Sons do Aventar – O Jardim dos Mind da Gap

Interventivo por excelência, o (bom) rap português caracteriza-se pela análise profunda do país e do mundo em que vivemos, longe do estilo gangster norte-americano ou das vertentes “bling-bling” dos artistas pop da MTV que se fazem passar por rappers quando na verdade são apenas fotocópias uns dos outros sem conteúdo, que dissertam sobre cus grandes, jóias ainda maiores e festas onde chegam de casaco de peles sob um tronco nu inchado de esteróides.

Nas duas últimas décadas, Portugal viu nascer músicos que fundiram a alma e a expressividade dos grandes poetas lusos com ritmos e batidas encaixadas de forma harmoniosa. O resultado são bandas e artistas como os Dealema, Valete, LCR, Sam the Kid, Chullage e, entre tantos outros artistas que respiram talento longe dos holofotes da artificialidade, os Mind da Gap, percursores do movimento no norte do país e autores do tema que vos trago, O Jardim, uma radiografia cantada com beats partidos de um país partido em pedaços.

Desfrutem. A cultura Hip-Hop regressa em breve ao Aventar.

“Vem visitar este canteiro encantado chamado Portugal
Que apesar de pequeno, tem cá de tudo
Tem auto-estima em falta e fervor nacionalista:
Uma das contradições compiladas nesta lista
Este país não é pra velhos, nem novos
Há quem diga que é pra corruptos e preguiçosos
Com uma economia paralela ao mais alto nível
Recebemos bem, pagar pode ser impossível
Mas temos praia e sol, jogadores de futebol,
Temos Fátima e fado, temos palavras como o “lol”
Temos dívidas, mas temos submarinos no paiol,
Temos coração mole, mordemos sempre o anzol
Das figuras na TV, shows de realidade
Cus, mamas e cabeças falantes de qualidade
Já não devíamos ter algum juízo com esta idade?
Até quando seremos meninos sem maturidade?

É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!
É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!

Portugal tá tolo!
Só quer é tinto e bombo
Quando a equipa falha o golo
É bronco, parte o tasco todo
Povinho é mesquinho
Invejoso do vizinho
Arranca pão do filho
Pa comprar um carro novo
Assassinos ao volante
Bebedeira tá no sangue
Uma veia de azeiteiro
Em cada habitante! Vem
Família emigrante
Dá rambóia da grande
É o patrão lá na aldeia
Porque é trolha na France!
Desde o tempo antigo
Num navio busque terra nova,
A nossa frota troca
Sardinha por ganza e coca
No Continente e Ilhas
Tudo mil maravilhas
Esbanja tudo em borga
Quando a Troika estiver a milhas
Nesta rua, a revolta é uma festa
Compra tudo no estrangeiro
O que é Portuga não presta
Já dizia o Primeiro que queria o povo mais pobre,
Por nós está tudo bem enquanto houver Super Bock

É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!
É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim à beira-mar plantado!

Nós os jardineiros, pouco preocupados
Em defender a sério o seu estado
De modo deliberado, tratado mal
Está tudo roubado, já
Resta pouco do que foi o Lusitano passado, mano!
Só vejo cactos, faltam flores nos canteiros
Os pátios são feitos para manter o staus quo nos pratos certos
Cai sempre! É o capital à frente, os financeiros interesses
Que se lixe a gente, que se lixe o povo, que se lixem esses!
Esses proxenetas finos, armados até aos dentes
Com esquemas e alíneas, roubam tanto, tu nem entendes
Para postar no bar, com fusca ou rusga no lar
Sem tusta pra tares calado a deixares o semeado desabrochar
Aqui abunda o adubo e mais nada pode abundar
Já tresanda de há tanto tempo tarem pra nós a cagar
Imagino um futuro como um deserto no quintal
Com um sinal, a dizer “Aqui existiu Portugal”!
Ah!

É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!
É o jardim à beira-mar plantado!
Ainda vivemos no passado!
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…
É o jardim!
Onde a vida vai assim-assim…”

Trackbacks

  1. […] Apesar do dinheiro que os partidos torram em lixo panfletário, concertos de música pimba e porcos a assar, o tempo de eleições apresenta-se cada vez mais como a única altura em que podemos aspirar a uma simbólica melhoria na nossa cada vez pior qualidade de vida. O cinto da austeridade, como por magia, parece alargar-se, e durante alguns meses tudo é novamente possível. E mesmo perante a premeditada aldrabice eleitoral, é expectável que voltemos a eleger quem nos trouxe até aqui. Ou engrossaremos as fileiras da abstenção e deixaremos que as redes organizadas dos partidos da central de negócios elejam os seus caciques com o apoio de 25% dos eleitores portugueses. Por nós está tudo bem enquanto houver Superbock. […]

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