Apagar fogos com combustível…

Várias vezes aqui tenho criticado a intervenção do Estado na economia. Esta funciona quando o Estado se remete ao papel de legislador, permitindo que o mercado funcione, deixando aos Tribunais o papel de corrigir eventuais erros ou punir os prevaricadores. Desafiado há dias pelo João Mendes a emitir opinião sobre a Reserva Federal, sobre esta digo que é um banco central, braço governamental que tudo distorce, funcionando ao serviço de políticos e empresas privilegiadas, ou seja as que financiam campanhas ou mantêm alguma proximidade com os corredores do poder. Não existem almoços grátis e há sempre algum retorno do investimento.

A banca é um sector de actividade como qualquer outro. Ou deveria ser. Já aqui defendi que poderiam falir sem problema como qualquer empresa. A actividade bancária na sua essência é algo simples, as pessoas confiam o seu dinheiro aos bancos, estes emprestam a outras pessoas que dele necessitam para investir ou consumir. Funcionaria em equilíbrio, quanto maior as poupanças, maior a disponibilidade da banca para conceder crédito, menor a taxa de juro. O inverso será naturalmente verdadeiro, uma menor poupança leva à menor oferta e subida nas taxas. Mas não existe um livre mercado quando existem bancos centrais. Porquê? Porque a taxa de juro não é determinada pela disponibilidade de oferta, pelo livre mercado, mas por decisão administrativa. Ao colocarem as rotativas a funcionar injectando dinheiro mercado sem sustentação real, os governos procuram baixar o juro para estimular consumo e investimento. O resultado é um crescimento inicial graças a um excesso de consumo que não é sustentável, pois graças ao dinheiro barato os riscos são mal calculados e boa parte dos investimentos vão falhar. A própria inflação é financiada com esse dinheiro, pois todo o ciclo demora mais tempo a ser ajustado. O pecado original foi a concessão de crédito de dinheiro inexistente. Levou a uma bolha e depois à inevitável recessão. Querem exemplos, observem como se chegou à crise em 2008. E qual tem sido a resposta do FED ou BCE? Injectar ainda mais crédito, baixando o juro a mínimos históricos. O que tem significado financiar bancos fracos ou falidos. E adivinhem quem acaba pagando a factura? Desde que se abandonou o padrão ouro que os ciclos económicos não são respeitados, mas o padrão ouro limitava o poder dos governos, dos políticos que por norma estão dispostos a hipotecar o futuro por alguns ganhos imediatos e dos grandes interesses económicos que andam sempre de mãos dadas…

Comments

  1. Muita coisa para tão pouco espaço. Cabe sempre aos estados definirem as regras do dito mercado, a perversão está na inversão desta relação, em que o económico estabelece os parâmetros do jogo social. E precisamente por isto acontecer é que tivemos duas décadas e meia de desregulamentação agressiva, motivada por interesses económicos e não ideias políticas. O que levou aos tais packs de produtos securitizados que acabaram por ser detidos por entidades que anteriormente teriam impedimentos legais a fazer tais investimentos. Mas as leis já não estavam lá. Estava apenas a mão da providência “auto-reguladora”.

    Quanto aos bancos centrais terem ajudado bancos problemáticos a questão será sempre saber se uma vez que a bola de neve começasse a rolar qual seria o tamanho da avalanche. Haveria hoje mercado financeiro? E dada a falta de legislação para isolar instituições de depósitos parece bastante provável que em muitos países isso levasse a uma destruição de poupanças quase total. Claro que quem adoptar a teoria da “destruição criativa” pode achar isso muito desejável mas depois então que assuma a responsabilidade e vá explicar directa e pessoalmente aos cidadãos porque é que estão a passar fome – aí até os mais vociferantes economistas “liberais” acham que tal função corresponde ao poder político.

    Dito tudo isto é óbvio que nos países periféricos foram resgatadas instituições não basilares para o sistema e isso parece prender-se com uma teia de relações, nada claras, entre carreiras políticas e empresariais, laços familiares e esquemas mesmo ilegais. Algo que nenhum partido em Portugal alguma vez sequer tentou regulamentar e muito menos punir. Não está no DNA do sistema aprender com os seus erros ou ter ideias próprias.

    Nota: o padrão ouro não é uma cura milagrosa. Nunca impediu crises cíclicas, inflação ou escassez de bens. Nem pode resolver a falta de legislação e fiscalização que existe em alguns cantos do sector financeiro. Além do que é claramente impossível um retorno a tal padrão. Não há nação à face da terra que tenha metal em quantidade suficiente para corresponder à sua emissão de moeda papel.

  2. Nota: o padrão ouro não é uma cura milagrosa. Nunca impediu crises cíclicas, inflação ou escassez de bens. Nem pode resolver a falta de legislação e fiscalização que existe em alguns cantos do sector financeiro. Além do que é claramente impossível um retorno a tal padrão. Não há nação à face da terra que tenha metal em quantidade suficiente para corresponder à sua emissão de moeda papel.

    De acordo no diagnóstico. A razão que nos trouxe até aqui foi precisamente a possibilidade que governos e políticos exploraram até ao limite para evitar crises. O resultado foi sempre o mesmo, uma bolha que mais tarde ou mais cedo…
    A questão é que o mundo não é perfeito. Nunca o foi, dificilmente o será. Responder às crises que existem, porque a economia é cíclica e terá sempre que se ajustar em determinado momento, não funciona. E porquê? Porque todos os políticos querem adiar, chutar para a frente o momento em que ajustes serão necessários…
    Ora quando não se fazem ajustes a bem, em devido tempo, mais tarde terá de ser à bruta, passe a expressão, de forma mais dolorosa.
    Uma coisa lhe garanto, milagres não existem, o mundo jamais será cor de rosa. Se tecnicamente fosse posível aumentavam-se exponencialmente os salários, imprimia-se dinheiro sem parar, pagavam-se as dívidas e todos viviam felizes para sempre. Mas não funciona assim…

  3. A razão que nos trouxe aqui foi a comercialização da vida social e política, que se transformaram num anexo da gestão de algumas entidades privadas. Não foi uma ideia política permitir a securitização de tudo o que mexe. Não foi um ideal político que levou à desregulamentação de entidades base do sistema bancário. Foi o interesse privado de alguns que não teve os freios políticos e legais que em tempos existiram. O mundo não é de facto perfeito mas esta forma de objectificação das pessoas e valores (através da anulação existencial da Política) não ajudou em nada a torná-lo melhor, pelo menos para a maioria.

    Uma coisa também posso garantir, sem regresso a um firme controlo político de alguns elementos económicos de valor estratégico não há qualquer hipótese de estabilidade. Podemos viver todos felizes na ilusão que o que se passou desde de 2008 foi um acidente de percurso, mas não foi.

  4. Harmódio, este pequeno texto também ajuda a perceber o funcionamento dos mercados:

    Por que é que os abrigos fiscais são geralmente países pequenos?

    Pequenos, grandes ou médios, todos os estados precisam de receitas fiscais. Mas os estados de países pequenos podem obter receitas descomunais, relativamente às suas despesas, se reduzindo a taxa de imposto sobre as empresas quase a zero conseguirem convencer muitas empresas a instalar a sua sede fiscal no seu pequeno território. Taxa pequena sobre muitas e grandes empresas equivale a receitas fabulosas para estados de países pequenos.

    Já os estados dos países grandes não podem fazer o mesmo. Se descerem a taxa sobre todas as empresas conseguirão atrair algumas, mas a receitas do pequeno imposto pago pelas empresas atraídas não compensaria a perda de colecta de todas as outras que já lá estão sediadas. 

    Mudando de poiso as empresas deixam praticamente de pagar impostos, e os estados, à excepção dos parasitas, passam a não conseguir colecta-los. Qual é a consequência? Os estados, à excepção dos parasitas, voltam-se cada vez mais para os rendimentos do trabalho e das pensões como fonte de receita.

    Nada disto faz sentido, mas na União Europeia é assim. A União Europeia que fixa em tratados os montantes dos défices e das dívidas e retira aos parlamentos a prerrogativa de deliberar sobre os Orçamentos do Estado é não só incapaz de se desparasitar, como promove a presidente o chefe de um governo parasita. 

    Caro Sr. Juncker vamos lá ver como é: nós ficamos com os estragos do grupo Espírito Santo, o seu pequeno (mas muito amigo) país fica com os impostos?

    José M. Castro Caldas às 16.11.14

    • Adenlinoferreira45, o texto é sem dúvida algo útil para perceber as disfunções da UE mas não chega. E não chega porque não conta a história toda, com todos os detalhes feios. Se é verdade que de um ponto de vista do interesse “nacional” (uso aspas porque muitos paraísos fiscais não cumprem de facto o critério de qualificação para serem nações) os pequenos estados podem beneficiar esta guerrilha financeira também é igualmente verdade que politicamente são entidades nulas, sem peso real. A sua própria existência física é um acto de tolerância por parte dos seus vizinhos de maior dimensão e poder. Sem o apoio tácito dos grandes países a sua própria existência ficaria em dúvida. A grande pergunta é: se estes microestados que se são paraísos fiscais dependem da aprovação de terceiros para operar e existir então porque é que os seus vizinhos não bateram o pé e ditaram as regras? Não me parece que existam muitas respostas possíveis a esta pergunta. É conveniente às elites desses grandes estados ter estas anomalias legais e políticas. É ainda mais conveniente quando os escândalos estalam poderem plausivelmente negar o seu envolvimento.

  5. Nightwish says:

    O António mostra que nada aprendeu desde 2008. É pena… Para não dizer muito, quer não é a minha área e arrisco-me a dizer mal as coisas, fico-me por aqui.

    “Se tecnicamente fosse posível aumentavam-se exponencialmente os salários, imprimia-se dinheiro sem parar, pagavam-se as dívidas e todos viviam felizes para sempre. ”
    Tem noção de quem imprime sem parar a rácios que chegam até 40x mais do que a riqueza existente? Se ainda andassem a definir a inflação havia de ser bonito…

  6. Hélder Pereira says:

    Quem tem posto as rotativas a andar parece que é o Sr.Obama. E em comparação com o marasmo europeu diria que não se tem dado mal. Este Europa “berlinense” míope de tão má memória de Weimar e tanto medo do papão da inflação, acaba por cair na armadilha oposta: A deflação. Entretanto, o BCE vai continuar a distribuir dinheiro grátis (ou quase) para os grandes bancos sabe Deus para fazerem o quê e aqui o mexilhão é quem o paga a 3, 4 ou 5 %, evidentemente.

    • Obama está a criar mais uma bolha. Ninguém se dá mal até que a bolha rebente, provavelmente já não será ele o inquilino na Casa Branca. É típico dos políticos sem excepção. No final o resultado será uma crise pior que 2008…
      O pior é que alguns safam-se sempre…(os do costume)

      • Eu diria que é típico de quem pagou a sua viagem até á casa branca. Mas isso sou eu que gostaria de ver a política existir de novo sem interferências de entidades comerciais privadas.

        • Eu gostaria de ver a economia existir sem interferências políticas. Bancos poderiam falir, multinacionais perderiam benefícios e protecção, sendo obrigadas a concorrer com pequenas empresas, em benefício de trabalhadores, consumidores, cidadãos em geral…

  7. Antes de mais António, obrigado por te lembrares de mim 

    Sobre a Reserva Federal, dizer-te que, mais do que um instrumento nas mãos de políticos e das empresas que os financiam, o FED é um organismo privado criado e controlado pelos grandes bancos norte americanos, que se confundem com as famílias que os controlam como os Morgan ou os Rothschilds. Este cartel, mais do que dirigir o país e o mundo a partir dos seus escritórios em Manhattan, imprime e empresta dinheiro ao governo norte-americano com juro, dinheiro esse que, para ser devolvido ao FED, implicará um novo empréstimo e assim sucessivamente. Escusado será dizer o impacto que isso tem num mundo em que todas as transacções relevantes são efectuadas em dólares, imposição incontornável do império que já mostrou como lida com comportamentos desviantes, sendo o exemplo mais recente o de Saddam Hussein que foi invadido e assassinado pouco tempo depois de ter sugerido que o petróleo passasse a ser transaccionado em euros nos mercados de commodities.

    Há um aspecto em que estou em total desacordo contigo. Para além da visão romântica que tens do funcionamento dos mercados e dos bancos, que como sabemos se regem por uma lógica predatória e não por princípios harmoniosos, e da qual não partilho, não concordo que uma menor poupança reduza o stock de liquidez que um banco tenha para emprestar, o que obrigatoriamente faria subir as taxas de juro, porque os bancos têm sempre formas alternativas para se financiarem e continuarem a transaccionar dinheiro, quer através de retornos resultantes dos investimento que fazem, quer através de financiamentos que obtêm junto de outras instituições financeiras.

    Confesso que não tenho conhecimentos que me permitam inferir sobre a necessidade, ou não, de existirem bancos centrais. O que eu sei é que, considerando o tipo de instituições bancárias que existem, se não existir um regulador instala-se um cartel tal como aconteceu, por exemplo, com os combustíveis. No início era tudo muito bonito e a liberalização do sector até ia fazer descer os preços. Agora é aquilo que se vê, independentemente dos impostos sobre os combustíveis cobrados pela administração central.

    O fim do padrão ouro foi um daqueles contos do vigário com origem nos vigários do costume. O resultado, como referes e bem, está à vista. Mas o problema da crise em que vivemos, na minha opinião leiga, tem origem no cocktail habitual: políticos corruptos associados com instituições financeiras que especularam e maquilharam contas como aconteceu com a Grécia e o Goldman, e decisões das instituições europeias que incentivaram governos como o nosso a investir em políticas de obras públicas (Passos teria feito exactamente o mesmo que fez Sócrates) ou a financiar bancos falidos como o Laiki no Chipre. Não acredito num estado dirigista mas entendo que o seu papel de regulador é fundamental. Não acredito em mãos invisíveis. Já provaram vezes sem conta que não funcionam.

  8. Caro João
    Não tenho uma visão assim tão romântica dos mercados. Quando escrevo e muita gente não percebe este ponto, faço-o defendendo uma tese. Um ideal se preferir. Mas tal não significa que acredite que a mesma seja algum dia colocada em prática. Defendo um Estado mínimo, algo que sei nunca acontecerá, o político mais liberal que alcance o poder cinicamente dirá não ser oportuno. Antes de liberal é político. Não tenho ilusões, mas defenderei sempre o cidadão vs. Estado, o individual vs. colectivo. E cada pequena vitória será uma conquista. Apesar do caciquismo,sou pela descentralização, poderá incluir nela a oposição à necessidade de existência dos Bancos centrais.
    E por falar em cinismo, apesar de acreditar no funcionamento dos mercados e no sistema capitalista, tal não significa que ignore práticas do tipo cartel, monopólio ou “simples” privilégio ou favorecimento. A corrupção é transversal aos sistemas políticos. Existia na URSS, China, Roma antiga, etc…
    Mas irei continuar a defender teses liberais e confrontar políticos. Principalmente os que se afirmarem liberais e depois fizerem outra coisa. De N. Maduro ou C. Kirshner espero que levem os países à falência, não é o que desejo, mas o que prevejo como resultado das suas políticas. De Passos Coelho que começou por se afirmar liberal fica uma enorme desilusão e registo de incompetência. Um político como qualquer outro, para cúmulo abaixo da média…
    Da U.E. pouco ou nada espero…
    O pior é verificarmos que se esquecermos ideologias, estaremos tantas vezes de acordo… Mas cada vez estou mais afastado de Portugal. Mas há algo dentro de mim que impede consumar a ruptura definitiva…
    Um abraço!

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