A morte nas urgências da austeridade

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Enquanto o governo que optou por ir além da Troika continua a resumir a sua pseudo-reforma do Estado ao contínuo aumento de impostos e aos cortes em salários e pensões, a sociedade portuguesa apresenta-nos sinais preocupantes que colocam as franjas mais desfavorecidas da população em situações limite. Se os números da pobreza são mais que elucidativos, com o fosso entre ricos e pobres cada vez mais fundo, algumas situações que nos remetem para um passado distante ressurgem assustadoramente. Como é possível que milhares de boys partidários inúteis tenham ordenados superiores a 3 mil euros enquanto cada vez mais portugueses morrem literalmente de frio por não conseguirem pagar a contas da luz ou do gás?

A nova moda parecer ser a morte nas urgências dos hospitais públicos, actividade em forte expansão nas últimas semanas. A 29 de Dezembro, um homem foi encontrado morto pelo filho numa maca do Hospital de S. José, com a sua ficha de admissão em branco após uma espera de cerca de 6 horas. Já a 5 de Janeiro foi a vez de um homem de 57 anos perder a vida pouco depois de ser atendido na urgência do hospital de Santa Maria da Feira, após uma espera de 5 horas. Perante os protestos dos familiares da vítima, o Público cita uma médica do serviço de urgência que aconselhou a família a apresentar queixa por entender que a falta de médicos suficientes para dar resposta às necessidades do hospital esteve relacionada com este desfecho.

A saga continua e a 11 de Janeiro, a falta de capacidade de resposta dos hospitais públicos portugueses volta a causar estragos. Um homem de 60 anos esteve 3 horas à espera de ser atendido no hospital Garcia de Orta e acabou por falecer vítima de um enfarte. Uma semana depois, no mesmo hospital, uma senhora de 89 anos faleceu no mesmo hospital após uma longa espera de 9 horas. Neste caso, as informações disponíveis revelam uma situação monstruosa que nos remete para um cenário de terceiro mundo. Maria Vitória Moreira Forte terá sido deixada à sua sorte numa maca em pleno corredor, sem comer. Mas a negligência foi mais longe, ao ponto da senhora sentir dificuldades respiratórias intensas, altura em que o seu filho terá reparado que a botija de oxigénio disponibilizada estaria vazia sem que qualquer responsável daquele hospital tivesse tido o cuidado de verificar. Por volta das 01:30h, uma enfermeira terá informado o filho da vítima que a mesma não podia sair do hospital mas que também não poderia ser internada por falta de camas, tendo que ficar ali mesmo, no corredor. Passados 30 minutos, o óbito foi declarado.

Estes são 4 dos 7 casos mais recentes, ocorridos no espaço de pouco mais de um mês. Somos um país europeu que garante vidas desafogadas a políticos incompetentes e corruptos, que perdoa milhões em impostos a empresas que distribuem outros tantos milhões a accionistas milionários, que derrete milhões em obras movidas a tráfico de influências, que financia hospitais privados mas que não tem dinheiro para que estas e outras pessoas tenham direito a cuidados de saúde dignos de uma democracia. Será a isto que a propaganda do PSD se refere quando afirma que se “salvou” o Sistema Nacional de Saúde (minuto 1:40)? Ou estará o SNS, tal como o país de Luís Montenegro, melhor apesar dos portugueses que estão cada vez pior? 

Comments

  1. Paulo Macedo já deveria ter apresentado a demissão mas esse conceito básico da responsabilidade política já se extinguiu há muito. Também é certo que um governo que põe à frente do ministério da saúde um director dos impostos diz logo ao que vem.

    • Acho que está tudo dito Carla: um antigo director de impostos à frente do Ministério da Saúde não podia dar grande coisa. Pelo menos no público que no privado a coisa vai de vento em popa…

  2. joao lopes says:

    pois,1% ficam com metade da riqueza em 2015,por outro lado a austeridade é só(????!!!!) para os outros 99%.o actual governo deu cabo do SNS em 3 anos.o actual governo deu cabo da segurança social,ele é o BES,ele é os submarinos(que não são precisos para nada,pelo que o paulo portas é um pessimo politico),ele é a austeridade que mata apenas 99% da população.e depois a ana gomes ou o boaventura é que são irresponsaveis.muito cinismo e hipocrisia em portugal,isso sim…

    • só não concordo consigo num aspecto João Lopes: Portas é um excelente político: faz o que quer, passa entre todas as pingas de toda as chuvas e manda tanto ou mais que o Passos com a sua percentagem “irrelevante” de eleitorado…

  3. joao lopes says:

    paulo macedo acabade anunciar a contratação de 1000 enfermeiros.pergunta 1:sera verdade?…pergunta 2:serão os enfermeiros contratados atraves de empresas de subcontratação?…pergunta3:não sera a ministra das finanças o primeiro responsavel pelo caos nos hospitais publicos?(recorde-se que a miss albuquerque proibiu a contrataçao para o estado ao mesmo tempo que subiu os ordenados dos funcionarios das finanças)

  4. Nightwish says:

    How to get away with murder…

    • e já andam por ai uns palermas a brincar com o assunto como se fosse algo que devêssemos aceitar de ânimo leve….

Trackbacks

  1. […] não tenho dúvidas que a vida do país está muito melhor do que em 2011”. Depois do sucesso do episódio rodado em vários serviços de urgências de hospitais públicos portugueses, o governo que “salvou o SNS” continua igual a si próprio. Inútil e incompetente. O […]

  2. […] O desemprego que nem o esquema dos estágios consegue mascarar, a emigração em crescendo, as urgências que não conseguem dar resposta às necessidades daqueles que não podem recorrer ao sector privado, a pobreza que vai crescendo, o […]

  3. […] de país que alguns lunáticos entendem estar melhor, onde fanáticos extremistas aparentemente se deixam falecer em urgências de hospitais públicos, movidos por utopias gregas do campo ideológico da literatura infantil, houve um dia um contador […]

  4. […] por ir parar à Saúde, a verdade é que casos recentes colocaram a sua gestão debaixo de fogo. Mortes nas urgências, o triste episódio da escassez de medicamentos para tratar a Hepatite C, episódio esse que nos […]

  5. […] mas os dois lideram, em conjunto, o ranking dos países da OCDE onde a despesa das famílias com saúde mais aumentou. Coincidências claro, que o nosso SNS está que é um espectáculo. Que o digam as urgências dos hospitais públicos. […]

  6. […] os fanáticos da austeridade – foi o Secretário de Estado da Saúde de Paulo Macedo que, depois de um início de ano agoniante nas urgências portuguesas, marcado por várias mortes no seio…, afirmava em Abril que a reportagem da TVI que retractava a extrema gravidade do problema era […]

  7. […] ser cuidadoso e gradual: primeiro o desinvestimento, com cortes em sucessivos Orçamentos de Estado que explicam em parte o caos, por vezes fatal, que se instalou nas urgências no Inverno passado. Faltam médicos, faltam enfermeiros, entretanto emigrados para o Reino Unido, e falta equipamento. […]

  8. […] Antecipando o que aí vem, o secretário de Estado da Saúde anunciou esta semana ao país que, em situações de ruptura, os hospitais públicos poderão enviar pacientes para o sector privado. Apesar das medidas preventivas que estão a ser tomadas, as dúvidas quanto à capacidade de resposta de um SNS alvo de múltiplos cortes nos anos de austeridade são muitas e preocupantes. E, perante a falta de investimento nos hospitais públicos, investe-se nos privados para resolver o problema. E porque não investir esse dinheiro no sector público? Simples: porque a agenda não é essa. Para eles está tudo bem. Quem disser o contrário é comunista. […]

  9. […] Leal da Costa (quase ministro da Saúde): no auge da tragédia do Inverno passado nas urgências portuguesas, enquanto secretário de Estado da Saúde, afirmou que as urgências estavam muito bem e que […]

  10. […] e paralisação do SNS. Os tais que no passado votaram contra a criação desse mesmo SNS, que permitiram o caos nas urgências hospitalares no Inverno de 2014/2015 e que, meses depois, ainda deram uns trocos a ganhar ao sector privado. Na falta de património […]

  11. […] vazia e sem ideias, e com níveis de aprovação popular em mínimos históricos, o mesmo PSD que permitiu que as urgências dos hospitais portugueses atravessassem uma das fases mais críticas …, para gáudio do sector privado, que insistiu em sucessivos cortes na Segurança Social, enquanto […]

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