escolhas que fizemos e fazemos (e pelas omissões).

PS 1: Este é o meu texto 1000 no Aventar. Nem de propósito. Continua a ser um prazer dividir casa com tantos e tão bons. Obrigado Aventar, obrigado aventadores e obrigado a todos os leitores e leitoras 🙂

PS 2: Um ano depois continuo a estar onde estava. Citando de forma adaptada o outro: a notícia da minha mudança foi manifestamente exagerada…

Comments

  1. Rui Esteves says:

    Concordo com tudo excepto no título.
    Proponho antes “A manteiga e a margarina”.
    A marca Planta é-nos familiar – aos que têm mais de 40 anos – mas não será assim tão perceptível quando a Planta coexiste com a Flora e outras marcas de margarina.
    Lembro-me de um anúncio da tv em que uma rapariga dizia que comia o pão com Planta, que gostava muito e que era muito lambona. E lembro-me de comentar com os meus amigos que se a lambona experimentasse um dia comer manteiga, então teria um orgasmo.

    • Fernando Moreira de Sá says:

      Realmente, a “planta” é mais do nosso tempo. Obrigado.

  2. Ferdinand says:

    Uma das razões do porquê que o Fernando Moreira de Sá, a sua geração e as mais antigas não se sentem capazes de enfrentar a crise é porque não têm a coragem em questionar o modelo económico que lhes permitiu ter acesso a bens materiais e a carreiras.
    A geração 30 para baixo ainda teve acesso a algum materialismo, muito dele financiado pela geração 40 para cima, mas em termos de carreiras só têm conhecido precariedade, desemprego, baixos salários, exploração, vida adiada e insegurança, ou seja, neoliberalismo, logo, não morrem de amores por o modelo económico vigente (ou naquilo que acabou por evoluir) e têm mais facilidade em questiona-lo.

    Acredito que a Internet, até ver, é mais positiva do que negativa, as gerações que cresceram com o boom da electrónica terão mais predisposição para dominar as tecnologias do que as gerações que não tiveram acesso a elas, mas é preciso mais do que a Internet para solucionar os problemas actuais, para começar era necessário solidariedade entre gerações, coisa que não vejo pois ainda há tanta gente a apoiar partidos dominados por interesses oligarcas, como são o PS e PSD, e são as gerações 40 para cima que continuam apoiar estes partidos, talvez porque pensam que alcançaram uma certa segurança financeira e que isso se deve a esses partidos que sempre votaram. Podem até pensar assim mas gostava que a geração 40 para cima tivesse em conta que a degradação económico-social já os está a prejudicar, e duvido que alguém verdadeiramente acredite no “milagre económico” e que as coisas estão cada vez melhor, logo, não seria melhor deitar essas forças políticas para o caixote do lixo?

    Esta crise é, talvez, mais profunda que todas as outras crises que a humanidade alguma vez enfrentou, não é apenas económico é ecológico, é tecnológico, cultural mas acima de tudo moral.
    As exigências que se impõem à humanidade não têm precedentes, o esforço que será necessário para ultrapassar esta fase mais dúbia é colossal, e a maior de todas as exigências é que as pessoas, de todas as gerações, terão que ser pessoas melhores pessoas de forma a coexistir neste planeta, até porque é bom relembrar, ainda não têm outro onde viver…
    E com isto me questiono, será que o regime capitalista nos permite ser melhores pessoas, ou será que teve o seu tempo e temos que o deixar para trás de forma a podermos progredir enquanto espécie?

  3. “Vou mais longe, esta geração é bem capaz de ser melhor que a minha

    “Enfrentou e enfrenta uma das mais graves crises económicas das últimas décadas (e mais grave se se pensar na taxa de desemprego inacreditável nos jovens).”?!

    “Uma parte desta geração deu o salto. A minha ficou por cá.”

    “Boa parte desta geração domina as novas tecnologias. A minha anda às apalpadelas. ”

    “nós somos todos culpados. Pelas escolhas que fizemos e fazemos (e pelas omissões).”

    http://visao.sapo.pt/ascensao-e-queda-de-passos-versao-20=f758352

  4. pedro says:

    Hoje sabe-se que a manteiga não tem nada de inerentemente mau,a não ser que consumida em excesso. Gorduras saturadas são absolutamente essenciais para o correcto funcionamento do organismo, embora não convenha exagerar.

    A margarina pelo contrário, e apesar de toda a propaganda, é constituída essencialmente por ácidos gordos parcialmente hidrogenados, substancias que assentam como uma luva na definição de veneno. Não têm qualquer beneficio conhecido para o corpo humano, mas têm muitos, muitos malefícios.

    Infelizmente as pessoas reagiram de chofre à notícia “preguiçosa” de que as gorduras saturadas faziam mal, e, seduzidos pelo falso canto da sereia da Planta, correram de braços abertos para a alternativa que, afinal, fazia muito pior.

    Sem dúvida que aqueles que arquitectaram todas as manobras desonestas de propaganda que convenceram o povo português a trocar acríticamente alimento essencial por veneno são moralmente responsáveis pelas consequências de saúde pública que daí advierem.

    • Nightwish says:

      Ainda está a meio dos desenvolvimentos, o grande mal afinal são os hidratos de carbono e as gorduras trans, não as gorduras polissaturadas.

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