Gorduras: a história de um Parlamento cada vez mais obeso

político obeso

(foto roubada a um artigo do João José Cardoso altamente recomendado no âmbito das origens da problemática da mordomia política)

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Enquanto a propaganda da escumalha nos continua a vender uma governação cada vez mais rigorosa que contém a despesa ao mesmo tempo que opera um milagre económico que faz de Portugal um país melhor cujo único problema é ter pessoas que estão pior, o mundo real vai-nos dando chapadas diárias na cara, chapadas essas que pouco ou nada afectam o eficazmente domesticado português, sempre ocupado com questões prioritárias como a rotatividade de Lopetegui, as polémicas curvas de Jéssica Athayde ou esse “curral” a que dão o nome de Casa dos Segredos (notem que o termo “curral” foi usado precisamente por um concorrente do reality show fazendo referência à saída das concorrentes femininas do seu quarto – “as vaquinhas saíram do curral” – termo que foi de resto imediatamente incorporado pelas simpáticas concorrentes que imediatamente cantaram a sua bovinidade). Ser aldrabado é fetiche nacional e contra factos não há argumentos. São desígnios.

E o que temos de novo no mundo do assalto permanente ao contribuinte? Coisa pouca. Apenas uma pequena migalha destinada aos suspeitos do costume: os nossos eficientíssimos deputados. Segundo o site da Associação Sindical dos Juízes Portugueses – a informação não despertou grande curiosidade nos jornais portugueses, apenas do inenarrável Correio da Manhã que me recuso a hiperligar – o orçamento para viagens do grupo de 230 deputados portugueses ascende a 3,5 milhões de euros para 2015, mais 7,5% que o valor orçamentado para 2014 e que rondou os 3,3 milhões de euros. Estamos a falar de uma média de 15 mil euros por deputado para viajar durante um ano.

Segundo fonte da AR, este aumento deve-se ao aumento do preço dos combustíveis e ao profundo impacto desse aumento no “magro” orçamento dos deputados. Mas serão estes os únicos funcionários públicos a sentir este agravamento? Então e outros profissionais frequentemente sujeitos a migrações, como, sei lá, os professores? Será que também estes serão sujeitos a actualizações semelhantes? Claro que não. Nem actualização nem ajudas de custo por cada almoço que decidem fazer noutra cidade, almoço esse também pago pelo mesmo otário que agora suporta este novo aumento da mordomia parlamentar. O governante é o único funcionário público que tem uma ajuda de custo para cada passo que dá, nem que tenha que aldrabar a sua área de residência, situação recorrente mas amplamente tolerada.

Claro que a festa não fica por aqui que isto de ser deputado traz sempre muitas benesses, por mais estúpidos, inúteis ou corruptos que sejam. Para além do aumento do orçamento para o passeio, haverá também um aumento nas ajudas de custo. Dos 2,9 milhões de euros orçamentos para 2014, as ajudas de custo garantidas aos senhores deputados crescem cerca de 3% para pouco mais de 3 milhões de euros. Actualmente, e para uma deslocação no país, os deputados recebem cerca de 69€ por dia em ajudas de custo. Fora do país o valor avança para pouco mais de 100€. Mas… se o deputado tem comunicações garantidas e um orçamento generoso para deslocações, para que servem este 69€/100€? Resposta: para comer e beber. E convenhamos que, não raras vezes, os municípios e empresas onde estes deputados se deslocam oferecem-lhes almoços e jantares. Sim, para alguns existem almoços grátis. Também quer? Inscreva-se já no Largo do Rato ou na São Caetano e se for um bom boy poderá habilitar-se a viver à pala do contribuinte até ao final da sua vida enquanto aufere um vencimento acima dos 3 mil euros para férias em ilhas paradisíacas e outros pequenos luxos.

Será que estes 6,5 milhões de euros (total orçamentado para deslocações e ajudas de custo em 2015) têm impacto significativo nas contas públicas? Claro que não. São peanurs como diz Jorge Jesus. Mas num país onde a desigualdade reina e onde os cortes salariais e carga fiscal são cada vez mais violentos para o cidadão comum, o exemplo despesista dos nossos parlamentares mais não é que uma afronta a uma sociedade cada vez menos coesa e mais revoltada. Um convite à desobediência civil. É que passar de um orçamento de 2,78 milhões em 2005 para 3,5 milhões em 2015, algo que se traduz num aumento de 720 mil euros (26%!!!) só para deslocações (cerca de 3100€ a mais em média por deputado) é gozar com a cara dos portugueses. São obesos mórbidos que nos exigem dietas enquanto se lambuzam com gorduras e mais gorduras. Será este o país que está melhor a que Luís Montenegro se refere?

Comments

  1. Há muitas razões para ser algo dissidente face ao regime mas as despesas parlamentares são um motivo algo “magro”. É como dizer que o cancro é mau porque pode causar a queda de cabelo.

    • não é uma questão de dinheiro Harmódio. E isso está muito claro no texto. É antes uma questão de exemplo, de contraste.

      • Caro João (espero que não leve a mal o tratamento mais informal), eu entendi que não é isso que está em questão no seu texto. Mas os exemplos podem ser enganadores, levam as pessoas a pensar que os eleitos absorvem os fundos disponíveis quando a verdadeira teia de interesses é muito mais vasta e complexa. No fundo pode levar a criar bodes expiatórios (se nos livrássemos de meia dúzia de malandros…). Não se entenda pelas minhas palavras que estou a dizer que os deputados são o mais digno exemplo da democracia, antes pelo contrário. Simplesmente não gosto de simplificações que possam induzir em erro quem lê. Quantas vezes não são esses exemplos usados para tentar reduzir a representação política real a dois partidos?

  2. Mas a pergunta não deve ser: e se não houvesse AR, o que mudava no país?

  3. José almeida says:

    Estamos habituados que o governo engane toda a gente com a sua interpretação dos dados disponíveis. Mostram o que lhes interessa, interpretam à sua maneira, e iludem o povo acenando um futuro melhor que ninguém consegue enxergar. Não me parecem “peanurs”. É exactamente nestas e noutras “pequenas coisas” que se percebem as verdadeiras intenções destes ridículos governantes. Numa altura em toda a gente poupa em tudo (água, luz, comida, passeios, vestuário, material escolar….. etc, etc…. é um rol de gastos onde a cada dia se acrescenta um novo), é vergonhoso assistir a isto. Este “insignificante” aumento para deslocações, são as manchas na pele de um governo canceroso com metáteses por tudo o corpo. CANCRO, CUMPRE O TEU DEVER.

  4. joao lopes says:

    a isto chama-se as “gorduras do estado”,que não são cortadas e até engordam(ex:carlos abreu amorim)

  5. Quod erat demonstrandum…

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