Privatização, à socapa, de equipamentos e funções públicas

PISCINA_DE_CAMPANHA_Porto

António Alves

Soubemos ontem, através de notícia no Site da Câmara Municipal do Porto [1], que esta pretende entregar ao FC Porto, pelo prazo de 25 anos, a gestão da Piscina Municipal de Campanhã num acto que consubstancia uma concessão directa destas instalações públicas a uma entidade privada. Não ponho obviamente em causa a capacidade do FC Porto para recuperar e gerir o equipamento. Tem-na para dar e vender. Mas o FC Porto é uma entidade privada que colocará legitimamente os seus interesses próprios sempre à frente dos interesses da cidade e dos munícipes.

A piscina de Campanhã, embora tenha problemas estruturais que devem ser resolvidos, continua perfeitamente funcional. Prova disso é que o FC Porto a utiliza regularmente para treinar os seus atletas.A Piscina Municipal de Campanhã é a única piscina da cidade com características olímpicas. A Piscina de Campanhã situa-se numa das zonas mais pobres da cidade e é um instrumento estratégico da Câmara na desejada, e sempre prometida eleitoralmente, intervenção social que esta freguesia precisa. Com esse equipamento a Câmara poderá promover práticas de exercício físico e ocupação de tempos livres, por parte dos mais jovens, assim como práticas de exercícios salutares, como natação e hidroginástica, aos mais idosos promovendo a sua saúde e qualidade de vida. Além de obviamente colocar a piscina ao serviço dos cidadãos em geral. Esta piscina, particularmente no período estival, por se situar numa freguesia pobre e longe das praias, e por ser bem servida de transportes públicos (Metro e Autocarro), é muito procurada pela população e até por turistas alojados nos hotéis do Bonfim. Considero que todas estas funções são incompatíveis com os interesses particulares de um clube desportivo de alta competição.

O argumento da falta de capacidade financeira da câmara, que justificará este negócio, não me parece plausível. A própria notícia informa que o FC Porto concorrerá a fundos europeus para realizar a obra. Os fundos europeus são dinheiro público. Dinheiro dos nossos impostos e dos impostos dos cidadãos europeus. Isto é uma contradição nos seus próprios termos. Uma entidade privada recorre a dinheiro público para financiar a recuperação de um equipamento público enquanto a entidade pública, legítima dona do equipamento, se demite de o fazer. Se o FC Porto o pode fazer, por maioria de razão a Câmara o poderia ter feito. É à Câmara que, por estatuto e missão, cabem tais tarefas.

O financiamento pelo programa ON2 pode ir até 80% no caso de entidades públicas. Associando-lhe outros programas, o financiamento poderia atingir os 95% do total. Mas sejamos prudentes e fiquemos pelos 20% de financiamento que caberiam à edilidade. Cerca de 460 mil euros. É difícil de acreditar que a edilidade portuense não disponha dessa verba para recuperar um equipamento desta importância. É uma demissão deliberada e inaceitável por parte da edilidade das suas funções naturais. Eu não quero uma câmara só para organizar festas nos Aliados.

Não é aceitável também que uma equipa de gestão eleita para 4 anos, e tenha neste momento uma perspectiva legítima e legal de permanecer no poder por mais 10 anos caso seja reeleita sucessivamente, aliene património público por 25 anos. Muito para além do prazo máximo que poderá gerir a edilidade. Uma geração inteira de portuenses estará impedida de decidir sobre um equipamento que é sua legítima propriedade. Não me lembro de durante a campanha eleitoral alguém lhe ter apresentado tal perspectiva.

É também estranho que o FC Porto, num acto de premonição notável, já em 16 de Dezembro de 2014 tenha lançado um concurso público urgente para a obra de recuperação do equipamento. Nessa altura o FC Porto já sabia que a piscina lhe seria entregue a começou a tratar de vida. Nós só soubemos ontem que foi assinado um “contrato-promessa”. Entre promessas e certezas costuma ir alguma distância.

Na minha opinião, caso houvesse necessidade de concessionar a Piscina de Campanhã, coisa que considero longe de estar provada, o FC Porto muito provavelmente, pela sua natureza e histórico de competência e profissionalismo, seria a melhor entidade para o fazer. Mas isso só saberíamos com toda a certeza depois de um concurso público onde todas as entidades qualificadas pudessem apresentar as suas propostas. Assim vai beneficiar de uma concessão à socapa e “a título gratuito”.

Estes tipos de opções inscrevem-se claramente em escolhas ideológicas que secundarizam o interesse público aos interesses privados. A ideologia que considera que o Estado deve ser gerido como uma mera empresa comercial continua a dominar a gestão pública. Está visto que a classe dirigente não aprende com os erros e continua a desestruturar o Estado nos seus vários patamares. As sociedades pagarão caro por isso. Como aliás já se começa a notar.

Comments

  1. Quem votou que peça contas…

  2. Reblogged this on O Retiro do Sossego.

  3. A Câmara de Matosinhos tem sete piscinas de água quente e duas de água fria, sendo uma de água salgada.
    Tão mal gerido tem sido o Porto. O último gestor gastava fortunas em corridas de automóveis e o actual vai pela mesma viela.

  4. Nightwish says:

    Como portista, maiato e socialista… não discordo.

    • Nightwish says:

      Embora esteja longe de ser dos piores casos, como se sabe.

    • Há concelhos limítrofes do Porto geridos muitos anos pelos ditos “socialistas”que se tiverem uma piscina já é uma festa. No que ao distrito do Porto diz respeito, o que se pode dizer é que há autarcas que roubam e fazem obra e outros nem obra

  5. martinhopm says:

    Rapazes, preparem-se, este governo, nos derradeiros meses de vida, vai privatizar tudo quanto puder (lembram-se da TAP?). E se for reeleito, então é que vai ser o bom e o bonito. Tudo o que for rentável, no campo da saúde, da educação e da segurança social, etc., passa para as mãos dos privados, ou seja, deles próprios. O que não o for, fica para os contribuintes pagarem, refiro-me, claro está, aos trabalhadores e pensionistas.

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