Será que percebemos aquilo que está em jogo?

desigualdade

Um relatório da OXFAM tornado público na semana passada revela, entre outros indicadores esclarecedores sobre a situação de assalto global a que continuamos a assistir, que um imposto de 1,5% sobre as fortunas dos 1654 bilionários que existem no planeta em 2014 – há 5 anos eram “apenas” 793, menos de metade, mas as crises financeira têm destas coisas – resultaria numa colecta de 74 mil milhões de dólares o que, nas contas da organização, seria “dinheiro suficiente para preencher as necessidades de financiamento para pôr cada criança na escola e para introduzir serviços de saúde nos países mais pobres do mundo“.

Isto devia fazer-nos pensar. Mas sobretudo devia fazer pensar as 1654 pessoas que possuem mais do que 890 milhões de euros nas suas contas bancárias. Não é ter nada contra eles serem ricos até porque também existem ricos honestos e de valor. Não serão muitos mas existem e não devem pagar pelos erros dos gangsters da Forbes. Mas estas não são pessoas com uma boa casa, 2 carros de alta cilindrada, filhos no colégio privado e férias no Brasil. Isto é malta com aviões privados e ilhas, e muitos deles viram a sua fortuna aumentar exponencialmente pelo mesmo motivo que a nossa economia afundou: especulação, manipulação de mercado, deterioração das leis laborais, privatizações ideológicas.

Em Portugal o fosso também continua a aumentar, e ao permanente empobrecimento da sociedade no geral continua a corresponder um aumento do número de milionários e da concentração da riqueza in the hands of the few, independentemente do pasto com que a direita no poder alimenta a sua carneirada. A desigualdade é cada vez mais evidente, a corrupção respira saúde, as promiscuidades entre política e negócios prosperam, sendo que o mais recente episódio do mercado de transferências ente o sector público e o privado é ilustrativo desta prosperidade, e a justiça continua a ser muito tolerante com o poder, acumulando prescrições em criminosos de colarinho branco em liberdade. Mas ainda mais dramático e verificar o recente relatório da UNICEF que conclui que “as crianças são o grupo etário em maior risco em Portugal“.

Para onde caminha a nossa sociedade? Estaremos condenados a ser uma terra de cegos governados por pessoas com um olho? Por quanto tempo mais iremos suportar as evidências de um sistema desigual e manipulado? Será que a determinado ponto as massas tomarão consciência de que esta situação não é inevitável? E a seguir? Revolta? Violência? Caça as bruxas? É que a ascensão de forças políticas posicionadas nos extremos do espectro, do grego Syriza à Frente Nacional francesa, parecem indicar que existem mudanças em curso cuja dimensão e alcance é ainda difícil de prever. Em Espanha emerge um fenómeno chamado Podemos, cujas mais recentes sondagens sobre a intenção de voto de nuestros hermanos colocam este novo partido à frente do PSOE e do PP. E por cá? Quanto tempo mais iremos engolir a farsa do bloco central de interesses? Muitas questões, poucas respostas e apenas uma certeza: o tempo é de mudança. Estará Portugal pronto para mudar? Ou seremos, uma vez mais, os últimos a perceber aquilo que está em jogo?

Comments

  1. Santinho says:

    Por cá é a comunicação social quem mais ordena e nos intervalos do Benfica, da novela e do big brother, a propaganda aos partidos que lixaram isto tudo é rainha. E fora da TV não há vida em Portugal. PODIAMOS? Claro, até já fizemos o 25 de Abril. Mas hoje quem sairia à rua para apoiar uma revolução? No sofá é que se está bem a ouvir o Marcelo, o Marques Mendes, o Sócrates ou o Medina Carreira. Tudo gente com provas de competência dadas e que vale bem a pena escutar com atenção. Ou então os bem falantes especialistas em tudo o que seja lixar o Zé Povinho como J. Gomes Ferreira ou Camelo Lourenço. Nisso é o nosso povo competente.

  2. antonio oliveira says:

    Quando era garoto ouvia dizer, frequentemente, que o atraso civilizacional de Portugal em relação à Europa e aos Estados Unidos era, mais coisa menos coisa, de 40 anos. Seguindo este raciocínio seremos uma vez mais os últimos. Por outro lado, não creio que razões políticas ou de cidadania sejam suficientes para arrancar o Povo Português do seu proverbial comodismo.

    • Tem que começar por algum lado. O 25 de Abril foi cozinhado durante décadas de clandestinidade. hoje existem outras ferramentas mas será sempre um processo demorado.

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