A grande mentira

Pedro,

Soube ontem do seu regozijo pela alegada descida do desemprego no país. Li o título e pensei que também podia chamar-se “a farsa”, ou “a fraude”, aquela peça que até seria cómica se não fosse trágica. Era já noite, moro a uns 150 km da sua realidade,e nunca tive o prazer de me cruzar consigo para lhe apresentar a outra, em que vivem milhares de portugueses – obviamente piegas e inevitavelmente acima das suas possibilidades, pois que insistem em comer todos os dias e em sobreviver, de forma por enquanto irrevogável.

Por isso lhe conto por aqui que se enganou. Que o andam a enganar. O desemprego não é menor, meu caro. Os números é que não o traduzem. Sabe quantas pessoas das muitas que conheço – e que ficaram desempregadas nos últimos três anos* – conseguiram trabalho de novo, com direitos e garantias? Nenhuma. Muitas deixaram de fazer parte dos números do IEFP mal terminou o subsídio de desemprego. Deixaram de ser desempregadas? Não! Só deixaram de contar. Algumas engrossaram a carreira da precariedade, pagam segurança social e tudo, mesmo quando os recibos que passam em troca de honorários não chega para o gasto. Não dá a burra para a cura, como diz o povo.  Outras mantiveram-se inscritas, à espera de um e-mail, de uma carta, de um contacto. Nada. Certamente os Centros de Emprego estão muito ocupados a verificar se esses malandros dos desempregados andam a apresentar-se quinzenalmente nos GIP’s ou nas Juntas de Freguesia. E por isso não sobra muito tempo para rastrear o que ainda sobra de trabalho e para que perfil.

E depois há as outras, as exaustas. As que perdem todos os dias mais um bocadinho de esperança; que, com sorte, têm avós para olhar pelos filhos, para mandar lanches e actividades, para que eles não percebam já que isto é uma falácia, que essa conversa de estudar e ser aplicado para ter trabalho quando forem grandes é como a história da carochinha, que no final acabamos todos dentro do caldeirão.

E há ainda a maior fatia: os que emigraram. Foram tantos, Pedro. Foram tantos que deixaram os velhos sozinhos, que levaram os filhos com eles para países onde vivem maioritariamente tristes, a contribuir todos os dias para degradar as leis do mercado, baixando para mínimos os salários de uma Europa que vai asiatizando aos bocados. Pensando bem, Portugal ainda deveria ser condecorado por isso. Por ter consolidado tão bem esse esforço.

Já quase me esquecia daqueles que, estando inscritos, acederam frequentar aquelas acções de formação do IEFP. “São cursos em que a senhora aprende a ligar e a desligar o computador, e pouco mais”, disse-me um dia uma funcionária de um Centro de Emprego, quando eu era um número e ainda contava para as estatísticas. “Mas tem a vantagem de não ter de fazer apresentações quinzenais”. Pois. Há esses e há os outros, dos cursos prolongados, como a minha amiga A, cheia de experiência em secretariado e contabilidade, cansada de enviar currículos sem resposta e rendida agora a tentar a vida como esteticista. É um número, ela, mas agora já não conta.

E eis-no chegados a esta meta histórica dos 13,1% (má vontade do INE, que podia ter arredondado). Diz você, Pedro, que “esta descida deve-se ao empreendedorismo dos empresários, aos trabalhadores e às reformas laborais”. Eu quero ir morar para esse país. A sério que quero. Quero ligar aos amigos e ouvir alguém dizer a alguém  que já arranjou emprego. Quero deixar de ouvir as propostas indecentes que os ditos empresários ( a que chama  de empreendedores ) fazem todos os dias, lembrando sempre que “é melhor ter isto que nada…e olhe que há muita gente que se governa com menos”. E há. Só que não contam. Pergunte à Cáritas e à Conferência São Vicente de Paulo quantas refeições servem e como aumentaram os pedidos de ajuda. Pergunte nas escolas sobre os meninos que não levam lanche. Pergunte nos hospitais quantas urgências deixaram de atender desde que as taxas moderadoras duplicaram, logo a partir dos 12 anos. Pergunte também às piscinas municipais deste país quantos miúdos deixaram de aparecer. E nas colectividades, que viviam das actividades para os pequenos.

E depois disso, vá dar uma voltinha na sua lambreta.

Comments

  1. Ana Syder Fontinha says:

    É tudo tão tristemente verdadeiro, tão realmente sentido, tão pungentemente violento, que nem sei o que dizer. Acho que não há palavras que cheguem para exprimir a minha revoltada concordância, a minha triste anuência, nem a minha enorme vontade de saber como influenciar os que mandam, os que ajudam quem manda, a abrir os olhos para a realidade do que efetivamente se passa no nosso país – no país real, e não o dos “contos de fadas parlamentares”, nem o das alegorias dos corredores e das salas de quem manda.
    Subscrevo, com muita pena. Pena, por termos chegado a isto.Pena, de viver num país em que a solidariedade se transformou num bem de 1.ª necessidade, e em que a fome, a tristeza, o medo fazem parte do dia a dia da maior parte dos portugueses.

    • Ana, é como diz a Raquel Varela: a pessoas estão exaustas. Veja como deixaram, até, de se manifestar nas ruas.

      • Ana Syder Fontinha says:

        Tem toda a razão, Paula. O desânimo grassa, criando as condições para que algo de pior se possa vir a instalar. Mas é como diz a Raquel Varela, efetivamente: já não há forças, já não há vontade, até, para mais manifestações que, de mal aproveitadas, infelizmente não conduzem a nada… Compreendo, mas não posso deixar de sentir pena, como deve calcular. E, quando refiro pena, não estou a falar da “peninha”, nem de “coitadinhismos” que odeio. É uma pena que vem das entranhas, uma pena que está a ponto de explodir: pena de todos nós, por todos nós, pelas gerações atrás e à frente de nós… É uma mistura de revolta e de pena, se quiser. Será também desânimo?
        Confesso que tem também um misto de vergonha: criámos uma geração de políticos-monstros, nascidos e crescidos nas fileiras partidárias, que, provavelmente, pouco ou nada sabem do mundo real, pois nunca tiveram de viver nele…

  2. caroxo says:

    isto da “baixa” do desemprego só para quem lê as letras gordas até resulta…. agora se formos a ler a fundo…
    se uma pessoa andar minimamente informada… basta ler só as letras gordas para perceber que andamos a ser enganados.
    Quanto ao povo português…. como povo não somos povo, somos nada e isto vai se afundando afundandado até que bata à nossa porta, quando bater …epahhh se calhar devia ter feito qualquer coisa antes… e agora? agora como restos quando os tenho…

  3. Sandra Jorge says:

    só agora vi que o texto era teu paula! muito bom, como sempre, aliás! beijo

  4. Gostei de tudo que escreveu Paula. Deduzo que o último parágrafo não exprime o seu desejo. É a “liberdade” que os loucos defendem, que conduzem ao que também descreve.

  5. A CORJA NO SEU ESPLENDOR. O SANTANA ANDA A FAZER-SE A CANDIDATO MAS O PASSOS-QIE-ABRE-TODAS-AS-PORTAS AINDA RUMINA EM VOLTAR A PÔR COMO CANDIDATO O FERNANDO NOBRE

  6. Vou encaminhar para o Pedro que suponho seja o agora bem comportadinho Jonef no masculino ,muito amigo dos “pobezinhos” QUE TOPETE

  7. Paula. O Pedro, os Pedros, merecem um par de estalos daqueles bem sentidos, com alma, bem do fundo do estomago azedo e atado de tanto penar no trabalho ou não trabalho. O Pedro das oportunidades merecia que lhe dessem uma chance de sentir o que é ter oportunidade reais como as nossas em que o IEFP se limita a envia uma carta a indagar se queremos continuar inscritos no mesmo sem que tivesse uma unica vez sugerido alguma acção ou oportunidade, uma unica e então surge o porque devo continuar inscrito e é o deixa andar que não vou por aí. Paula tocou-me saber que há alguém que também desconfia do desemprego. É impossivel atendendo ao numero de pessoas que desaparecem na minha freguesia, o nº que estão parados à espera de uma oportunidade que não aparece nem há por mais que procure porque as oportunidades têm que existir, não é? Tiro-lhe o chapéu, respeitosamente.

  8. jakim says:

    a verdade, verdadinha, é que o povo portugues irá votar OUTRA VEZ no PS ou PSD. E portanto, leva com o que merece. ( Lamento dizer isto, mas é verdade)

  9. Daniela Pinho Silva says:

    Concordo com tudo menos c a frase dos emigrantes viverem tristes… É verdade que nos primeiros tempos é complicado mas se tudo correr bem chega a um momento que o mais complicado em viver num país estrangeiro é não ter a família (avos, tios/as e primos/as) por perto e talvez a língua… Emigrei ha 6anos e sou feliz neste país que me acolheu.

    • Fico contente cm o seu exemplo, Daniela. Mas não consigo ver nele a regra, antes parte de alguma excepção. Tenho vários amigos que emigraram, todos com miúdos mais ou menos pequenos. Todos julgavam que os miúdos iriam adaptar-se bem. Ledo engano. Adaptam-se melhor que os pais, sim, mas é muito difícil. Passado um ano, um deles pergunta todos os dias quando voltam para casa. Como vivo de perto o drama dos pais que ficaram (sozinhos, sem filhos nem netos, alguns acabados de regressar de uma vida no estrangeiro), isto custa-me particularmente.

  10. niko says:

    Pedro o aldrabão.

  11. Maria Ramalho says:

    Muito bom, levei, obrigada.

  12. J MARQUES says:

    agora frequentas cursos e fazes apresentação na mesma.

    Adoro o ar de gozo do sfuncionários do IEFP de Coimbra

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