A dúvida e a certeza

“Vem aí o caos e a anarquia! O Laos e a D. Maria! O ás de paus e a almotolia! Eu bem vos dizia, eu bem vos dizia. Papas à noite, fazem azia!”. Era assim que, há quase quatro décadas, falava, com non sense e com mau senso, uma personagem da peça “Portugal com P de Povo”, texto colectivo encenado pelo TEUC. Tal personagem (que caracterizava um conhecido general), como adivinham, tinha levado o chuto do poder para fora e anunciava, sem razões que se vissem, que, depois dele, seria o desastre.

Não foi. Mas ao ver a reacção do governo e a barragem (des)informativa montada pelos seus serventuários nos vários canais de televisão após a do apresentação, pelo PS, do chamado “Relatório para uma década”, lembrei-me daquela fala. Não vou aqui discutir agora os méritos ou deméritos das propostas contidas nesse texto. Todavia, e finalmente, vemos algumas das propostas que tanto se exigiam aquele partido. Elas merecem uma discussão crítica, seja qual forem as conclusões que cada um de nós retire desse debate.

Uma coisa é certa: embora se mantenham nesse conjunto de propostas eixos fundamentais que muitos de nós, desde sempre, rejeitamos, não é menos verdade que os elementos com que o PS se procura demarcar e tornar distinto do governo merecem atenção e, a serem aceites ou recusados, que o sejam por razões fundamentadas. O rol de declarações trágico-demagógicas, lembrando a retórica do poder nas “eleições” anteriores ao 25 de Abril, é absolutamente revoltante. A mentira e o disparate circulam, neste dias, com nervoso desespero.

Pode perguntar-se: mas os partidos da esquerda mais consequente não têm apresentado propostas sérias, profundas, articuladas e mais assertivas que as que agora aparecem neste relatório? Claro que sim. Mas a “comunicação social” está habituada a ocultá-las, tem protocolos de construção de cenários fictícios com rotinas testadas. Porém, agora, as propostas vêm de um protagonista que tem acolhimento no espaço informativo por ser, geralmente, bem comportado e se mover bem no jogo de espelhos que nos impingem como “realidade”. E se o que se propõe sai um pouco – ainda que timidamente – da “matrix”, cai o Carmo e a Trindade. Mais uma vez se vislumbra o que vem aí na campanha eleitoral. Queria, todavia, lembrar algo simples e essencial: se é verdade que estas propostas do PS, como as oriundas do PCP, BE e Verdes podem conter, seja qual for o grau de convicção dos seus autores e a qualidade das suas ideias, elementos de incerteza quanto aos seus resultados, já as do PSD/CDS são, sabemo-lo por experiência, o demonstrado caminho para o desastre. Isto é: iremos escolher entre a dúvida de um dos caminhos que podem correr bem e um outro que corre, de certeza, mal. No momento de decidir – e votar -, é obrigação de todos nós pensar e tentar antecipar as probabilidades de sucesso das ideias que nos são apresentadas. É essa capacidade que nos distingue como humanos. Nos distingue, por exemplo, dos carneiros.

Comments

  1. Dezperado says:

    “se é verdade que estas propostas do PS, como as oriundas do PCP, BE e Verdes podem conter, seja qual for o grau de convicção dos seus autores e a qualidade das suas ideias, elementos de incerteza quanto aos seus resultados, já as do PSD/CDS são, sabemo-lo por experiência, o demonstrado caminho para o desastre. Isto é: iremos escolher entre a dúvida de um dos caminhos que podem correr bem e um outro que corre, de certeza, mal”

    Quando escreve PS esta a falar do Partido Socialista certo? é que dizer que as propostas do PS tem elementos de incerteza quantos aos resultados, deve ser uma brincadeira certo? No passado ja vimos onde nos levou….e com esse documento ja sabemos para onde nos vai levar.

    As medidas do PCP, BE e Verdes apoiam-se sempre na mesma palavra chave: renegociar a divida…..e pronto, aí esta a poçao mágica, para irmos para o país das maravilhas…….

    o BE principalemente que apoiava-se tanto na eleição do Syryza para nos mostrar o outro caminho a seguir, nao esta a correr muito bem. Foi uma entrada de leão, mas vai ser uma saida de carneiro.

  2. Acompanho com alguma atenção os media e não acho que seja a falta de divulgação das propostas das esquerdas o mal da questão. A má qualidade das propostas, a incompetencia em as apresentar sem os chavoes que se mostraram mais que desastroso, e até a desajuste de principios que tiveram a sua epoca no inicio do seculo passado é que tem permitido que muitos se abstenham e outros votem noutra agremiações.
    Todos entendem que seguir regras que tinham lógica quando feitas a 1500 anos, hoje é de atrazado mental( ISIS), mas quando se olha para a agremiação do nosso crer já custa perceber que há que fazer algo; e não são os outros os culpados.

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