AvançAR

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Ao contrário do que afirma Ana Drago nesta entrevista recente à SIC Notícias, a chamada plataforma cidadã Tempo de Avançar não é, infelizmente, uma coisa nova. E não é nova porque lhe falta massa cidadã, justamente, isto é, uma participação inequivocamente emanada dos cidadãos, e dos cidadãos indistintamente considerados, ou seja, cidadãos não-afectos ao Bloco de Esquerda, por exemplo sob a forma de simpatizantes (e basta consultar a lista de primeiros aderentes – entretanto organizados em Conselho de candidatos efectivos – para ver a que ponto ela está capturada por esses simpatizantes e amigos mais ou menos próximos do BE).

Não vejo nenhum problema em ser-se simpatizante ou amigo do BE, era o que mais faltava. Já votei no BE – ah pois foi. Mas já vejo um problema em verificar a que ponto se está disposto a lançar mão de exemplos bem sucedidos ocorridos noutros países (o Syriza, o Podemos) para tentar construir, com evidente artificialidade, o que em Portugal não há (ainda): a emergência de um movimento de cidadãos ou de uma coligação de pequenos partidos reunidos em torno de um programa anti-austeridade, de defesa dos interesses democráticos e nacionais, e aptos (i.e., prontos e preparados) para governar – o povo do País e junto da UE. E essa demagogia, enunciada ainda no adro, entristece quem, como eu, está atento à marcha da procissão dos aflitos e descontentes com os partidos, e muito especialmente os da Esquerda.

Levado pela mão de figuras todas elas emanadas do Bloco de Esquerda – dissidentes de dissidências várias, como são os casos de Rui Tavares, Ana Drago e Daniel Oliveira –, o movimento Tempo de Avançar não parece, assim, ser substantivamente diferente do que ainda há semanas foi tentado por uma outra dupla de também dissidentes do BE: Joana Amaral Dias e Nuno Ramos de Almeida, fundadores do Juntos Podemos, ao que se sabe entretanto já dissolvido por novas (ou renovadas) dissidências. E não sendo muito diferente disso, apesar dos bons quadros teóricos que inquestionavelmente constituem as presenças de Rui Tavares e Daniel Oliveira, o Tempo de Avançar não é, portanto, nada que seja novo. E não são os também óptimos simpatizantes que por lá estão a abrilhantar a inciativa que mudam isso, nalguns casos até muito pelo contrário.

E basta ouvir com atenção o que diz Ana Drago na já referida intervenção televisiva (cujo pivot é o José Rodrigues dos Santos da SIC-N, um jovem de pensamento neoliberal que se tem também notabilizado por tratar mal a Grécia, evidenciando uma lamentável impreparação jornalística para o actual momento político europeu) para perceber a terrivelmente deprimente mesmidade do Tempo de Avançar, especialmente patente nas palavras que Drago dedica aos cidadãos genericamente considerados, quando chama a atenção para a novidade e inexcedível generosidade (palavras dela) de um partido que não se importa de percorrer com eles, cidadãos, o caminho até às eleições legislativas. WTF?

De modo que assim vamos. Para lado nenhum que não conheçamos já. Com o PS a dizer que também é novo a acenar-nos lá ao longe no horizonte, todo simpático e de esquerda. Raios.

[pequena actualização em 12 de Fevereiro de 2015] Esqueci-me de um nome fundamental que integra os referidos bons quadros teóricos do Tempo de Avançar, fundamentalmente inteligente e preparado para o combate político consequente que *isto* em que estamos atolados, a Europa dos que mandam nos que obedecem, pede. Foi esta manhã entrevistado por Maria Flor Pedroso para a Antena 1: Viriato Soromenho Marques.

Comments

  1. João Mendes Fagundes says:

    Não se preocupe Sarah. A monarquia caíu de podre por degenerescência partidária. A I República, idem. A actual, padecendo da mesma maleita, só não cai porque não tem mesmo para onde cair. E não será com partidos de dar corda que saímos disto. O mal é velho, é congénito, é de malformação social e cultural gravíssima e secular, mais que económico. E não será com partidos de proveta que saímos disto. Depois de saírem todos eu apago a luz e fecho a porta.

  2. José almeida says:

    Excelente artigo. A espontaneidade, por definição, não se procura. Ou acontece, ou não. Em Portugal quando acontece, não fecunda. Aconteceu quando nasceu o Bloco, mas foi uma ‘espontaneidade’ prematura. Faltou ao bloco “afrontar” toda a esquerda com um programa concreto de governação. Foi demasiado fácil criticar o (des)governo. Faltou e falta uma alternativa concreta, com um programa concreto, que será hoje defendido por muitos políticos, mas já bastante “queimados” e já esgotaram o discurso.

    Porque não vem o bloco para a rua dizer, queremos ser governo e aumentar o salário mínimo para 700€, pôr a energia grátis para pessoas pobres, fazer como os gregos, indexar os juros ao crescimento do PIB. Porque esperam? Eu estou livre à espera que alguém me convença como fez o Siryza ou Podemos aos seus seguidores e apoiantes.

    Pois, sem humildade a espontaneidade simplesmente não acontece.

    Vamos ser o país eternamente adiado?
    Eu e muitos milhões esperamos que não.

    • João Mendes Fagundes says:

      Pois convença-se disso, que vamos ser um país eternamente adiado. Mas também, como a esperança de vida anda pelos 80, não vai ter tempo de verificar, o que é excelente para a bílis.

  3. Zoelae says:

    O Tempo de Avançar não tem suficiente massa cidadã simplesmente porque os portugueses, preferem usar o seu tempo em blogs, facebook, casa dos segredos, futebol, em vez de se empenharem num projecto para o país. Pois é, qualquer projecto desses exige altruísmo, trabalho e dedicação, e os portugueses não estão para isso. Criticar é muito mais fácil.
    O sistema político ideal desses portugueses é a criticocracia de sofá.

    • Sarah Adamopoulos says:

      O Tempo de Avançar não tem massa cidadã não por causa do que refere, que é uma realidade indiscutível (o profundo desinteresse da maior parte dos cidadãos em Portugal pela participação cívica e política – de razões que extravasam essa explicação simplista dos usos que preferem dar à passagem das horas, e que não cabem aqui), mas porque o Tempo de Avançar não tem origem nos cidadãos, antes na reunião de estilhaços do BE e de anseios, legítimos, de uma alternativa à esquerda que (infelizmente) não conseguem corporizar. E uma das razões é terem pessoas como Ana Drago a dizer coisas sem relação com o sentido do exercício da democracia tal como está a desenhar-se, e que assenta cada vez mais na democracia participativa (e aí sim cidadã) e cada vez menos no sistema representativo cuja sobrevivência Ana Drago defende com intolerável arrogância. Em vez de inventarem uma raiz cidadã, por que não constroem uma coligação a sério, pragmática e capacitada para governar para um máximo de cidadãos que precisam tanto de quem os defenda?

  4. João Mendes Fagundes says:

    Cidadania? Não conheço.
    Mas vou tentar. A cidadania não começa, e muito menos acaba, nos partidos. Cidadania será talvez uma coisa muito mais simples, mas também muito mais custosa. Cidadania é, por exemplo, uma coisa tão simples como os pais se preocuparem e participarem na vida da escola dos seus filhos, comparecerem às reuniões convocadas pelos directores de turma (normalmente desertas), são só exemplos comezinhos. É os munícipes participarem nas assembleias municipais ou de freguesia, outro exemplo. É difícil convocá-los? Pois é. Mas é facílimo mobilizá-los aos muitos milhares para encher os estádios da bola aos domingos. Tal como é facílimo criar um partido político, tirando a coisa da cartola, como faz por cá um manga de alpaca da política triste, como é o Sr. Rui Tavares. Como faz em Itália um humorista de ocasião, e até consegue ter fartura de votos. Essa coisa que talvez seja a cidadania não existe nem por cá, nem na Espanha, nem na Itália, nem na Grécia. Razões? Também não conheço. Pago para ver.

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