A massificação da comunicação visual

fotografia
Humberto Almendra

Sinais dos tempos, ou como transformar o intransformável num produto não vendável. A fotografia acabou massificada de tal forma que é mais lucrativo organizar concursos pagos por submissão que dar destaque à condição intelectual do autor. O autor, é discurso pessoal e político. Para mim, fotografar sempre foi uma forma de auto-reclusão. de experiência artística. De expressão plástica. Não é nem nunca será uma profissão. Quando isso acontece é por acidente. Hoje, as pessoas focam-se muito na técnica esquecendo o discurso. Discurso esse que é o fundamento de qualquer actividade artística. Fotografar não é uma afirmação mas um desenvolvimento interior. É como meditar. É algo que se trabalha para dentro. Acontece o mesmo com desenhar, tocar, esculpir. Trabalhar a própria razão ou a questão artística é ir ao encontro da nossa própria essência. é encontrar-nos como companhia a meio do caminho. É um florescimento astral semeado dentro do próprio corpo.
Quando a fotografia se tornou competição, vaidade, afirmação pessoal, onde a visibilidade é mais importante que a essência, a poesia cedeu demasiado espaço à máquina da existência colectiva e pareceu uma bóia de salvação num mar de náufragos que gritam a sua existência ao mundo. A fotografia, assim como todas as outras artes, é pois uma recriação que pode ser usada como linguagem de comunicação integrando-se num todo económico. Mas fotografar, nunca pode ser confundido com a fotografai daí resultante. Apesar de toda a sua beleza, essa é apenas a materialização de uma ínfima parte do estado fotográfico. Esta luz que toca alguns, tem-se propagando como um milagre.
A massificação da comunicação visual, não consegue conter ou controlar o fluxo criativo. Muito pelo contrário e ainda bem. O acesso imediato que as pessoas tem hoje à fotografia era impensável há quinze anos atrás. Parecendo que não, aprendemos muito estando apenas a ver e todo este jogo se dá ao nível do inconsciente. Mas como todas as artes, são um espírito que nos escolhe para polinizar algo de bom em forma de arte, mas que um dia, depois de florir, esvai-se como poeira indo polinizar outros espíritos.
A arte é o estado máximo da condição humana, por isso, talvez seja a fotografia a principal responsável por estar a tornar este mundo bem melhor e mais consciente acerca de questões e factores para os quais nunca de outra forma os conseguiríamos atingir. A arte, é uma dádiva autónoma que nos usa como palavras ditas ao vento. É como um regulador global. É como um alerta que não compreendemos bem, mas cujo sentido é tal que o perdemos de vista. A fotografia permite-nos viver fora do sítio, porem, a massificação da linguagem fotográfica absorveu-nos de tal maneira que rompeu abruptamente as nossas próprias fronteiras individuais.
A fotografia finalmente, e depois de décadas de obscurantismo, encontrou finalmente o seu espaço de máxima expressão. O espaço virtual. Curiosamente, esta colocação, devolveu à fotografia, o lado negativo do visível. Será verdade? Perguntámo-nos. A fotografia espalhando-nos, está a querer voltar ao seu único espaço de verdade. A nós próprios ou à nossa essência. A fotografia voltará a ser fé, e não manipulação. Quando me refiro à fotografia incluo o vídeo. Mas tenhamos fé, porque nas imagens, há sempre coisas que se escondem mesmo à nossa frente. 99,9% das fotografia que são feitas a cada minuto no mundo, são apenas e só fotografias que juntas traçam um padrão de conhecimento e comportamento humano ao qual devíamos estar ainda mais atentos. A fotografia não se escreve em livros.
Escreve-se na net. É aqui o seu espaço. Sem net, é a companhia no meio do caminho. Desta forma é fácil ser-se um solitário, observado por milhões de olhares perscrutadores.

Comments

  1. João Mendes Fagundes says:

    Hoje, deve ser galo, só me saem ao caminho lugares comuns e baboseiras. Acho que vou mudar de canal, aqui não se aprende nada.

  2. Konigvs says:

    A democratização do digital matou a fotografia como a conhecíamos, a transformou-a noutra merda qualquer.
    As pessoas deixaram de viver o momento, para passarem a fotografar o momento. Vai-se a um festival, concerto ou outro qualquer evento, e é ver a parolada toda, com todo o tipo de artefacto digital na mão (muitos parecidos com as lousas e ábacos que eu levava para a escola primária) e é vê-los, aos parolos, com as suas bugigangas eletrónicas nas mãos durante o concerto inteiro, tapando a visão de quem quer assistir tranquilamente. Sim porque naquelas condições de luz, e aquela distância, vão conseguir fotografias espetaculares! Mas pronto, chegados a casa já podem mostrar na latrina da rede social da moda como são fixes pois conseguiram tirar uma fotografia a um palco que ninguém consegue identificar quem é que está a tocar. E é nos concertos, como em todo o lado. Um gaijo até tem de ter cuidado para não ser fotografado e aparecer num qualquer site de fotografia por aí como já me aconteceu.
    Ainda por estes dias, passeava pelos jardins do “palácio” de cristal, e alguém ocupava o caminho, tirando fotografias, a uma gaija de top, que fazia pose, inclinando as costas para trás, peito para a frente, e já quase a mostrar os bicos das mamas…E ali ficaram durante dois minutos. Ao passar, disse a gaija “sabe é para pôr no Facebook”. Por acaso não sei, nem conheço isso, mas falou como se toda a gente conhecesse, e toda a gente se comportasse daquela maneira.
    Como disse, não se vive o momento, fotografa-se o momento para aumentar o ego.

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