Carlos Roque
A enorme diferença entre o Syriza e as oposições que se babam com a sua estrondosa vitória por esse mundo fora é um detalhe de marketing: o partido grego tem um produto – um programa criativo que fez sonhar o eleitor – e elas não têm nenhum.
Isto das eleições rege-se pelas mesmas regras do mercado: é preciso vender. E, para vender, ou temos reconhecidamente um excelente produto ou, pelo menos, temos de fazer parecer muito bom o produto que temos. E, no panorama global das oposições, o que vemos? Criticar. Dizer mal, pura e simplesmente, e só, de cada acção dos governos – o produto dos outros – e perder paulatinamente uma excelente oportunidade de, ao fazê-lo, mostrar uma alternativa aliciante, o seu bom produto, e ganhar uns pontos de simpatia e de vontade de comprar de quem vota.
O anúncio de um automóvel caro serve apenas para uma coisa: fazer sonhar. E não precisa de mais, porque, se existirem hipóteses de compra, quem sonha irá tudo fazer para transformar o sonho em realidade.
Com a política também é assim, e a maioria dos políticos não percebe isso.
Há uma simpática definição de liderança que reza: “liderança é a capacidade de transformar o sonho em realidade”. Ora a democracia não é senão a possibilidade de cada um de nós ser líder de si próprio e de participar, com a sua vontade, na liderança comum. Sendo assim, onde se encontra o sonho, no discurso das oposições?
O Syriza tem-no, vendeu-o e por isso ganhou. Se é romântico, fantasioso ou não, se é uma brincadeira de crianças ou uma evolução na forma de fazer as coisas, é coisa para se ver: se mandamos máquinas a Marte é porque um dia alguém fez aquilo que todos achavam impossível. Muitos alguéns e muitas vezes.
Por exemplo, se a dívida, que valia tanto como lixo há 70 anos, hoje, devido à criatividade dos académicos americanos, estrutura a economia global, porque não ser criativo também nos seus resgates?
O Syriza minimizou a crítica ao poder e empenhou-se em mostrar que a mudança era possível, e explicou muito bem como – fez sonhar. Uma diferença abissal do resto das miseráveis oposições, que se limitam a ladrar às caravanas que passam…
Tendo em conta que o programa do Syriza é exatamente igual ao do Bloco de Esquerda no que diz respeito à austeridade e à dívida, não sei como é que o primeiro pode ser criativo e o segundo inexistente. Os argumentos aqui usados contra as oposições foram usados vezes sem conta durante anos contra o Syriza, a diferença é que o povo grego soube pensar pela sua cabeça. Espero pelo dia em que o povo português faça o mesmo e discuta o programa da esquerda em vez de ir atrás da mentira da direita sobre a inexistência do mesmo programa. Ou, usando uma metáfora futebolística, espero que as pessoas percebam que uma equipa não ganha o campeonato à custa de adeptos que só aparecem depois de o campeonato já estar ganho.
Uma explicação possível: a aflição da generalidade dos portugueses não é ainda do mesmo tamanho que a dos gregos. Daí sonharem menos, conseguirem sonhar menos, acreditarem menos nos sonhos que não sabem ainda sonhar. Até porque o sonho comanda a vida, não é?
Para os mais novos aconselho a pesquisarem o PREC em Portugal e as propostas apelativas que foram sucessivamente resultando na banca rota de 1983. Posso garantir que eram o mais apelativas e o mais moderno na forma de fazer as coisas. Como acabou jã vexas estão viver nele.