Eles “andem” aí…

caças

Os russos andaram aí. Voaram por cima de Portugal e, tal como Evo Morales, não chegaram a parar. O destaque no site da TVI24 é genial: “Ordem de interceção veio da NATO e foi até Cavaco. Pilotos portugueses expulsaram os russos do espaço aéreo de responsabilidade nacional por gestos.” Vejam bem o nível hollywoodesco da cena: Europa em pânico com a passagem ameaçadora de 2 aviões russos (pelos vistos eram 8 mas 6 assustaram-se com os aviões noruegueses e voltaram para trás), os gajos aproximam-se de Portugal, o comando da NATO eleva o grau de alerta e avisa a hierarquia de comando nacional até que a informação, classified, chega a Cavaco – queria dizer alguma coisa sobre este momento, mas a ideia do comunicado do comando supremo da NATO e chegar ao Cavaco é hilariante e inenarrável – os nossos caças levantam voo e expulsam os russos do nosso espaço aéreo. Com gestos. Mission accomplished. “Nem na Guerra Fria aconteceu“. Pois não. Nem em Hollywood quanto mais na Guerra Fria…

Podia seguir o caminho mais fácil e dizer o óbvio – que diferentes membros da NATO, com destaque para um ou outro mais “proeminente”, violam permanentemente espaços aéreos, soberanias e direitos humanos – mas prefiro focar-me em toda esta encenação, de parte a parte, que está a acontecer neste momento na Europa: russos e americanos numa perigosa brincadeira de medição de pilas. De fachada.

Há apenas algumas horas atrás, em Bruxelas, Kiev e Moscovo chegaram a um acordo para a retoma do normal abastecimento de gás natural à Ucrânia. Bruxelas, Kiev, Moscovo e a Gazprom claro. Sim, essa mesma que escapou às sanções da UE, que isto há sanções e sanções e a Gazprom até mete umas pastas na Champions. Quem também escapou às sanções dos paladinos da liberdade foi a Rosneft, a petrolífera estatal russa controlada pelo infame círculo oligarca de Vladimir Putin que continua a explorar petróleo no mar da Kara com a preciosa ajuda dos seus amigos da Exxon, os tais que financiaram Mitt Romney nas últimas presidenciais norte-americanas e que, perante a derrota do republicano, rapidamente se viraram para Obama com um simpático donativo para a sua tomada de posse.

Juro que não consigo perceber como a opinião pública engole esta fantochada: os russos são uma ameaça ao Ocidente, é preciso isolá-los com as mais variadas sanções e a passagem dos seus caças pelo espaço aéreo europeu é encarada como uma ameaça, mas o facto da sua companhia petrolífera estatal, controlada pelas mesmas pessoas que personificam essa ameaça, explorar reservas petrolíferas não só em parceria com a norte-americana Exxon como com a francesa Total, a inglesa BP, a italiana ENI ou a norueguesa Statoil não levanta qualquer tipo de preocupações, quer para os governos ocidentais, tão empenhados e sancionar Moscovo, quer para os defensores de uma acção mais musculada contra a Federação Russa. Será distúrbio mental colectivo?

Da mesma forma, os anunciadores da boa nova democrática não parecem minimamente preocupados com o facto do actual governo e presidente ucranianos serem fantoches de Washington, recrutados a uma extrema-direita de inspiração nazi, que em nada representam a liberdade que milhares de ucranianos andaram a reclamar nas ruas de Kiev nos últimos meses. Pior: europeus que souberam o que é sofrer às mãos do fascismo estarem na linha da frente da defesa destes radicais e de um presidente que não passa de um instrumento de política externa norte-americana. Pois, o problema são os caças, é a ameaça russa que paira no ar. O problema é Vladimir Putin, o ditador. Excepto, claro, quando o assunto é petróleo. É que invadir a Rússia como se fez com o Iraque não é assim tão fácil e os gajos até se dão bem com os credores do chefe.

Comments

  1. Tudo não passa de uma estratégia do Município de Peniche invejoso da publicidade que a Nazaré tem por causa da onda e do Mcnamara.

    • estou certo que será por ai. ou uma estratégia da própria Nazaré para assustar os russos. está a imaginar a cara deles a ver os nossos surfistas a surfar ondas gigantes? fugiam todos 🙂

  2. Portugal foi ontem invadido, não por aviões russos, mas por uma onda gigante de jornalismo ignorante que não faz a menor ideia das diferenças que existem entre “espaço de jurisdição de controle aéreo” e “espaço aéreo nacional”. E não foram só jornalistas principiantes; foram redacções inteiras, mais coronéis-comentadores, comentadores-comentadores, estrategos-comentadores, o Nuno Rogeiro naturalmente, enfim, o Portugal-que-conta em termos de comunicação social a espalhar-se ao comprido em prime-time e a mostrar à saciedade que não fazem a menor ideia do que é esse tal “espaço aéreo de jurisdição portuguesa”, que não tem nada, mas mesmo nada a ver com soberania ou com Espaço Aéreo Nacional e que quer dizer, tão-somente, que é o espaço aéreo internacional sobre oceanos em que Portugal assegura o controle de tráfego aéreo. As histórias ontem inventadas chegaram ao ridículo de pôr os pilotos dos caças portugueses a fazer “sinais com as mãos” para indicar aos colegas russos que se “fossem embora”, isso mesmo, nem mais, mas também que Portugal “expulsou do seu espaço aéreo…etc.”. Tudo isto que afinal se resumiu a este simples facto: Aviões da NATO, entre os quais F-16 portugueses, vigiaram a movimentação de aviões militares russos sobre o Atlântico. O resto é… “informação”!

    • é basicamente show off para fins de entretenimento Luís! Seria a esse jornalismo que Passos Coelho se referia quando falava em “preguiçosos” e “patéticos”? é uma hipótese…

  3. Portugal integra uma missão NATO de vigilância do espaço áereo dos países do Báltico. Esses países fazem fronteira com a Rússia. Cada vez que uma aeronave se aproxima da fronteira, nem precisa entrar no espaço aéreo do vizinho, já outras aeronaves levantaram voo para cumprir a missão de vigilância. Era o que faltava se assim não fosse. Há décadas que funciona desta maneira, mas agora é notícia. Os pilotos não obedecem a Portugal, mas ao comando NATO que integram, por isso Cavaco não dá ordem nenhuma em teatro de operações, em situação de crise iminente. Mas enquanto comandante supremo das Forças Armadas, que o é, será natural que receba relatórios classificados. Era o que faltava se assim não fosse. Portugal cumpre uma missão, não alugou aviões que eu saiba.
    O que não percebo é o relevo que estas notícias têm, mas devem estar relacionadas com algum complexo provinciano, afinal não entramos em combate aéreo faz décadas. E felizmente que assim é! Mas enfim, foi o mesmo nos balcãs quando o exército patrulhou umas ruas, mesmo sem combater… Lá andava a televisão a filmar umas patrulhas.

    • Nem eu disse que dava António. Só achei piada à ideia do senhor Aníbal e receber uma comunicação de “estado de sítio”, que foi mais ou menos o que a comunicação social nos tentou vender.

  4. Em relação ao incidente desta manhã ao largo de Peniche, ao que parece o mesmo ocorreu em águas internacionais, logo o incidente tem semelhanças com o que aconteceu há dias no Báltico. Se patrulhamos céus fora do espaço aéreo russo ao longo da fronteira, porque não haverão eles de fazer o mesmo. Faz recuar aos tempos da guerra fria? Sim! Mas é mera exibição de parte a parte…

    • aí estamos de acordo: isto não deixa de ser puro show-off. tal como as sanções ou as supostas relações “tensas” entre Washington e Moscovo. Se assim fosse, não haveriam tantas “parcerias” como existem hoje.

  5. joao lopes says:

    consta que o putin gosta muito do nani(o do sporting).na verdade os pilotos russos são “olheiros” do zenit. parece que já estou a vêr,o nani a chegar a moscovo ,de bombardeiro,com milhares de russos(e russas) em delirio.lindo…

  6. Américo Montez says:

    Mandem os submarinos !!! Mandem os submarinos !!!

  7. Zé Povinho says:

    Acordei com a música “Russians” de Sting na cabeça. As (muito) recentes notícias da presença de aeronaves russas nas zonas de responsabilidade portuguesa – e consequente intercepção pela Força Aérea Portuguesa das mesmas – veio como que acordar alguns compatriotas. Pondo de parte o excessivo mediatismo e alarmismo de algumas notícias, a utilidade de ter um sistema efectivo de defesa aérea deixou de estar em causa. Afinal não estamos naquele canto seguro da Europa. Afinal é possível entrar em espaço aéreo de responsabilidade nacional. Afinal convém ter malta treinada para isto. Daquela que custa muitos milhares a treinar.
    A efectiva ameaça militar destas incursões é baixa. Mas é representativa de como em geopolítica se joga um bom poker. Ou xadrez no caso russo, como dizia Kissinger. Portugal tem de definir politicamente – de uma vez por todas – qual a posição e qual a capacidade que queremos ter no mundo presente. Se queremos ser jogadores de xadrez, ou se queremos estar na plateia a contar os minutos. Em geopolítica não existem espaços vazios. Não existe o zero. O vazio. Se não formos nós a ocupar – e a defender – o nosso espaço alguém o fará por nós. Se não forem os nossos F-16 serão os F/A-18 espanhóis. Ou os EF2000 ingleses. E aí não faltariam aqueles que criticariam a nossa falta de capacidade. Os mesmos que provavelmente agora criticam o facto de ela existir. Paradoxo nacional.

    Temos a maior zona de responsabilidade aérea – e naval – de toda a Europa. A nossa plataforma continental está prestes a tornar-se gigantesca. A nossa ZEE é imensa. E o que é nosso deverá ser defendido por nós. Com Homens. Com treino. Com equipamento. Esse que dizem que sai caro. No mar, no ar, ou em terra.

    Quando alguém me pergunta, indignado, “porque raio temos 2 submarinos?” eu geralmente respondo “Epah, também não entendo, devíamos ter 4!”.

    E 4 eram pouco.

    • este tipo de defesa é meramente protocolar. não existe qualquer hipótese da Rússia declarar guerra a Portugal. e estar abrigado no guarda-chuva do imperador deve servir para alguma coisa, não?

      quanto ao equipamento militar, o problema costuma ser a forma como é adquirido (e o nível de corrupção envolvida) e não a sua utilidade. faz sentido que o exército esteja bem equipado. sem exageros megalómanos mas bem equipado. mas no que toca à nossa defesa, nós somos um membro da NATO e isso significa estar, no contexto actual, protegido de hipotéticas ameaças menores e muito menos equipadas como a Federação Russa. a verdadeira guerra contra o Kremlin trava-se nos mercados internacionais do petróleo.

    • fartodisto says:

      Provavelmente, com o dinheiro dos dois submarinos era possível adquirir 6…..e ainda ficar habilitado ao sorteio do AUDI, se a papelada não desaparecesse!….

  8. Só uma dúvida: quem é esse Cavaco?

  9. niko says:

    somos pequeninos na inteligencia mas somos grandes nos disparates. os bambardeiros russos fugiram com medo do ministro da defesa

  10. Mandem o drone tuga atrás dos russos…

  11. Marquês Barão says:

    Não serão Espanhóis disfarçados?

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