Um homem não faz uma percentagem

Morreu um homem no Hospital de São José, depois de ter estado seis horas à espera de ser atendido. Não sei se terá morrido por ter estado seis horas à espera de ser atendido, porque nem sempre o que é posterior é consequência.

Recentemente, o tempo de espera nas urgências dos hospitais aumentou. Diante de uma frase destas, a única solução razoável é ser-se ingénuo e perguntar: mas uma urgência não implica, exactamente, que o tempo de espera diminua e rapidamente? Se isso não acontece, de quem é a culpa (quando algo põe em causa a saúde das pessoas, só se pode usar a palavra culpa)?

A verdade é que os profissionais de saúde continuam a fazer referência à falta de recursos humanos nos hospitais e centros de saúde. Recentemente, o Hospital de Amadora-Sintra foi autorizado pelo governo a angariar médicos recorrendo a manobras que oscilam entre o leilão e a negociação, quando qualquer hospital deveria ter pessoal suficiente para cobrir as necessidades e não dedicar-se a tapar buracos em ocasiões de maior aperto.

Não tenho a sorte de ter a certeza de que haverá vida para além da morte. Depois da morte, apenas a morte está garantida e antes dela nem a vida é certa. Acredito em poucos milagres ou talvez num único: a vida de cada indivíduo é sagrada e, portanto, a vida de uma única pessoa é uma religião. Se há gente a adoecer ou a morrer por incompetência, descubramos os incompetentes e não esperemos por castigos no Além, porque há o enorme risco de não existirem.

Um filho descobriu o pai morto numa maca de um hospital, depois de estar seis horas à espera de ser atendido numa urgência. Espero que isto não se deva às medidas de mais um governo tenebroso, porque não desejo nem a um ministro o peso na consciência de ter contribuído para a morte de alguém. De qualquer modo, a julgar por exemplares como Luís Montenegro ou Carlos Abreu Amorim, poderá haver peso, consciência não: foi só um homem que morreu e um homem não faz uma percentagem.

Comments

  1. João Paz says:

    Não se trata de incompetência caro António Fernando Nabais, trata-se da destruição COMPETENTE e planeada do SNS já começada aliás pelo PS do Correia de Campos e acelerada drasticamente pelo PSD de Passos/Macedo.
    Claro que eles negam e proclamam aos quatro ventos que estão a defender o SNS mas enquanto profissional de saúde num hospital público poderia citar inúmeros exemplos dessa intencionalidade.
    Mas fico ´”só” pela bandeira de Passos Coelho quando concorreu à liderança do PSD de que a saúde era para ser paga pelos utentes segundo o princípio que lhe é caro do “utlizador – pagador” que ele nessa campanha estendeu à Saúde e foi notícia dos diversos telejornais.
    Depois, perante a forte oposição do povo português fingiu recuar mas, a pretexto da dívida, nunca deixou de aplicar.
    Esta morte teve , para o governo, o azar de ser notícia caso contrário nem se teriam dado ao trabalho de a “explicar”. Para o comum dos portugueses e para os profissionais de saúde em particular não passa de uma “crónica de uma morte anunciada” e, a meu ver, ou conseguimos derrubar este governo ou muitas mais se seguirão.
    Crime?
    Certamente tal como o número exorbitante de mortes no surto de legionela já que outros surtos com maior ocorrência de casos tiveram menos mortes.

  2. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    A crónica de um espectáculo em dois actos.
    1º Acto.
    Sobe o pano. Naquela sala de espera do Hospital um doente recebe uma pulseira e fica sentado numa cadeira. Aos poucos vai desfalecendo, nem se dando conta de muitos outros que também esperam a sua hora. Hora de ser atendido ou hora de morrer?
    Seis horas depois declara-se um óbito, na pessoa que esperou seis horas para ser atendido.
    Desce o pano.
    2º Acto.
    Sobe o pano. Naquela sala de farta mesa, um ministro obeso e de boca ao lado, deixa por uns momentos a sua tarefa de mais um contabilista governamental, e prepara-se para se refastelar com um lauto jantar. Enquanto bebe o seu whisky na tarefa de “degustação”, vai vendo as notícias que anunciam a morte de um homem no Hospital de S. José, onde esperava o momento para ser atendido.
    Pela boca deixa escapar a frase “Incompetentes” dirigida não se sabe bem a quem, pois a autocrítica não está no cardápio das suas competências. Então, enquanto bebe mais um golo da sua bebida diz: “Que chatice que vou ter amanhã”…
    Desce o pano.

  3. Nightwish says:

    Que mais é preciso para cair a máscara de competência do ministro da saúde privada, que faz cortes a direito como qualquer outro membro do governo?
    Quase dá vontade de que surja uma qualquer epidemia para o ver se finalmente cai com a desgraça.

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Caro Nightwish: não deseje mais nada, por favor. Este ministro já nos chega … Tem-se revelado pior que uma epidemia. E a sua competência está apenas no facto de ser eficaz nos seus objectivos: Matar o SNS, o que sai no seguimento de uma frase de que seu adorado líder e orago pronunciou ainda antes de ser primeiro ministro. “Quem quer saúde, paga-a”, como diz João Paz.

  4. Eu Mesma says:

    Mas será que não se pode mandar prender estes canalhas por crimes contra a Humanidade?
    Bom, desabafo jurídico-internacional à parte, algumas considerações, que retiro da minha experiência como filha e neta de pessoas doentes, algumas que já partiram.
    Se é verdade que a “classe política” está cheia de culpas até ao tutano (acho que em termos jurídicos se pode dizer “traição à Pátria”, “associação criminosa”, “ofensa à integridade física”, só para nomear alguns) também devo dizer que as “classes profissionais” que trabalham em centros de saúde e hospitais têm muita “besta quadrada” lá dentro. Senão, vejamos.
    A sempre defendida Ordem dos Médicos, corporação dos tempos do Tóino de Santa Comba Dão que ostenta orgulhosa um luxo na sua sede que faria corar um sheikh árabe, já devia ter levado um saneamento daqueles de alto a baixo; aquilo é um zombie do Walking Dead que não abdica dos seus privilégios e regalias medievais nem que estejam de facto doentes “populares” a morrer às centenas e até se dá ao desfrute de apoiar médicos (ou talhantes) que cometem autênticos crimes de negligência gravíssima mas não só não ficam detidos como nem são impedidos de exercer. Ah e não esquecer que estão dependentes das prendinhas da sua “queridinha”, a indústria farmacêutica, que começa a apertar a torneira dos ditos, ao mesmo tempo que é exigido um laivozinho de transparência, ao qual, claro está, já responderam com a birra do costume. Eu dava-lhes a birra, mas quem a pode dar prefere assobiar para o lado, fingir que tem muito trabalho com processos e ir para casa com lautos subsídios disto e daquilo ao mesmo tempo que se queixa da má imagem (estou a falar dos magistrados).
    Os administradores hospitalares. Por cada um deles honesto, inteligente e bem intencionado, há uma data deles que se preocupa mais em mudar de carrão todos os meses e manter as luxarias do que se há gaze ou agulhas ou higiene suficiente nos hospitais ou centros de saúde. Para terem uma noção de como certos hospitais são “bem geridos”, basta ver os orçamentos ou ver o que uma familiar minha viu: uma trabalhadora da limpeza (verdade seja dita, são mal pagas) a varrer para debaixo do armário do SO agulhas e gazes usadas. O chão em volta, um nojo, e outras cá fora olhavam enquanto fumavam um cigarro para queimar os minutos que restavam até ao fim do turno. É preciso ser médico para ver o perigo que isto representa?
    A classe de enfermeiros tem gente talentosa, trabalhadora e com ética… mas cada vez menos. A continuar no pique de situações que eu já vi, qualquer dia temos enfermeiros a vingarem-se nos doentes acamados porque lhes interromperam o caliente namoro com algum(a) colega ou uns copitos de bebida etílica. Ou pior.
    Auxiliares de enfermagem? Credo, se fizessem uma investigação a sério…! Há de tudo, desde auxiliares que vão “tocadas” mudar o soro às pessoas e puxam as agulhas à bruta,até quem amarre pelos pulsos doentes com demência às macas a ponto de estrangular a circulação sanguínea e só vão desamarrar depois do doente ao lado insistir. A minha falecida avó morreu acamada depois de dois anos em casa a agonizar por conta de uma demência, e se ela ia para o hospital, nalguma situação urgente, bem cuidada e com a pele num mimo, voltava com nódoas negras e escaras, seria algum fantasma?
    Administrativas. Há quem nem mereça o nome. No centro de saúde da área onde moro, só trabalham, por poucos meses e de má cara e má vontade, malta enviada do IEFP que, para trabalhar o mínimo, se recusa a atender o telefone, a organizar processos, só para dar dois exemplos. Obrigam pessoas idosas a irem com dificuldade, quer física, quer de pagar os transportes, a irem lá de propósito, para chegarem lá e “não temos vaga para consulta” ou “o dr. ainda não lhe passou a receita”, informação que se calhar nem 60 segundos lhes custava a prestar pelo telefone. Uma dessas zelosas funcionárias quis cobrar à minha mãe taxas moderadoras por consultas, quando ela é isenta por incapacidade, e quando lhe perguntei pelo atestado cuja cópia eu tinha entregue no ano anterior (nota: o atestado é vitalício), inventou a seguinte história: alegou que eu teria de lá ir com o mesmo, para ser feita uma cópia, porque era a ordem do Ministério e que todos os anos as cópias “saíam do Centro de Saúde”. Não sabia para onde, nem citou a normativa do Ministério que ordenava isso. Liguei para o ACES do concelho onde resido e expus a situação. Resposta? “Nunca tal ouvi falar”. Ou seja, perdem os documentos, não se dão ao trabalho de os organizar, e mesmo com o risco de extravio de dados confidenciais dos utentes, encolhem os ombros e obrigam o utente a ter o trabalho que eles deviam ter. Porque dá trabalho. O ACES lá me resolveu a situação.
    Ou seja, isto já não é apenas a absoluta falta de brio profissional. Isto é a absoluta selvajaria e falta de vergonha na cortesã da cara.

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