A canibalização do SNS

Valongo

Foto@Adriano Miranda/Público

Apesar dos constantes elogios ao ministro que já foi Director-Geral dos Impostos e que acabou por ir parar à Saúde, a verdade é que casos recentes colocaram a sua gestão debaixo de fogo. Mortes nas urgências, o triste episódio da escassez de medicamentos para tratar a Hepatite C, episódio esse que nos permitiu perceber que o primeiro-ministro valoriza mais o cumprimento do plano de ajustamento do que a vida da plebe, ou o declínio do SNS, apesar da propaganda regurgitada por Pedro Passos Coelho, são apenas alguns indicadores da situação dramática que se vive em Portugal. Para aqueles que não podem pagar o sector privado claro.

Nem de propósito, dou hoje por mim a ler uma notícia do Diário Económico que revela que a “Crise não trava boom dos privados“, numa alusão ao crescimento do sector privado da saúde, que viu nascer 13 novos hospitais e assistiu à duplicação do número de atendimentos nas suas urgências no período 2002-2013. O DE acrescenta ainda que “apesar da crise e das dificuldades financeiras, que se sentiram nos últimos anos, os portugueses continuaram a recorrer cada vez mais aos hospitais privados“. Eu tenho uma teoria para isto, que vale o que vale: os portugueses recorrem cada vez mais aos hospitais privados porque os públicos têm cada vez menos capacidade de resposta e porque estes portugueses preferem apertar o cinto a, por exemplo, ver um ente querido morrer.

Esta notícia remete-me para uma outra, do final de Janeiro, em que o Expresso dava conta da intenção do ministério da Saúde em recorrer às urgências de hospitais privados e militares, numa altura em que o vírus da gripe estava a causar o caos nas urgências dos hospitais públicos. Após reacção dos socialistas, Paulo Macedo tentou controlar os danos, afirmando que recorrer ao privado seria uma opção a título excepcional.

Contudo, a sensação que fica é a de que existe uma relação óbvia demais para ser ignorada entre a perda de capacidade de resposta do SNS e o aumento da procura do sector privado. A entrevista dada pelo bastonário da Ordem dos Médicos à revista Sábado, quando em Janeiro o caos alastrava pelas urgências dos hospitais públicos, é esclarecedora. Cortes salariais, contratação de tarefeiros, reformas antecipadas fruto da perda de condições de trabalho e o fecho de inúmeros centros de saúde um pouco por todo o país ajudam a explicar esta situação. Mas aquilo que define como a “canibalização” levada a cabo pelo sector privado, a que se junta o ímpeto ideológico privatizador de um governo que tem como secretário de Estado da Segurança Social um homem que em tempos fez lobby por um hospital privado cuja história tresanda a corrupção e clientelismo deixa espaço para poucas dúvidas. A agenda é simples: privatizar.

Comments

  1. joao lopes says:

    sem esquecer o sistematico recurso a empresas de sub contratação que no caso dos enfermeiros significa estes levarem para casa a modica quantia de 500 euros, enquanto os “Donos” das ditas ficam com a parte de leão.alias a sub-contratação deu origem a cerca de 2000 pessoas(de fora do estado) terem acesso aos dados fiscais de todos nós(todos não,porque existem 4 vip,s em portugal)

  2. Todos os anos morrem muitas pessoas nas urgencias; só que este ano é ano de eleiçoes.
    Portugal está na vanguarda no mundo da gratuitidade do tratamento a Hepatite C- interessa lembrar os salarios aqui comparados com outros paises(quem diz salarios diz os descontos que são em percentagem).
    O crescimento do sector privado, como não existe a possibilidade dum cidadão optar em igualdade de gastos entre o privado e publico(os sanguessugas que dominam o publico “nosso” não deixam) teremos que nos admirar que haja tanta gente que gasta o seu dinheiro pessoal e não recorre as maravilhas do publico “nosso”.
    Deviam ter vergonha quem acha que é logico um cidadão ter que ir obrigatoriamente a um determinado medico quando existem milhares de medicos e locais pagos com o erario publico e para que o cidadão descontou toda a vida.
    Tresanda a corrupção e clientelismo os benificiarios que a ordem dos medicos defende do SNS “nosso” com os doentes a verem os direitos “condicionados” as vantagens (para alguem menos os doentes)

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